CR7 e o seu pontapé na crise

Por Marta Araújo, Consultora de Comunicação da LikeBrands

Habituado a vencer, a marcar golos, a bater recordes e a estar no topo do futebol mundial durante as últimas duas décadas, Cristiano Ronaldo tem vivido uma espécie de anomalia nos últimos meses. Dentro de campo, a boa forma ainda não apareceu esta época e a instável relação com dirigentes e treinador do Manchester United não lhe criaram as melhores condições para apresentar o rendimento de outras épocas. Fora das quatro linhas, há um ser humano que não é imune a momentos difíceis da vida e que teve de enfrentar duras batalhas. Podemos falar numa crise de CR7 e tudo o que a sua marca representa? O timing da sua polémica entrevista foi errado? As opiniões dividem-se. No entanto, tudo indica que este “chuto na crise” foi estrategicamente planeado.

Há muito que Cristiano Ronaldo tem os holofotes mediáticos apontados para si. É um desportista lendário, uma celebridade em todo o planeta e a personalidade mundial com mais seguidores nas redes sociais – mais de 497 milhões de pessoas no Instagram e o número não pára de aumentar. Está numa posição em que o escrutínio é máximo e desde cedo percebeu que, além da camisola do clube e da Selecção, teria de vestir um colete à prova de bala, perante a gigantesca profusão de notícias, rumores e informações que proliferam em torno de si e dos seus. Tudo o que se passa dentro e fora dos relvados é visto à lupa e a procura de escândalos e factos mais sensacionalistas tende a “vender mais”.

Sendo um alvo preferencial do sistema mediático, isso também significa que CR7 tenha a possibilidade de usar o mesmo de forma estratégica sempre que o entender. Quando quer passar a sua mensagem ou vincar uma posição, tem a perfeita noção que uma entrevista em televisão será vista por milhões de pessoas e que a mesma terá impacto forte. Os ecos do que disser irão sempre ter uma enorme ressonância. Significa isto que uma aparição televisiva, no timing certo, pode ser uma excelente arma, sobretudo de defesa, por mais que pareça de ataque, mesmo que saia com alguns ferimentos na sua reputação.

“Ser grande significa ser incompreendido.” A frase é de Oscar Wilde e dá que pensar sobre este caso. Para o bem ou para mal, Cristiano partilhou sentimentos, opiniões e estados de alma. Humanizou uma figura que muitos apenas conhecem dos pontapés que dá na bola. Há aqui uma espécie de redenção, à revelia do seu clube, que não espera consenso. Uns dirão que o seu comportamento não foi o mais correcto, que não estará a saber lidar com esta fase mais avançada da carreira e que o seu inconformismo e forte mentalidade, que sempre foram o motor das suas conquistas, em que quis alcançar mais e mais, o podem estar a trair, já que o rendimento começa a não corresponder e o declínio é evidente. Por seu lado, outros entenderão os argumentos apontados pelo jogador, as dificuldades que enfrentou a nível familiar, a falta de condições que diz ter encontrado no clube para se poder afirmar, a perda de motivação e um ambiente tóxico que se formou à sua volta não foram favoráveis ao seu desempenho.

Arrisco em dizer que não há ninguém que não tenha, seja ela qual for, uma opinião sobre Ronaldo. E o sistema mediático, com figuras desta dimensão, pode ser destruidor. Com o colete à prova de bala, o jogador protege as partes vitais, mas vai sendo atingido noutras zonas, criando um desgaste continuado. Desta vez, terá chegado à capacidade máxima de resistência do seu colete de proteção. Cristiano Ronaldo sabe bem como isto funciona. Precisou do seu tempo. E serviu-se ele próprio do sistema mediático para, como escreveu Pessoa, “ser inteiro”. Escolheu um amigo jornalista e numa conversa com tópicos previamente alinhados e algum nervosismo escondido, Cristiano apresentou o seu lado da história. Expôs-se. Explicou-se. Mostrou a sua vulnerabilidade na mesma medida que evidenciou a sua força. Argumentou ponto por ponto. Tema por tema. Desde o clube, aos colegas, da sua idade até à data limite da sua carreira, da família ao sofrimento da perda de um filho.

Chegados até aqui, e sendo Cristiano Ronaldo detentor de uma das marcas mais valiosas no mundo, poderão estas recentes polémicas de um jogador que sempre se pautou por enorme profissionalismo e ética de trabalho provocar danos ao nível da imagem e do marketing? A resposta pode muito bem residir no próximo Mundial. Uma grande prestação do jogador no Qatar pode jogar a seu favor e virar a opinião pública e patrocinadores para o seu lado, atestando que o mesmo tinha razão. As atitudes dos últimos meses e mesmo a entrevista, podem ter abalado o universo CR7, mas a destruição de valor poderá ter sido temporária. A resiliência da sua marca é inegável, como comprovam 20 anos de sucesso contínuo.

Cristiano Ronaldo é muito mais do que a sua performance dentro das quatro linhas. Os negócios, que vão desde o imobiliário à moda, passando por ginásios, hotéis, perfumaria, restauração e até pelo sector da saúde e dos implantes capilares, entre outros, mostram uma visão apurada. CR7 é enorme. Mas é um ser humano. Que quer dar um passo em frente e recuperar a alegria de jogar futebol.

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