Os jornalistas recebem avalanches diárias de press releases. Alguns chegam a receber centenas de documentos desta que, tradicionalmente, tem sido uma das formas das empresas e das marcas lhes fazerem chegar a informação de novidades, resultados ou declarações dos porta-vozes. Cientes desta realidade, os comunicadores profissionais sentem que é chegado o momento de fazerem uma reflexão em conjunto com os meios porque «assim como está não é eficiente».
Este foi o ponto de partida do mais recente encontro do grupo que bimestralmente reúne para debater temas da área da Comunicação. Presentes no almoço, que resulta de uma parceria entre a Marketeer e a APCE, e que, desta vez, se realizou na sede da EDP, em Lisboa, estiveram Ana Allen Lima (CUF), Ana Lúcia Teixeira (Ana Aeroportos de Portugal), Ana Pinho (Prio), António Rapoula (EMEL), Catarina Tomaz (Via Outlets), Dina Alves (Pestana Hotel Group), Diogo Sousa (Galp), Filipa Barata (Nova SBE), Francisca Seabra (Burson), Helena Laymé (ISEG), Hugo Modesto (Siemens), Inês Simões (Ageas), Isabel Roseiro (Randstad), Luís Garcez (APCE), Paula Portugal Mendes (APCE), Raquel Almeida Correia (EDP), Rita Pinho Branco (Montepio Associação Mutualista), Tânia Videira (Celfocus) e Teresa Lameiras (SIVA).
Entre os convivas, é lembrado que, no passado (embora algumas empresas ainda o façam), havia uma maneira de lidar com os jornalistas que passava por convidá-los para apresentações ou oferecer determinados eventos: no entanto, hoje as políticas das empresas são bem mais restritivas e muitas já não permitem isso, não sendo possível aos profissionais de comunicação ser tão criativos como o foram no passado.
«Tentamos, com as limitações do compliance, práticas de convites, mas perfeitamente regulamentados para experienciar e vivenciarem as marcas», escuta- se entre os participantes no almoço. Ainda assim, o press release, mais ou menos reinventado, tem que acontecer.
Sem terem uma resposta para reduzir a avalanche de press releases que os jornalistas recebem – «porque se todos nós telefonarmos, eles não conseguem gerir; se todos nós mandarmos mensagem e e-mails, eles não lêem» –, os profissionais de comunicação lembram que o desafio do digital também trouxe uma necessidade de veicular mais notícias para os próprios meios terem conteúdos. O que acontece, frequentemente, é que há press releases a ser publicados tal e qual como são enviados, sem haver qualquer trabalho de edição e adaptação ao meio em questão. E isso não serve os interesses de ninguém: nem de quem envia, nem de quem publica e muito menos de quem consome esses conteúdos, que serão iguais em todo o lado. «O que é exigido aos meios de comunicação social é que tenham um trabalho diferente de selecção e não fazerem apenas copy paste daquilo que nós mandamos.»
Do lado de quem envia – empresas e agências de comunicação – «temos de ter a noção de não fazer press releases por tudo e por nada, de sermos relevantes naquilo que dizemos e preferencialmente ter o ângulo que interessa a quem nos estamos a dirigir», escuta-se entre as vozes no debate. Ou seja, o press release tem que ser mais customizado para quem está a ser enviado e ter o ângulo que querem que o meio agarre. «Também nós temos de ser criativos e não inundarmos as publicações com press releases (PR).»
As empresas têm dois grandes desafios: conseguir fazer um PR bem feito e, dependendo dos meios, personalizar e diferenciá-lo, em vez de enviar o mesmo para 20 meios diferentes. E há algumas agências que fazem isso. «Continuo a achar que o PR funciona, mas tem de facto de ser bem feito e ser apelativo», ouve-se a várias vozes.
E acrescentam que é uma estrutura que é sempre igual. «É uma base que ajuda quem faz e quem recebe. É uma base com regras simples, que as pessoas conhecem do lado de quem produz e do lado de quem recebe a informação e que funciona.»
Entre os participantes no debate escuta- se: «O press release tem um mérito muito grande que é obrigar a estruturar a informação aprovada internamente de uma forma que permite não só trabalhar a informação junto dos media, como também na multiplataforma pela própria empresa ou marca. Porque depois distribui-se aquela informação aprovada pelas várias equipas que têm de trabalhar com o conteúdo e esse conteúdo é direccionado e é trabalhado por vários segmentos, que pode ir desde o LinkedIn, a comunicação interna ou outra necessidade qualquer.» Ou seja, não restam dúvidas de que o velhinho PR continua a ser útil. Mas tem de ser relevante. E advertem: «Se estamos a contar uma história, que é mais uma e que não acrescenta nada a quem está a receber, o expectável é que seja apagado imediatamente. Cada vez que produzimos um comunicado de imprensa, temos a responsabilidade de acrescentar de forma relevante uma história que contribua não só para contar a nossa própria história, mas também para a publicação que a recebe.»
Inegável, entre os participantes, é que todos enviam press releases que são prioritários, outros que são importantes e outros que são enviados só por enviar. Há informações que são enviadas (sem haver grande esforço para ser publicado) e que se sabe, à partida, que não terão uma recepção fantástica. «Sabemos que a importância relativa de cada um deles não é exactamente a mesma.» Mas, às vezes, também há pressão superior para isso.
Todos temos preocupações sustentáveis, mas…
E falando em pressões, à mesa salta-se para a sustentabilidade no seu sentido mais lato. Um tema intrinsecamente ligado à legislação (nacional e europeia) e às certificações. E no momento actual há uma grande incerteza quanto ao futuro, nomeadamente em sectores que tenham uma maior interdependência dos EUA, uma vez que, desde a tomada de posse de Donald Trump, foram dadas indicações para substituir políticas de DEI pelas de Community and Connect. E há algumas certificações que estão agora sujeitas a esses novos indicadores para mercados como o norte-americano, mas que continuam a ter de responder na Europa pelos critérios de DEI, em vigor de forma global até há bem pouco tempo.
Independentemente da pressão de este ou de outro governo, os cidadãos despertaram para as temáticas da sustentabilidade. Um exemplo disso é o ruído. Até à pandemia nunca ninguém tinha reparado que havia ruído. Na pandemia habituaram-se ao silêncio e então os habitantes de Alvalade, de repente, repararam que está ali o aeroporto e agora há reclamações de ruído. Mas ainda no âmbito da aviação há questões de legislação quanto a combustível e, mesmo que determinados Estados ou empresas as queiram ignorar, as questões de sustentabilidade não vão abrandar e estes são temas que estão para ficar.
Ainda assim, apesar de as pessoas se dizerem preocupadas com questões ecológicas e de sustentabilidade, continuam a comprar na Shein e na Temu. Mesmo as que podem pagar pela sustentabilidade, se puderem pagar menos fá-lo-ão. «A sustentabilidade está na carteira.»
De uma altura em que a sustentabilidade era uma palavra fofinha e trendy («toda a gente queria estar no barco») e que era até um asset de comunicação, hoje passou a ser uma obrigação e uma responsabilidade que as empresas estão muito focadas em cumprir e que dá trabalho. Acresce que tem impacto no preço que o consumidor tem de pagar pelo produto ou serviço. «Acho que muito rapidamente vamos passar de ter o que é agora só uma obrigação para ter uma verdadeira dor de cabeça na comunicação», escuta-se uma voz dizer. E explica que quando as pessoas começarem a perceber o impacto directo no seu bolso, a sustentabilidade vai deixar de ser algo acarinhado pelo consumidor, porque o que as pessoas querem, no fim do dia, são boas soluções a um custo eficiente.
Daí que o papel das empresas tenha de passar por equilibrar um caminho sem retorno com os custos acrescidos que trará. «Como é que se explica que um bilhete para voar para um destino onde nós já voámos “n” vezes e que sabemos o valor de referência vai custar 10% mais?», questionam.
Os participantes no almoço destacam que na indústria, por exemplo, este caminho pela sustentabilidade demora um pouco mais, mas é um processo que está em evolução. «É um processo do qual não nos podemos demitir, porque tem um impacto importante e tem que ser feito pouco a pouco.» Mas sabem que quando chega a hora do preço, as pessoas não têm ainda enraizada esta consciência social. Daí que em termos de comunicação já não seja tão relevante. «É uma preocupação que é mais estratégica e que se vai repetindo em várias coisas que vamos fazendo. É algo que está sempre ali. Até porque é a nossa responsabilidade enquanto empresa e pelo nosso futuro.» No entanto, deixou de ser sexy de comunicar porque tem a questão do incremento do valor a pagar.
Em termos de comunicação a aposta pode (e deve) ir além da sustentabilidade ambiental, falando sobre outros aspectos que importam ao consumidor, mas que não lhe mexem na carteira, como os valores sociais da própria empresa.
Mas como é que se faz este equilíbrio entre uma coisa que é importante para stakeholders e investidores de regulação, mas se calhar para os consumidores já não é assim tão importante? «Sinto que passámos de uma fase em que falávamos de sustentabilidade como um conceito quase metafísico e começámos a tangibilizar no carro, naquilo que compramos e agora é preciso torná-lo competitivo em termos de preço», responde um dos participantes. Em bom rigor, até ao momento em que se tem de mexer na carteira todos somos a favor dos ideais. Mas a verdade é que muitas vezes o tarifário verde é muito mais caro do que o tarifário normal. E nesse sentido há que procurar ter um preço competitivo para que as pessoas comprem, porque se assim não for, no final do dia, obviamente não vão comprar. E fica a esperança e um recado: «Sinto que caminharemos para lá se a Europa se tornar menos burocrática, menos exigente e a parte dos processos tiver uma carga menor para as empresas.»
Impacto da Inteligência Artificial Generativa
Apesar de os profissionais usarem bastante a inteligência artificial generativa, nem sempre as empresas onde trabalham estão a acompanhar. Algumas só deixam usar as versões mais básicas, porque ainda estão a avaliar tudo. Para os profissionais torna-se, amiúde, frustrante. «Porque há imensas coisas que nós podemos fazer de uma forma muito mais rápida e muito mais interessante. Mas os computadores estão monitorizados e não dão mesmo para usar», confidenciam.
Mas importa deixar claro que há diferentes tipos de utilizações que poderão ser feitas das mais recentes evoluções tecnológicas. Se numa utilização pessoal existe quem peça ajuda para, por exemplo, fazer uma compilação geral de algo, com vários pontos, para não ter de o fazer do zero, numa utilização mais empresarial há quem use para tarefas mais mecânicas como a classificação das reclamações/sugestões/elogios, conseguindo redireccionar para a pessoa que tem de responder. Nesse trabalho mais “fabril” ajuda libertar as pessoas para que se dediquem às questões que realmente exigem mais tempo e mais raciocínio. Um dos participantes conta que não estão ainda a responder automaticamente às reclamações, «nem acho que o iremos fazer», mas acredita que podem melhorar os templates com base na inteligência artificial.
À mesa há ainda quem conte uma experiência que, do lado do marketing, propriamente dito, resolveram fazer com uma startup que faz vídeos com IA com base em banco de imagem (vídeo, imagem e som) ou imagens da empresa, tendo percebido o interesse e o potencial pelas experiências feitas. «Mas exige que a minha equipa, que é uma equipa de marketing, tivesse capacidade de design e copy, que se calhar não tem.» Assegurando que a ideia não é dispensar as agências com as quais trabalham, admite que, «para os posts do dia-a-dia, poderia ser interessante». No entanto, salienta: «Mas, fazer algo em bom exige muito tempo e uma equipa que teria de ter qualificações.» A avançar com essas qualificações, estaria a internalizar um serviço que, neste momento, está fora (bem como os respectivos custos) o que, na maioria das empresas, não é bem recebido. «Portanto, vamos continuar a fazer coisas simples, muito pequenas, e o resto vamos continuar a deixar na agência.»
Entre os mais jovens a entrar no mundo empresarial verifica-se uma utilização intensiva para todo o tipo de tarefas, desde a redacção de um e-mail à criação de posts. Mas, salientam os profissionais, é muito evidente que estão a usar IA porque, na maioria das vezes, há muita adjectivação, resultante de prompts mal feitos que nem sequer pedem para ser português de Portugal.
«Para ser bom tem de se dar muita informação de contexto. E tem de ser o humano a ajudar a IA a personalizar as nossas ideias. Tudo isso dá muito trabalho. Há uma relação directa entre a qualidade do que se põe versus aquilo que recebemos. Mas o nível de informação que se deposita é perigosíssimo, uma vez que fica a ser partilhado por todos», alerta- se entre os profissionais. Por isso é que foram criadas redes próprias para as empresas. Mas nem todas têm, claro.
A questão hoje já não está tanto em quem utiliza, mas em quando é que se usa. Uma voz lembra, entretanto, o tema da ética da utilização da inteligência artificial. «A parte criativa pode não ser tão problemática porque estamos a falar de coisas simples, em que não há a transmissão de informação para lá, mas quando colocamos, por exemplo, reclamações ou análises de dados pessoais, estamos a enviar esse dados para um sítio que não sei qual é que é. Isso é preocupante.» E é sobretudo (mas não só) nesses casos que é imperativo que se trate de redes fechadas. E outra voz lembra que em tudo o que se faz há riscos: «Também tenho uma pessoa a analisar reclamações que pode chegar a casa e comentar com os amigos.»
Entre os convivas conta-se ainda que na área das agências de comunicação usa-se muito a inteligência artificial e não é para escrever press releases ou artigos de opinião. Mas muito também para introduzir – até nos clientes de comunicação corporativa e institucional – o lado da criatividade. Seja organização de eventos, conferências ou pensar em conceitos que podem ajudar enquanto estão a fazer desenvolvimento de negócio dentro do cliente. Mas também aqui fica o alerta: «É importante fazer formação contínua das pessoas para elas aprenderem a tirar partido das ferramentas que ainda não dominam para facilitar o seu trabalho. Há que tentar e experimentar, mas a formação por alguém que saiba e ensine é fundamental. Até porque deixar as pessoas à solta pode ser perigoso. A curadoria e o lado ético são fundamentais.»
Uma voz confessa que a assusta que os profissionais sejam tentados a trabalhar ainda mais. Como as tarefas são mais rápidas, são desenvolvidos mais projectos. «Os nossos pais entravam às 9 e saíam às 5. Não havia telemóveis, portanto, a vida profissional acabava ali. Entretanto, vieram os telemóveis, a internet e nós continuamos a trabalhar mais horas do que eles. Deveríamos trabalhar menos, porque temos os instrumentos para nos ajudar», desabafa. No entanto, acredita que a IA vai fazer os profissionais da área trabalhar mais intelectualmente, porque o número de ideias com potencial para fazerem é muito maior. «Ou nos sabemos controlar – que é difícil –, ou então, de repente, já nem temos tempo de ler porque estamos a desenvolver imensos projectos. A IA não está a trabalhar para mim. Está a dar-me cada vez mais estímulos.»
No entanto, nem todos concordam com esta visão, havendo no grupo quem lembre que estão apenas a fazer outro tipo de projectos, se calhar mais complexos, porque têm ajuda na parte operacional. «Há 20 anos começávamos uma campanha com press release, agora lançamos inúmeras declinações para multiplataformas, para diferentes targets. É uma complexidade muito maior e não necessariamente trabalharmos mais.»
A acrescer a esta questão há ainda uma alteração nos perfis e competências necessários. Agora procura-se mais competências de análise crítica, de criatividade e de outras capacidades mais humanas, como a empatia, que acabam por ser um complemento àquilo que as máquinas fazem pelos profissionais.