Liderança, segundo Susan Credle

Por Susana Albuquerque, directora Criativa da Uzina

Nos últimos tempos, o universo (não confundir com o metaverso) tem-me chamado para algumas iniciativas de Clubes de Criatividade fora de Portugal. Em Março, participei no Elevate, um programa de mentoria do One Club para novas lideranças dirigido a mulheres e indivíduos não binários.

Confesso, tenho dificuldade em recusar convites quando acho que vou aprender e conhecer gente interessante. Sacrifico livros e séries de bom grado. Sobretudo quando o convite inclui conversar com a Susan Credle, CCO da FCB Global.

Há muito tempo que a Susan é uma referência. Nesta conversa, com o título “Leading from the heart”,  ela falou sobre a sua visão da liderança. Confrontada com o retrocesso do velho estilo macho alpha do “comando e controlo”, Susan contrapõe um modelo baseado em generosidade, vulnerabilidade, confiança e curiosidade. Deixo aqui as minhas notas da conversa.

1. A vulnerabilidade é um activo, mas ela só existe se nos dermos a possibilidade de errar. Vamos menos longe quando não aceitamos o erro. Os erros são bem-vindos, eles significam que tentamos e às vezes falhamos. Isso é o oposto da preguiça, daquele que falha porque não tenta. O medo de errar e o erro em si são duas coisas diferentes. O medo de errar paralisa-nos e impede-nos de fazer.

2. Desde crianças que nos dizem “tens que ser perfeita”. E com isso vem o “eu não valho nada”. E com isso vem o síndrome do impostor. Isto é verdade para homens e mulheres. Uma das últimas vezes que ela perguntou numa sala de líderes criativos quem já tinha sentido o síndrome do impostor, todos levantaram o braço. O seu conselho: repensa o significado do síndrome do impostor. Pensa que ele significa que queres fazer melhor, e não que és um falhanço. Transforma a ansiedade em combustível. Sobre a sensação de “eu não mereço isto”, que tantas mulheres sentem, ela lembra: se estás na sala, é porque mereces estar aí. Sobre as portas abrirem-se, agora, porque és mulher: pensa que durante 20 anos as portas estiveram bem fechadas. Mereces estar aqui? Claro que mereces estar aqui. As pessoas mais capazes costumam ser as mais duras consigo próprias. E o contrário também é verdade.

3. Somos todos um work in progress. Não é verdade que só valemos aquilo que vale o nosso último projecto. Todos construímos a nossa marca através da consistência e do tempo.

4. Sobre a honestidade e sobre dizer a verdade. A maior parte das mulheres evita magoar os outros, mas a honestidade dá mais poder às nossas ideias. Para Susan dizer a verdade é fácil, ela acha que não é suficientemente esperta para mentir. Se se sentir sobre um terreno falso, ela não sabe como liderar. Mas ela nem sempre partilha com os outros tudo o que pensa. A sua estratégia é ser honesta com um propósito, com o objectivo de ter um impacto positivo nas pessoas que lidera. A honestidade na liderança deve ser sobre a pessoa que estás a liderar, o seu melhoramento, e não sobre fazer o líder sentir-se melhor consigo.

5. A honestidade deve vir de um lugar generoso, e não defensivo. Quando o teu estômago te diz alguma coisa, explora-o. Fala com colegas sobre isso até ficares menos zangada. Ela dá um exemplo: ela faz parte do board do One Club há anos. Nesse board, durante muito tempo existiam muitos homens e poucas mulheres. Ela queria defender mais diversidade, mas não tinha coragem. Decidiu fazer algumas chamadas para ganhar confiança e percebeu que não era a única a pensar assim. Isso deu-lhe força para trazer o assunto para a mesa. Ela tem uma grande máxima na profissão. Never Finished. Sente que aprende alguma coisa todos os dias.

6. Há uma grande diferença entre introvertidos e extrovertidos. Os introvertidos sentem-se sugados depois de um momento de exposição; os extrovertidos precisam dessa exposição. Um conselho para quem é tímido e quer liderar: terás de trabalhar sobre isso. A própria Susan sente-se tímida. Acha que a maior parte dos criativos são tímidos, pessoas que gostam de passar tempo consigo próprias. Mas se ela não tivesse ultrapassado a sua timidez e não tivesse aceitado um convite para jantar em Cannes, nunca teria estabelecido a rede de contactos que mudou a sua carreira e lhe permitiu estar onde está hoje. É importante aparecer, fazer ligações. Elas tornam-se valiosas e importantes para ti.

7. Sobre pedir ajuda: às vezes isso é visto como “eu não sou suficientemente esperta”. Mas pedir ajuda também é uma forma de dizer a alguém que o valorizas. Pedir ajuda não quer dizer que és fraca, diz que valorizas a pessoa a quem pedes ajuda.

8. Sobre não ter um ego grande e o assunto nunca ser sobre ela: o que lhe dá prazer, na profissão, é ser generosa e ajudar os outros a ter sucesso. Confessa que evoluiu do “what’s in it for me” para “what’s in it for us” e mais tarde para “what’s in it for you”. Sente que quanto mais tem, mais pode dar. Sente que a generosidade é uma matemática estranha que nos devolve muito. Quanto mais a praticas, mais rica ficas. Certifica-te que pensas nos outros quando lideras.

9. A liderança vem com um problema: achas que consegues sempre ir mais longe, fazer mais e melhor, ganhar mais, ter mais sucesso. Este é o síndrome do líder, e com ele vem o medo de falhar.

10. E finalmente, sobre se vale a pena ser líder: ser líder é uma enorme fonte de alegria. Ajudares outras pessoas a ter sucesso e a fazer grandes projectos. Dares espaço às pessoas e ajudá-las a encontrar caminhos para avançarem. E ainda tens a sorte de escolher a companhia que queres ter à tua volta.

 

Artigo publicado na edição n.º 309 de Abril de 2022

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