Portugal: turismo de qualidade

O Hotel Dom Pedro Palace, em Lisboa, recebeu o último pequeno-almoço debate do ano dedicado ao turismo. As diferentes visões sobre o sector em crescimento estiveram em discussão.

Texto de Sandra M. Pinto

Fotos de Carlos Ferreira

Que Portugal está na moda é inegável. Hoje, mais do que nunca, os turistas procuram o País pelas praias, gastronomia e cultura. Os proveitos do turismo estão a crescer cinco vezes mais que o ritmo de crescimento do número de hóspedes. As receitas subiram 13,9% nos primeiros seis meses do ano, face a igual período do ano passado, para 6,9 mil milhões de euros, segundo dados divulgados pelo Banco de Portugal (BdP). O turismo é a maior actividade exportadora da economia portuguesa, mostrando os números oficiais que o turismo continua a crescer ao longo de todo o ano, sendo que o ritmo das receitas significa que Portugal está a crescer em valor, conseguindo atrair turistas que gastam mais. Como que a confirmar esta tendência, Portugal foi eleito como “o destino a visitar” (“Hottest Destination”) em 2018 pelos Virtuoso Awards – uma rede global de viagens de luxo. De facto, tudo parece indicar que Portugal se afirma cada vez mais como um destino de qualidade, atraente para turistas que gastam mais. Mas será mesmo assim? O que pensam os players desta tendência?

Este e outros temas serviram de base ao pequeno-almoço que teve lugar no Hotel Dom Pedro Palace, em Lisboa, e onde estiveram presentes: Catarina Pádua (directora de Marketing do Grupo Vila Galé), Catarina Zagalo (directora de Comunicação da ANA – Aeroportos), Eduardo Cabrita (director-geral da MSC Cruzeiros em Portugal), Paulo Monge (director de Vendas da Sana Hotels), Isabel Barata (assessora do presidente do Conselho de Administração da Electricidade dos Açores, S.A.), Margarida Blattmann (directora de Marketing da Springwater Tourism) e Bernardo Corrêa de Barros, (administrador da Cascais Dinâmica). Com a finalidade de se alcançar um debate mais aprofundado por parte de todos, foi decidido que nenhuma das intervenções seria atribuída directamente no texto.

O aeroporto, sempre o aeroporto

Com o passar dos dias a necessidade por uma solução para o congestionamento no Aeroporto Humberto Delgado aumenta. A tremenda pressão colocada no aeroporto da capital portuguesa é desconfortável, tanto para quem nele trabalha como para os que por ele passam em trânsito. A solução passa no curto prazo pela abertura de um novo aeroporto no Montijo, mas até que a solução se concretize, como se desenvolve o dia-a-dia no aeroporto de Lisboa?

Neste aspecto as opiniões divergem, estando elas baseadas nas diferentes experiências de cada um, «já viajei três vezes este ano e não senti constrangimento algum», afirma um dos participantes, afirmação de imediato retida por outro, «pois eu viajo todas as semanas e não há nenhuma em que não tenha um problema, um atraso ou outra qualquer questão». De facto, quais serão os factores que intervêm nesta situação? Por um lado, o número crescente de passageiros, consequência do número igualmente crescente de voos. «Mas não é só isso», ouve-se, «o maior problema é a falta de slots, não é o aeroporto », ou seja, a questão fulcral da pressão é o próprio espaço aéreo. A realidade é que no Aeroporto Humberto Delgado não há slots disponíveis, «daí vermos os aviões em fila para poderem aterrar em Lisboa». Mas será que não há slots, ou há slots que ninguém quer? De facto, há quem afirme que existem slots disponíveis, mas que ninguém quer porque estão em horários pouco atraentes. Vozes discordantes defendem que há slots e que há ainda espaço físico para surgirem muitos mais, os mesmos que defendem que a pressão sobre o aeroporto tem outra causa. Por hora no espaço aéreo de Lisboa só podem ser feitos 40 movimentos, sendo esse o número de slots que a entidade reguladora tem de gerir, «tudo depende da utilização flexível do espaço aéreo».

Foram assim identificadas duas causas: o próprio aeroporto de Lisboa e o espaço aéreo, cujo funcionamento se reflecte directamente na pista, «sendo que a taxa média de utilização do aeroporto de Lisboa é de 87%, valor muito acima do que é normal. Isto leva a que os slots que existem não sejam muito interessantes para as companhias aéreas comercialmente, pois são fora dos picos de actividade, entre as 06h00 e as 06h30 e as 23h30 e as 24h00». Percebe-se que se o sistema de navegação fosse melhorado e se fosse possível ter mais movimentos por hora, o aeroporto aguentava mais movimentos. «A proposta de expansão do aeroporto de Lisboa prevê evoluir de 40 para 72 movimentos por hora, repartidos por 48 no Humberto Delegado e 24 no Montijo». Todos concordam que o problema assenta primordialmente no elevado ritmo de crescimento dos últimos anos, «algo que ninguém previa que acontecesse», pelo que é perfeitamente lógico que uma infra-estrutura leve o seu tempo de adaptação. «Exactamente o que se está a passar com o aeroporto de Lisboa, pois, para acomodar mais x milhões de passageiros, é preciso actuar na infra-estrutura e isso leva o seu tempo e tem de ser planeado.» Se tivermos em linha de conta que o número de passageiros que passam hoje por Lisboa estava estimado para daqui a 10 anos, rapidamente se percebe a tremenda pressão colocada sobre o Aeroporto Humberto Delgado, a qual necessita de rápida solução. Pressão essa que acaba por se reflectir noutras actividades do sector, como seja a hotelaria ou mesmo os cruzeiros.

Outras soluções além do Montijo?

Estando a solução Montijo acertada como definitiva para o problema do aeroporto da capital, por que não olhar em redor e perceber se não há outras opções que ajudem a solucionar a questão da pressão sobre a Portela? Há, de facto, bem perto de Lisboa uma opção que devia ser equacionada, o Aeródromo Municipal de Cascais, que no final de 2018 passará a aeroporto internacional, depois de cumprir uma série de critérios internacionais. Até agora Cascais tem funcionado como uma solução alternativa a alguns momentos mais críticos vividos ao nível da pressão colocada sobre o espaço aéreo da capital, pois inúmeras vezes foi lá que os aviões acabaram por aterrar.

«É preciso perceber que Cascais é, efectivamente, uma alternativa para a aviação executiva», foi defendido, «o que ali se pretende não é receber aviação comercial regular, mas sim aviação privada, muita dela oriunda de uma Portela cheia. Com esta medida libertava-se espaço no ar e em terra com maior disponibilidade de slots e da pista no aeroporto de Lisboa». Esta seria uma solução, tendo em conta que a aviação privada não deseja vir aterrar no Montijo. Para ser concretizada têm de se unir vontades e ultrapassar questões «políticas, de concessão e contratuais».

O peso do turismo

Como é que num País onde o turismo é o principal motor da economia, este sector só represente 8%, de acordo com os dados lançados na última Cimeira do Turismo? Importa perceber o que é importante fazer para que esse peso possa crescer. Mas, simultaneamente, é preciso saber se Lisboa tem a necessária sustentabilidade para suportar esse crescimento. Como conseguir conjugar todos estes factores com vista a um maior desenvolvimento do turismo?

Em primeira análise temos de perceber que os turistas que chegam o fazem ou em lazer ou no âmbito de uma viagem de negócios, sendo que não raras vezes se levanta a questão da falta de capacidade de Portugal, nomeadamente Lisboa, para receber grandes eventos, como seminários e congressos, o que «acontece, sobretudo, por falta de dimensão na infra-estrutura hoteleira e de espaços que possam acolher estes grandes eventos». A constatação teve concordância de todos os participantes, «hoje os grandes congressos europeus, nomeadamente em áreas como a medicina, têm para cima de 12 mil participantes, e Portugal não tem um espaço que possa acolher este número de pessoas, e isso é, efectivamente, um problema».

Se olharmos para a oferta hoteleira, rapidamente verificamos que em Lisboa apenas duas unidades hoteleiras possuem mais de 400 quartos, as restantes estão todas abaixo deste número, «situação reveladora desta fragilidade relativamente à infra-estrutura hoteleira da capital». Esta situação é reveladora do facto de que a velocidade da procura não acompanha a velocidade da oferta, «mas esta situação não é exclusiva da hotelaria, estende-se, por exemplo, ao universo dos cruzeiros, onde a oferta também não acompanha a procura». Todos concordam que ninguém esperava este crescimento do turismo nacional, «é verdade que a promoção foi feita, mas, além disso, muito contribuiu a situação política e de instabilidade de outros destinos. Tudo junto fez o nosso turismo “disparar”, algo que não era expectável de uma forma tão rápida», e a verdade é que ninguém estava preparado para esta situação.

Qual o desígnio de Portugal?

Focar o turismo no turismo de negócios poderá ser bastante redutor, «falta um pensamento mais estruturado, partindo da questão de tentarmos perceber qual é o desígnio do país». Costuma falar-se em dois, por um lado, o mar, por outro, o turismo, «mas a verdade é que não existe nenhum pólo de referência internacional de conhecimento, nem em mar nem em turismo, o que revela uma enorme fragilidade».

Depois é preciso perceber qual é o tipo de turista que pretendemos atrair, «e definir a estratégia com vista a esse objectivo », tal como já o fizeram algumas cidades, como Cascais, «com forte aposta na cultura, no ambiente, nos eventos, nos congressos, etc.». Finalmente, é essencial estruturar uma comunicação apropriada para atingir os mercados que realmente vão fazer a diferença no turismo em Portugal. «De facto, a única coisa que tem sido feita no âmbito do desenvolvimento do turismo é a aposta no transporte aéreo», algo que todos concordam «não ser de todo suficiente». É preciso decidir o que queremos para Lisboa, «não nos podemos transformar num parque de diversões, e realmente Cascais é um bom exemplo, pois mantém a sua identidade e as suas pessoas e capta turistas de qualidade». O exemplo poderá não ser replicado em todo o País, pois cada região tem a sua especificidade, «mas podemos, efectivamente, retirar dali ensinamentos, fazendo a devida adaptação a cada destino turístico do País».

No caso de Lisboa o enfoque principal torna-se mais complicado de gerir, «dados os vários eixos em que a cidade se movimenta, desde a gastronomia, ao turismo de negócios, passando pelo lifestyle e pela segurança». Mas mais importante do que a comunicação, «é perceber que turistas queremos cativar, estando, obviamente, os dois factores ligados entre si». É importante perceber o que pretendemos atrair, mas é «inegável que é importante ter todos os tipos de turistas, pois só assim conseguimos capitalizar investimentos e, em última análise, o destino».

Artigo publicado na edição n.º 268 de Novembro de 2018.

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