Cecília Meireles: Portugal tem que ganhar escala

cecilia-meirelesFocar na procura, ganhar escala e alimentar a eficiência de recursos são os principais quadrantes que norteiam o Turismo de Portugal. Muitas alterações estão já em curso.

Texto de M.ª João Vieira Pinto com Daniela Domingos

Fotografias de Paulo Alexandrino

Desde que chegou à Secretaria de Estado do Turismo, Cecília Meireles não tem cruzado os braços. Cortou nas despesas, focou-se na concentração de recursos e sublinhou o discurso da eficiência. Uma verdadeira reforma já em curso e que, a prazo, conforme acredita, irá reforçar a escala e o posicionamento de Portugal enquanto destino turístico no mapa mundial.

Cecília Meireles defende que «a polarização de recursos é inimiga de um trabalho eficaz», o que a levou a anunciar uma nova orgânica do turismo regional. De cinco Entidades Regionais de Turismo, seis Pólos de Desenvolvimento Turístico e sete Agências Regionais de Promoção Turística, Portugal passará para cinco organismos principais, correspondentes ao sistema NUTS II (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve).

E acredita que terá que haver «uma nova forma de olhar para as coisas», nomeadamente num trabalho conjunto entre entidades públicas e privadas. Como diz, «antes de cada projecto turístico é importante ir a cada mercado emissor ou ir a cada mercado potencial e perceber o que os turistas querem». A secretária de Estado do Turismo é ainda categórica quanto à forma como a Marca Portugal tem sido trabalhada. Porque advoga que «pegar numa ideia de destino e alterá-la sempre que há novos responsáveis no Turismo de Portugal ou um novo Governo é um erro», também não tem qualquer dúvida quanto ao facto de a marca destino Portugal dever «ser coerente com a própria Marca Portugal».

As mudanças estão no terreno!

Marketeer: Desde que assumiu funções na Secretaria de Estado tem vindo a agitar algumas águas no Turismo em Portugal e na forma como tudo estava organizado, nomeadamente em termos de gestão. Quais são exactamente os seus objectivos a prazo, para o Turismo de Portugal?

Cecília Meireles: Não diria revolução, mas reforma. Os objectivos a prazo prendem-se sobretudo com uma nova forma de olhar para as coisas. Aquilo que está estabelecido – e que tem muito que ver com aquilo que é a nossa forma tradicional de fazer as coisas – é, do meu ponto de vista, excessivamente concentrado na oferta. Houve, aliás, um forte investimento em Turismo nas últimas décadas. Mas penso que na próxima década se vai sentir uma mudança de olhares, ou seja, o foco vai passar a estar muito mais na procura. E isto também tem a ver com as diferenças que se sentem nessa procura, ou seja, o turista tradicional é uma realidade cada vez mais escassa.

Aquele turista tradicional que vinha no pacote turístico pré-definido continua a existir, e nós temos que continuar a responder-lhe, mas cada vez mais os turistas são activos, contactam directamente, procuram muito mais experiências do que destinos, são perfeitamente capazes de, através de meios online, por exemplo, construírem os seus próprios pacotes, querem ofertas mais diversificadas, mais direccionadas e, sobretudo, muito mais segmentadas. É essa forma diferente de olhar para as coisas que traduz a reforma. É, primeiro, partir do pressuposto que os nossos recursos são escassos e que é necessário aplicá-los muito bem. Temos que partir daqueles que são os nossos principais mercados emissores, ou daqueles que são os nossos principais mercados de aposta, olhar para lá, perceber o que é que os turistas nesses mercados querem e perceber como podemos responder a essa procura. E não tanto partir do que temos instalado e depois ir à procura dos turistas.

Marketeer: Em termos de organização interna, o que é que estava mal?

Cecília Meireles: Aquilo que o Governo considerou, e que me parece evidente, olhando para o mapa, é que há uma excessiva polarização e compartimentação, sobretudo na área da promoção. Ou seja, temos actualmente cinco ERT que fazem promoção interna, seis pólos que funcionam no mesmo território e, depois, cinco ARPT (Agências Regionais de Promoção Turística) que fazem promoção externa, isto só na área do continente. O que leva a uma compartimentação e polarização daquilo que são os recursos. Porque fazer promoção não é só uma questão de boa vontade, é também uma questão de recursos e a capacidade que esses recursos têm de chegar ao destinatário, que é o potencial turista. Ora, se já é difícil, mesmo para Portugal, no seu todo, ter esses recursos, é evidente que quanto mais eles forem polarizados, menos capacidade e menos dimensão vamos ter. Essa é outra das reformas que está a ser agora introduzida no Turismo, que é o ganho de escala.

Marketeer: Ganhar escala a que nível?

Cecília Meireles: A todos os níveis. No caso da promoção, mas do ponto de vista da oferta também há esse esforço e é algo que se nota na iniciativa privada. Já há algumas tentativas nesse sentido. Todos os discursos que se fazem sobre o Turismo em Portugal partem do pressuposto – o que é absolutamente correcto – de que o Turismo é central para o País. Representa cerca de 10% do PIB. Mais do que ser central para o País, Portugal é central no Turismo mundial. Quando falamos do sector do Turismo a nível mundial, Portugal está a competir com os melhores, somos líderes nesse sector, e portanto temos de o trabalhar de uma forma muito profissional.

A polarização de recursos é inimiga de um trabalho eficaz. Muitos destes pólos partem do pressuposto de que a existência de uma marca turística conduz, necessariamente, à existência de uma entidade pública que lhe faça a promoção. Essa é uma ideia, do ponto de vista do Governo, totalmente errada. Uma mesma entidade pode fazer a promoção de variadíssimas marcas. Uma coisa não conduz necessariamente à outra, nem pode conduzir.

Marketeer: Mas esta nova reorganização, que ainda está em curso…

Cecília Meireles: … ainda está no início…

Marketeer: … vai ter como principal parâmetro “eficiência com menos recursos”!

Cecília Meireles: O principal objectivo é mais eficiência. Eu diria que o principal objectivo não é poupar, de todo, é mais eficiência na alocação de recursos.

Marketeer: De qualquer forma já anunciaram, desde que o Governo tomou posse, que o Turismo de Portugal conseguiu reduzir em mais de 30% as suas despesas!

Cecília Meireles: Sim, mas esse é um esforço que é transversal a todo o Governo. Não podemos ter um discurso público de redução de despesa e depois, de cada vez que há um esforço concreto de redução de despesa, seja onde for, não o querer perceber. É um esforço absolutamente transversal a todos os ministérios, e, no caso do Turismo de Portugal, é um esforço obviamente exigente. Mas para além de uma maior eficiência nos recursos, tem que haver um esforço de maior concentração na promoção e na procura.

Do ponto de vista destas entidades, sim, elas têm outras funções para além da promoção, sobretudo no que toca à estruturação da oferta. Mas há também um esforço em fazer uma promoção mais profissional. Porque o turista é mais exigente e as formas de promoção clássicas centradas, quer em formas publicitárias tradicionais, quer em animação turística, estão em crise. Não quer dizer que tenham que acabar, mas que têm que ser diversificadas e, em alguns casos, substituídas por outras.

Marketeer: E faz sentido o Turismo interno depender de um Ministério (o da Economia) e a promoção de marcas fora de portas estar na dependência de outro Ministério (Negócios Estrangeiros)?

Cecília Meireles: O Turismo está sempre na dependência do Ministério da Economia. Dentro e fora de portas.

Marketeer: Mas a AICEP, com competências na promoção externa das marcas portuguesas, não reporta ao Ministério da Economia!

Cecília Meireles: Quem tem a competência da promoção externa da marca-destino Portugal é o Turismo de Portugal. Isso é absolutamente reconhecido. Quem tutela o Turismo de Portugal é a Secretaria de Estado do Turismo e quem tutela a Secretaria de Estado do Turismo é o Ministério da Economia e do Emprego. Naturalmente que o Turismo de Portugal se articula com a AICEP, como se articula, aliás, com o IAPMEI noutras matérias, dentro de portas. Muito concretamente, fora de portas, o Turismo de Portugal tem uma rede externa, tem pessoas a trabalhar só no Turismo em 11 mercados estratégicos (como a própria AICEP também tinha). Aquilo que este Governo decidiu fazer foi a chamada integração das redes externas. Foi integrá-las e pô-las a funcionar em completa articulação.

É isso que está a ser feito agora, é uma reforma que também está em curso. Penso que, de todos os pontos de vista, permitirá ganhar eficiência. Do ponto de vista do Turismo, a verdade é que já era uma realidade, porque o Turismo funciona, na maior parte desses mercados estratégicos, muito em articulação com as embaixadas. As embaixadas funcionam muito como montra daquilo que é Portugal no exterior, e portanto serão um palco privilegiado de muitas acções, quer junto dos empresários, quer junto da imprensa. No fundo, e no caso do Turismo, é quase institucionalizar uma prática que já era corrente e torná-la mais profissional.

Marketeer: Há mais de 10 anos Michael Porter foi chamado por um outro Governo para identificar os clusters que eram fundamentais para a economia portuguesa e, na altura, o Turismo era um deles. O estudo de Porter não passou disso mesmo, um estudo. Vamos ter, finalmente, um grande trabalho neste sector, depois de alguns ziguezagues nos últimos anos?

Cecília Meireles: A questão centra-se na forma como o Turismo é percebido. Tenho feito um grande esforço por começar quase todas as conversas a dizer que o Turismo é uma actividade económica. E isso é uma coisa que parece quase um lugar-comum, mas muitas vezes as pessoas confundem Turismo com animação. Turismo não é animação. Turismo é uma actividade económica, é um negócio. E é uma actividade económica com um peso muito substancial em Portugal. Por vezes, por ser uma actividade económica com características especiais, as pessoas olham de um modo menos profissional.

Por outro lado, aquilo que este Governo identificou foi que de facto houve muito foco no investimento e menos na procura. Essa é a principal mudança que tem de ser feita. Não quer dizer que o investimento vá parar, não é nada disso que se pretende. Mas a verdade é que há um foco muito grande no investimento, na criação de grandes projectos turísticos, de grandes resorts, sem muitas vezes se olhar para os mercados emissores e ver exactamente o que eles querem.

Antes de cada projecto turístico é importante ir a cada mercado emissor, ou ir a cada mercado potencial, e perceber o que os turistas querem, porque os turistas não vão necessariamente responder, e responder bem, a qualquer coisa que queiramos implementar, muito pelo contrário. Eles vêm para aqui ou para outro sítio consoante respondemos melhor ou pior àquelas que são as suas necessidades e vontades. E isto é verdade para qualquer actividade económica. A ideia de que qualquer oferta instalada criará necessariamente a sua própria procura é uma ideia que não se verifica na realidade, e portanto há aqui alguns ajustamentos que vão ter que ser feitos.

Marketeer: Sendo que os mercados emissores também têm mudado…

Cecília Meireles: Têm mudado muito. Se me perguntar qual é o principal desafio, é que aquilo que é o nosso produto com maior volume e maior peso, que era um produto muito ligado ao sol e mar e à praia, à operação turística, aos grandes operadores turísticos, aos mercados tradicionais, como é o caso do Reino Unido e da Alemanha, está em permanente mutação.

Não é por acaso que ouvimos falar em problemas nos grandes operadores. Além de a concorrência ser cada vez maior, porque hoje em dia já não é só o Sul da Europa, o próprio modelo de negócio desses operadores também atravessa os seus desafios. Mas isso tem que ver com o facto de o turista ser cada vez menos passivo e cada vez mais activo. Já não está disposto a um pacote completo, prefere construir ou ir directamente atrás da oferta que mais lhe interessa. Há toda uma série de variáveis que foram introduzidas e às quais temos de nos adaptar, porque a realidade é sempre mais dinâmica do que aquilo que é a oferta instalada.

Marketeer: Isso implica um trabalho enorme entre públicos e privados, que nem sempre é fácil.

Cecília Meireles: Sim, implica, e não é nada fácil. Mas um dos objectivos que o Governo elegeu para esta reforma administrativa da organização do território foi trazer das ARPT em que os privados têm poder de decisão real, contribuem financeiramente e funcionam em articulação com a promoção pública – essa experiência positiva para o seio das ERT.

Ou seja, é quase unanimemente reconhecido que o funcionamento das agências é bastante mais ligado à promoção e aos mercados do que o das ERT. Em vez de construirmos ao lado de entidades que são mais administrativas, entidades mais activas, por que não trazermos a iniciativa privada – que é o que lhes dá esse olhar virado para o mercado – por que não trazermos para dentro das entidades públicas esse olhar e tornarmos as entidades públicas mais ágeis e mais activas, em vez de termos dois organismos diferentes, um a fazer promoção interna e outro a fazer externa, que é uma coisa que não tem grande sentido.

Até porque, havendo um problema de dimensão e um de escala, se juntarmos aquilo que são os recursos públicos de forma a alavancar aquilo que muitos privados estão dispostos a investir nos seus próprios planos de comercialização, isso pode também ajudar a criar uma dimensão, e até a agregar alguns privados.

Marketeer: Acredita que é possível, apesar de em Portugal ainda se continuar a trabalhar muito no espírito de “quintinhas”…?

Cecília Meireles: Este é um esforço que tem que ser feito sobretudo ao nível do Turismo de Portugal. A resposta tem sido boa, mas não escondo que há um esforço muito grande do ponto de vista de adaptação. Há entidades públicas habituadas a funcionar de forma completamente autónoma, assim como entidades privadas que estão habituadas a olhar com alguma desconfiança. Estamos a fazer um grande esforço e não é possível dizer que Portugal é líder em termos de Turismo, que o Turismo representa 10% do PIB, sem depois reconhecer o enorme profissionalismo e a enorme capacidade daquilo que é a generalidade das empresas turísticas. Muitas delas têm muito para ensinar.

Tem havido um esforço da minha parte para colher essas experiências e tentar tirar delas o melhor. O sector público tem muito para aprender com os privados, da mesma forma que os privados também têm muito a ganhar se se aliarem ao sector público e, com isso, se alavancarem. Todos juntos podemos ter oportunidades que separados não temos.

Marketeer: Uma das grandes queixas que se ouve dos privados é a burocracia, que é menos complicada quando não se está a trabalhar com alguma entidade pública…

Cecília Meireles: É verdade. Mas o que chamamos de problema burocrático tem que ver com contratação pública. Não nego que, por vezes, os processos são mais lentos do que gostaríamos. Mas também há necessidades de transparência e de rigor que são importantes e que não podem ser deixadas de lado. Quando estamos a gerir dinheiros públicos temos que o fazer com mais rigor e mais transparência, para garantir que há imparcialidade na contratação.

Marketeer: O ano passado o turismo português cresceu, mas alavancado nas crises que abalaram o Norte de África e que reverteram a favor do Algarve e da Madeira. O turismo de Portugal ainda é assim tão frágil?

Cecília Meireles: Não diria que o destino é frágil. O ano passado foi um ano de retoma, mas a conjuntura internacional veio comprovar que a retoma é, em si, frágil. E é essa fragilidade que se sente.

O que me pude aperceber foi que o facto de toda a Europa estar a adoptar medidas de austeridade tem reflexos naquilo que é o volume de turistas. Eventualmente que o sentimos. Se o Turismo é um sector exportador, é óbvio que está exposto ao que é a evolução da conjuntura económica nos outros países. A melhor forma de combater isto, do ponto de vista do Governo, é diversificar. Mas diversificar não é algo que se faça em apenas um ano.

O Brasil foi uma aposta que está a dar grandes resultados. Há outras apostas que poderão também dar frutos, como é o caso da China e da Índia, e que têm interesse pelo volume de crescimento, todos os anos. Mas há outros mercados que apresentam maior crescimento em relação a Portugal, como foi o caso da Rússia e da Polónia. Estes foram os mercados emissores que mais cresceram para o turismo português (também porque o ponto de partida era muito pequeno).

Convém, contudo, não esquecer que o Turismo depende de voos, depende de transporte aéreo. Sem rotas e sem rotas directas – e esse é o principal desafio face a destinos como a China e a Índia – é muito difícil ter estratégias promocionais que não incluam os países onde acontecem as escalas. Por isso Espanha funciona muito mais como concorrente do que como aliado.

Espanha é um caso de Turismo a nível mundial e, para a maioria dos casos, Espanha e Portugal funcionam como concorrentes. A criação de novas rotas ou o reforço de algumas já existentes tem que ser uma aposta contínua. É um investimento que tem um retorno muito visível.

Marketeer: No que toca a Espanha – e para além de toda a componente de infra-estruturas- , sempre teve, também, uma grande aposta na Marca-País. Em Portugal, a este nível, não temos tido uma rota certa! Não a preocupa o facto de não termos uma Marca Portugal para exportar, que possa alavancar o Turismo?

Cecília Meireles: Preocupa, mas penso que não vai ser feito como foi em Espanha. Espanha tem uma dimensão de recursos públicos que pode alocar a esse objectivo e que são dificilmente comparáveis com os nossos. Tem uma marca muito bem trabalhada e conseguiu-se impor a nível mundial. Se me pergunta se há um enorme trabalho a fazer em relação à Marca Portugal, respondo-lhe que sim. O desafio do Turismo português é esse. Mas por isso é que também é preciso ganhar escala, dimensão.

No caso da promoção externa, se trabalharmos todos juntos teremos mais oportunidades do que se estivermos sozinhos. Por outro lado, se quisermos apostar em estratégias promocionais clássicas e tradicionais, provavelmente não vamos ter bons resultados.

Marketeer: Qual vai ser então a nossa estratégia?

Cecília Meireles: A estratégia está neste momento a ser desenhada. Mas, a verdade é que ou é diferente, ou não conseguirá bons resultados. A ideia de que replicar uma experiência de sucesso conduzirá sempre ao sucesso é completamente errada. Ou somos capazes de fazer algo de novo, fora do habitual, que permita catapultar a nossa notoriedade, ou então não teremos sucesso. Mas isso é um enorme desafio.

Marketeer: E será exequível mesmo com o plano de poupanças a que se impôs o Turismo de Portugal (recentemente foram anunciados cortes de 700 mil euros)?

Cecília Meireles: Claro que é possível. Isso significa que se andou a gastar dinheiro a mais, até agora? Significa que o dinheiro não foi rentabilizado da melhor forma. Porque em alguns anos houve até um reforço do investimento em promoção e nem por isso Portugal se destacou, do ponto de vista da notoriedade. Não quero com isto dizer que podemos chegar, pegar na imagem de Portugal e fazer uma coisa completamente diferente. Esse é dos maiores erros que os governos cometem: pegar naquilo que é uma marca, na percepção que as pessoas têm de um destino, e imaginar que num ano ou dois ele pode ser completamente alterado! É preciso que haja uma continuidade…

Marketeer: … esse foi o trabalho em Espanha, uma grande coerência ao longo de vários anos!

Cecília Meireles: É verdade. Pegar numa ideia de destino e alterá-la sempre que há novos responsáveis no Turismo de Portugal ou um novo governo é um erro, não funciona. Não se cria uma marca ou a imagem de um destino num ano ou dois! Até porque a imagem de um destino vai beber muito à imagem que as pessoas têm do próprio País. O que implica que o Turismo tem que saber articular com outros produtos, como o vinho, o azeite ou o calçado. Aqui, a conjugação de estratégias entre IAPMEI, AICEP e Turismo de Portugal pode ser muito importante. A marca-destino Portugal tem que ser coerente com a própria Marca Portugal.

Marketeer: A falta de coerência, que existiu até agora, não pode funcionar como obstáculo ao novo trabalho que se quer desenvolver?

Cecília Meireles: A forma como as pessoas estão habituadas a trabalhar pode demorar algum tempo a alterar-se. No caso da promoção externa, o Turismo de Portugal contratualiza, quer produtos, quer mercados, com cada ARPT. O que é que isto significa?

Que, por vezes, esta contratação é feita mas depois as mensagens que passam no exterior são completamente diversas e, em alguns casos, até opostas. Não é muito fácil mudar isto. O que fizemos este ano foi contratualizar toda a promoção externa para 2012, enquanto se avança com a reestruturação. No futuro, a visão do governo é que devemos concentrar mais os esforços no tipo de mensagem que é passada, do que propriamente estar a compartimentar mercados e produtos.

Marketeer: No mercado interno tem-se vindo a verificar uma retracção dos turistas portugueses. Que estratégia vai ser desenvolvida no sentido de inverter esta tendência?

Cecília Meireles: Do ponto de vista de promoção interna há dois vectores fundamentais: um, as regiões têm que ter um papel de relevo. É muito mais eficaz o apelo para visitar um ou outro local de Portugal do que para visitar Portugal no seu todo. As regiões podem e devem ter um papel cada vez mais activo, e em trabalho com as empresas. É muito importante que as empresas privadas estejam dentro das ARPT.

O segundo vector importante é conseguir passar a mensagem de que quem vai fazer férias faz, de facto, uma grande diferença se a escolha recair em Portugal. Portugal tem uma grande diversidade de experiências que é preciso saber comunicar…

Marketeer: Recentemente afirmou que o Allgarve não foi a melhor forma de promover a região. O que é que falhou?

Cecília Meireles: Primeiro, houve um investimento muito grande em eventos – cerca de 17 milhões de euros, que vai este ano sofrer um corte de 60% para sete milhões – mas muito pouco trabalho na sua promoção, ou seja, na rentabilização do investimento no exterior. Este ano, o que vai haver é uma concentração no que são os eventos estruturantes  – quer do ponto de vista de projecção da imagem de Portugal, quer do ponto de vista de trazer turistas estrangeiros.

Além disto, o Algarve apresenta problemas de sazonalidade cada vez mais acentuados e o programa Allgarve concentrava-se sobretudo no Verão, quando os principais problemas se colocam fora dessa época. Há um desfasamento entre o problema e a solução. Se tem que continuar animação turística no Algarve? Claro que sim. E o Turismo de Portugal continuará a trabalhar com as Câmaras na conjugação de esforços e na promoção no exterior, transformando aquilo que são esforços de cada concelho num todo.

Marketeer: Significa então a extinção do Allgarve?

Cecília Meireles: Significa que continuará a haver animação turística no Algarve, mas não um programa nos moldes anteriores.

Perfil de Cecília Meireles

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, ramo de Ciências Jurídico-Económicas, Cecília Meireles assumiu, aos 35 anos, a pasta da Secretaria de Estado do Turismo.

Com um MBA pela EGP – University of Porto Business School, foi consultora jurídica do Grupo Parlamentar do CDS nas áreas de Orçamento e Finanças e Segurança Social, entre 2002 e 2005, e consultora jurídica da vice-presidência da Câmara Municipal do Porto, com o pelouro do Ambiente, entre 2006 e 2009.

Desde 2007 é membro da Comissão Política Nacional do CDS. Entre 2009 e 2011 foi deputada à Assembleia da República, vice–presidente do Grupo Parlamentar do CDS, coordenadora da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura e membro da Comissão de Orçamento e Finanças.

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