O austa é uma grande experiência que cruza comida, vinho e design

A imagem mais directa quando se imagina gastronomia e Algarve é peixe e mar. Depois, ainda se pode pensar em algumas referências dignas de estrelato. Só que o austa não é nada disso. Nem um, nem outro.

Em latim, austa quer dizer vento do sul. E é mesmo uma brisa boa, a que nos envolve por ali. Tudo muito por culpa de Emma e David, dois britânicos que para esta nova aventura foram buscar outra alma ao projecto e que lhes ajuda a dar alma, David Barata.

Então vamos lá por partes. O que é o austa? É um espaço – e, sim, mais que um simples restaurante – para os lados de Almancil, no Algarve, onde a comida combina com vinho e com design. Onde há preocupação com o que se produz, o que se cozinha, os pratos que chegam à mesa, os candeeiros que pendem do tecto ou o inigualável banco de sal

David nasceu em West London, estudou Marketing, trabalhou na indústria da música, na Sony, até se dedicar a Tecnologia Financeira e de Dados. Esteve no Dubai e na Arábia Saudita, passou pela Austrália e regressou a Londres. Emma nasceu em Londres, viveu em Bruxelas, licenciou-se em Design Têxtil em Manchester e mudou-se de novo para Londres onde trabalhou como gestora de RP, Marca e Comunicação para algumas marcas e agências, nomeadamente a ROKSANDA, uma marca de luxo de roupa e acessórios de mulher.

Haveriam de se conhecer em 2017 e, dois anos depois, alimentados pela paixão mútua por viagens, venderiam tudo e fizeram-se ao Mundo, começando na América Central e do Sul. Em Março de 2020, o Covid trouxe-os de regresso à Europa e, neste caso, a Portugal onde os pais de Emma já residiam. Seria por tempo definido, até a pandemia passar e pudessem retomar viagem. Não imaginariam, então, que a viagem em que haveriam de embarcar seria outra e bem diferente, de vida: um restaurante com menu flexível porque feito à base de produtos sazonais, que também é café e loja, montra de artesanato e de vinhos maioritariamente orgânicos e a descobrir. E, tudo isto, embrulhado num cenário com preocupação pelo design, muito dele assinado por artesãos locais.

É o caso do banco de sal onde nos sentámos para, também ela, uma viagem de sabores no austa. O banco – que ocupa uma parede e serve de sofá de apoio a algumas mesas – não passa despercebido, desde logo, pela sua dimensão e beleza de cores e formas. Quando se sabe que o que ali está é mesmo uma peça de sal com mais de 230 milhões de anos, extraído da Mina de Sal-gema de Loulé por engenheiros geológicos, e que foi trabalhada durante horas e horas para nos deixar sentar, a reacção é de um enorme aplauso.

Voltando à comida, que é fio que conduz e junta todos os elementos, o menu do austa foca-se na origem e vai-se moldando em função das estações e do que a terra ou o mar lhe dão. De resto, e num trabalho a quatro mãos com o chef David Barata, a ideia do casal foi, desde logo, conceber uma carta que colocasse o produtor em primeiro lugar. Produtor esse que pode estar ali ao lado, como fornecer a partir de outro ponto do País, que o que importa mesmo é a forma como se faz e a qualidade que daí resulta.

Nos vinhos, a ideia é ter de pequenos lotes e baixa intervenção.

O menu sazonal de almoço vai mudando, mas inclui quase sempre pão sourdough (massa lêveda) servido com azeite, tábuas de queijo e de charcutaria e peixes fumados. Pode chegar abóbora assada, cachaço de porco de Feito no Zambujal com ervas da horta ou polvo de Santa Luzia.

Já ao jantar, a conversa é outra e muito focada em sabor. No nosso caso, começámos com um belo e crocante pão de fermentação lenta, chegado de Loulé, e que bem combinámos com azeite e manteiga de marmite caseira. Aconchegámos o estômago e seguimos para umas gordas ostras cujo sabor casou com pepino em pickle e endro, e que disputaram a atenção com o croquete de javali que mereceu comentário (positivo, leia-se).

Seguindo em frente, tropeçámos num dos pratos mais surpreendentes da noite, pela confecção, cruzamento de ingredientes e o sabor que nos faria repetir várias e várias vezes, caso houvesse. Nem mais que choco com algas e morangos verdes. Obrigada chef.

Chegando ao prato de peixe, sentou-se à mesa um atum patudo confeccionado em perfeito ponto, com alcaparras, citrinos e combinadas com umas batatas a murro de um sabor há muito não encontrado. Para os amantes de carne, houve ainda tempo – e estômago – para uma fraldinha maturada com 30 dias, batata doce e couve flor grelhada.

Começámos a abrandar a viagem com a delicada sobremesa feita de cenoura, chocolate e limão.

Dizer que o chef, David Barata, sempre se afirmou moldado pelo mar (da sua Sintra, onde nasceu) e a serra (a da Estrela, onde foi buscar raízes). Trabalhou no Signatura e no Eleven, partiu para a Noruega para o Maeemo, e regressou para o Feitoria onde trabalhou com João Rodrigues, a que se seguiria o Ceia, de Pedro Sena Bastos. Acabaria por assumir o lugar de chef, ficando também com o projeto de desenvolvimento da Herdade no Tempo, onde conheceu Emma Campus. Após um breve regresso à Serra da Estrela, acabaria a mudar-se para o Algarve para trabalhar no restaurante Bon Bom, e onde se voltou a encontrar com Emma e David Campus e a ser desafiado para este projecto ao qual se entregou de alma e corpo.

Ah, pelo meio, e em trabalho conjunto, agregaram uma lista de produtores onde pontuam desde um Essência Bakery, de Loulé, (responsável pelo pão sourdough), a um Feito no Zambujal, de Alcoutim, (banha de porco e presunto), Amor é Cego, de Évora, (azeite), a Ria Fresh, da Ria Formosa e Faro (algas) ou o Virgílio de Pechão (bananas). Istro, para além da horta atrás do restaurante e onde David já plantou desde pepinos a tomates, beringelas ou ervas aromáticas, beterraba, couves e cebola.

Tudo isto acontece em Almancil, terra de bem comer, e merece uma grande visita com tempo. Pelo sorriso aberta de Emma, o gosto em receber de David, os sabores de aplauso que chegam da cozinha. Foi uma boa viagem, de memória!

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