Zurich: Combater a desinformação rumo a uma sociedade coesa

A desinformação e a informação falsa são os maiores riscos que enfrentamos enquanto sociedade. A conclusão é da 19.ª edição do Global Risks Report, publicada em Janeiro de 2024, que aponta estes dois riscos globais como as maiores preocupações a curto prazo. O pódio é completado pelos eventos climáticos extremos e pela polarização social, que ocupam o segundo e terceiro lugar, respectivamente. O Global Risks Report é realizado em parceria com o Fórum Económico Mundial, o Zurich Insurance Group e a Marsh McLennan e baseia-se na opinião de mais de 1400 especialistas em riscos globais, decisores políticos e líderes da indústria.

«A proliferação de vídeos manipulados, websites falaciosos ou conteúdos falsos, através de clonagem de voz, tem assumido contornos descontrolados por atingirem uma expressão massiva e, cada vez mais, global», destaca Ana Marreiros, head of Communication da Zurich em Portugal. Estes são alguns exemplos de como a desinformação e informação falsa, impulsionadas pela inteligência artificial, estão a acelerar rapidamente, à medida que o acesso aberto a tecnologias mais sofisticadas domina e a confiança na informação se deteriora.

Simultaneamente, a desinformação tem-se tornado mais personalizada para os seus destinatários – que são cada vez mais grupos específicos e comunidades minoritárias – e é disseminada através de plataformas comuns e amplamente utilizadas, como o WhatsApp ou o WeChat.

Já a diferença entre a informação gerada por humanos e por inteligência artificial tem-se atenuado ao longo do tempo e torna- se mais difícil de discernir, quer por indivíduos digitalmente informados, quer por mecanismos de detecção. Apesar de a investigação nesta área ir evoluindo, a classificação de conteúdos considerados falsos, quando existe, é digital e, por vezes, invisível para os consumidores desses mesmos conteúdos, incapazes de distinguir o uso benigno do uso maligno da informação.

AS CONSEQUÊNCIAS NEFASTAS DA DESINFORMAÇÃO

«O relatório aponta uma relação entre a informação falsa e a polarização social, riscos interligados que se amplificam mutuamente. Significa, por isso, que as sociedades polarizadas são mais propensas a confiar em informações – verdadeiras ou falsas – que confirmem as suas crenças», acrescenta Ana Marreiros. O uso de informações falsas pode, não só, ser uma fonte de perturbação social, mas também de controlo governamental e reforço do autoritarismo digital, o que representa um enorme risco para as democracias. No caso dos governos mais opressivos, este controlo pode, inclusivamente, interferir com os direitos humanos.

Para combater a desinformação, os governos estão, cada vez mais, em posição de controlar a informação e determinar o que é a verdade, permitindo a possibilidade dos partidos políticos poderem monopolizar o discurso público e suprimir vozes consideradas dissidentes. Por essa razão, o Global Risks Report reforça que a liberdade na internet está em declínio e o acesso à informação diminuiu em vários países, onde se destaca a China, Rússia, Índia, Polónia, Mianmar e Hungria. Também a liberdade de imprensa se viu reduzida nos últimos anos, com especial evidência no Gana, Etiópia, El Salvador e Serra Leoa. O resultado poderá, a curto prazo, concretizar-se numa repressão mais vasta dos fluxos de informação.

O compromisso de prevenir a desinformação e, em simultâneo, proteger a liberdade de expressão tem sido um desafio. Em Janeiro de 2022, por exemplo, o Twitter e o YouTube con cordaram em remover links para um documentário da BBC que criticava a liderança indiana. Já no México, a estratégia do governo para educar os cidadãos sobre notícias falsas tem sido criticada, por visar a imprensa e incitar à violência.

Prevê-se, assim, que a agitação social possa ocupar uma posição central nas eleições de várias economias, que deverão ter lugar nos próximos anos. Só este ano, espera-se que cerca de três mil milhões de pessoas se dirijam às urnas em diferentes países, incluindo Bangladesh, Índia, Indonésia, México, Paquistão, Reino Unido e Estados Unidos da América – além de Portugal. Se a legitimidade das eleições for posta em causa, assim como a de governos e instituições, as consequências podem ir desde protestos violentos a crimes de ódio e actos de terrorismo. Em casos mais extremos, poderá eclodir numa crise política com o colapso do Estado e a erosão, a longo prazo, dos processos democráticos.

A capitalização dos conteúdos falsos, que se estima ocorrer nos próximos dois anos, vai amplificar as divisões sociais e a repressão política, manipulando os indivíduos, prejudicando as economias e fracturando as sociedades. As percepções da realidade poderão ser alteradas, o que representa um desafio à coesão social e até à saúde mental.

Se as ideologias ofuscarem os factos, as narrativas manipuladoras podem prevalecer e influenciar questões que vão desde a saúde pública à educação.

As ramificações que daqui advierem vão perdurar muito para além do curto prazo – e podem, inclusivamente, resultar em novas tipologias de crimes, como a manipulação do mercado de acções. Dependendo da importância da economia à escala global, existe também o risco acrescido de impactar o comércio global e os mercados financeiros.

FERRAMENTAS DE COMBATE À DESINFORMAÇÃO

O combate à desinformação e informação falsa pode passar pela implementação, por parte dos governos, de novos regulamentos para os criadores de conteúdos ilegais. Para além deste esforço, também a regulamentação emergente da inteligência artificial pode ser benéfica para minimizar estes riscos e os seus impactos. Na China, por exemplo, os requisitos para categorizar conteúdo gerado por inteligência artificial podem ajudar a identificar informações falsas.

O desenvolvimento de campanhas de literacia digital também se revela fundamental, assim como a aposta na transparência informativa. Uma abordagem colaborativa, que envolva as comunidades, pode ajudar a travar o volume e o alcance da informação falsa. Mas a tecnologia pode ser vista como parte da solução. A própria inteligência artificial, que tem desenvolvido algoritmos e competências cada vez mais sofisticadas, pode ser um recurso crucial para enfrentar uma multiplicidade de riscos relacionados com a desinformação.

«A sensibilização das pessoas pode revelar-se uma estratégia eficaz na redução do impacto destes riscos. Apesar de poder ser complexo que cada país consiga controlar a difusão de conteúdos gerados pela inteligência artificial, está ao seu alcance incluir a literacia em inteligência artificial nos sistemas de ensino e dar prioridade à identificação de fontes de informação fiáveis», conclui Ana Marreiros.

O crescimento exponencial da tecnologia pode permitir robustecer a próxima geração em relação aos riscos de desinformação e informação falsa. O caminho a trilhar está delineado: é aquele que melhora o potencial humano e garante a sua segurança e bem-estar.

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Seguros”, publicado na edição de fevereiro (n.º 331) da Marketeer.

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