Video didn’t kill the radio star

Por Judite Mota, Chief creative officer / managing director da VMLY&R

A discussão está ao rubro. Irá a Inteligência Artificial deixar-nos a todos no desemprego? Advogados, redactores, ilustradores, directores de arte, marketeers, músicos, programadores, fotógrafos e sabe-se lá mais quem?

Bom, ao contrário do que diziam os The Buggles algures nos anos 80, o vídeo acabou por não matar as estrelas da rádio, por isso talvez haja esperança também para nós.

Uma nova ferramenta pode parecer apocalíptica quando chega com o estrondo com que chegaram os geradores de imagens e de texto, de código ou de música, mas, se pensarmos bem, nenhuma tecnologia arrasou até agora a capacidade humana de ter ideias e de fugir ao esperado. Sendo o ChatGPT, por exemplo, um modelo predicativo, o que nos dá (em segundos, é verdade, e isso é incrível), é um encadeamento de frases e conceitos existentes com capacidade de mimetizar de forma lógica o discurso humano. Se pensarmos que os modelos de IA geradores de conteúdo são “macaquinhos de imitação”, o problema não está em os humanos ficarem sem trabalho, mas em tantas outras coisas como: se a internet está cheia de desinformação, estas não serão novas fontes de desinformação? Quem compensa os artistas que produziram obras originais, pela utilização abusiva das mesmas? Em que condições trabalham as pessoas que categorizam a informação que pode ou não ser usada pelos bots?

Quanta energia gasta e que consequências tem para o planeta? Questões éticas a todos níveis começam a ser levantadas até por quem criou o ChatGPT que, recentemente, anunciou que estas ferramentas devem ter moderação. E para não estar sempre a falar deste gerador de texto em particular, podemos pensar o que acontecerá em termos estéticos à sobreutilização dos modelos de imagem. Lembram-se das coisas horríveis que surgiram quando apareceu o Photoshop? O que passará a servir de referência estética se abusarmos dos modelos? A esta hora tudo o que foi gerado já está provavelmente a alimentar o próprio modelo…

Todas as ferramentas tecnológicas novas têm um período de hype e até que a poeira assente, muitos argumentos hão-de ser trocados sobre a sua utilidade bondosa ou maliciosa. As micro-ondas tanto servem para aquecer a sopa como para a guerra, por exemplo. Poderão estes modelos facilitar o trabalho humano? Sim. Os resultados serão tão bons quanto melhores forem os prompts (as instruções), quanto melhores forem as nossas referências, o nosso conhecimento do mundo e do assunto que temos em mãos, mas o bot poderá ajudar. Reparem que disse ajudar e não fazer por nós. Um modelo pode indicar-nos como são estruturados determinados tipos de textos, mas só nós podemos personalizá-los, torná-los nossos, contextualizá-los. Será um trabalho colaborativo entre homens e máquinas. Já há IA que serve para distinguir entre conteúdos produzidos por IA e por humanos. Vai a Inteligência Artificial dominar o mundo? Ninguém sabe, mas se isso nos deixar mais tempo para fazer coisas mais importantes do que redigir contratos, melhor.

Há uns anos, numa conferência, ouvi alguém dizer “a criatividade é um erro, é algo que sai da norma”. E só os humanos têm esta capacidade, de ser não literais e não lineares. Sim, eu sei, por enquanto. Talvez. Para mim tudo isto são por enquanto ferramentas.

E uma ferramenta é uma ferramenta. Nas minhas mãos um berbequim serve para fazer furos, nas mãos do Vihls serve para fazer arte.

Artigo publicado na edição n.º 319 de Fevereiro de 2023

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