Cosmogonia da identidade – A escrita da marca

Por Pedro Pires, director criativo da Poets & Painters

“O artista é quem inventa os meios de fazer a ponte entre a herança biológica e os ambientes criados pela inovação tecnológica”, in “Laws Of Media” (1988), Marshall and Eric McLuhan.

Não sei qual era a marca da bola de cristal de McLuhan, mas nunca o meio foi tanto a mensagem. E nunca foi tanto o convencimento que é no formato que está a virtude. Ou talvez não… diga-se em defesa de muitos, “não estará lá, mas não sei como evitar obedecer–lhes”. É a paixão com o awareness, o engagement e outras métricas sociais, é a platonização molhada com os filmes, os pre-rolls. Nunca os formatos de media condicionaram tanto a mensagem. Os marketeers vivem viciados nas métricas, agarrados aos KPI, a ressacar com os likes de uma story, ansiosos por comments que podem determinar a mudança estratégica que ninguém sabe a que oráculo obedecerá. Nunca os índices quantitativos estiveram tão afastados dos impactos qualitativos.

“O consumidor médio pode ver até 5000 ou mais anúncios diariamente e, do total de 590 minutos gastos, observam 153 anúncios. Qual é o número médio de anúncios que envolvem o consumidor? A resposta é 12”, William Craig, 2018, “Forbes”. E, isto, para no dia seguinte, ninguém se lembrar de nada.

É que McLuhan também diz … “Quanto mais os bancos de dados registam sobre nós, menos existimos.”

Não obstante a mensurabilidade, existe aquela parte do dinheiro investido que ninguém sabe para onde vai… ou melhor, agora sabemos, só não sabemos é que efeito tem, pois não evoluímos na mesma medida na definição dos parâmetros qualitativos, toldados que estamos pela vertigem dos números. “Corremos o risco de valorizar mais as coisas que podemos medir com mais precisão, o que significa que muitas vezes estamos precisamente errados em vez de aproximadamente certos”, Sir John Banham, director-geral da Confederação da Indústria Britânica, 1987-1992.

Convém perceber que media, formatos, métricas e acesso todos têm. É uma característica paritária da comunicação. A identidade e a criatividade (a cultura da marca) são as características diferenciadoras. Acredito que a cultura é o instrumento de prolongamento da memória. A Consistência Cultural de Marca é a luta contra a fragmentação do entendimento, perante o excesso de conhecimento. A maioria das nossas acções não é informada pela razão, e, na actual fragmentação, é um facto cada vez mais presente. Acredito no poder da arte enquanto macromecanismo de equilíbrio emocional da humanidade. Acredito no poder do design enquanto mecanismo de organização dessa realidade, de regulação social e relação humana. E claro, tal como na arte, da sua ampliação, romantização, do seu condicionamento, e da libertação do que poderá ser uma análise quantitativa da existência. Se o meio é a mensagem, a cultura é o derradeiro meio. Se não conseguimos controlar a proliferação de novos meios, se os formatos condicionam a tipologia e a qualidade da mensagem, se este desenvolvimento afecta os modelos narrativos e de recepção, se o nível de ruído e de fragmentação são tão elevados que estar visível é um exercício esquizofrénico, o que nos resta?

Decidi escrever um livro acerca disso – “Mapas de Identidade – a escrita da marca”. Acerca de identidade e do design verbal enquanto acto de criação primordial na construção de marcas. Da forma como escrevemos os elementos identitários para obtermos a produção de cultura, cuja percepção gere compreensão e valorização. Chamo a isso a Escrita da Marca.

Escrever a Identidade é um acto que precede o desenho visual, que deverá ser construído para se atingir o que chamo de Consistência Cultural de Marca. Sempre criei estruturalmente. Origem, espaço, terreno, tempo, sonho. Só assim consigo começar. É disso que trata este livro. São os desenhos das estruturas que crio para criar. Está tudo nos mapas.

“Cosmogonia da identidade” – A escrita da marca é um livro escrito por Pedro Pires, desenhado por José Mendes e ilustrado por João Maio Pinto e que será lançado pela Poets & Painters em Fevereiro de 2024.

Artigo publicado na edição n.º 329 de Dezembro de 2023

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