Sabe quais são os “marketing blind spots” do seu negócio?

Por André Zeferino, consultor em Estratégia de Marketing, autor dos livros “Digital Marketing Analytics” e “Marketing Mindset” e co-autor de “Marketing Futureland”

Lançado em Março deste ano, o novo livro de Philip Kotler – “Entrepreneurial Marketing” – coloca definitivamente as competências de Marketing e as suas mais recentes capacidades no centro das operações de qualquer negócio, organização ou movimento, baseado numa nova framework: Omnihouse Model, uma abordagem holística para uma gestão empreendedora.

Trata-se de uma visão centrada numa nova geração de “empreendedores de Marketing” que emerge dentro das organizações para transformar a sua dinâmica interna, quebrando a figura convencional dos “departamentos”.

“Companies should be proud to have the finest professional marketers, but our argument it is that is not enough… it would be good for the short run, but that’s not enough for the long run.” – P. Kotler

O Modelo Omnihouse

Este livro debate aquilo que os profissionais de Marketing precisam de fazer para quebrar a “estagnação” das abordagens normativas desta área, que muitas vezes não são as mais eficazes para lidar com ambientes de negócio que se tornaram altamente dinâmicos ou a funcionar em estado de fluxo.

“Marketing stick to the old recipes and those recipes may no longer work. You need another layer of people call entrepreneurial marketers.” – P. Kotler

Para levar esta visão à prática é proposto um novo modelo de abordagem que foca a sua essência conceptual em dois clusters:

• Entrepreneurship group (CI-EL) – que integra os elementos: criatividade, inovação, empreendedorismo e liderança;

• Professionalism group (PI-PM) – que integra os elementos: produtividade, melhoria (improvement), profissionalismo e gestão (management).

Por sua vez, estes clusters fazem parte de um ecossistema edificado por quatro pilares: Marketing, Humanidade, Tecnologia e Finanças, que passam a ter um papel determinante no posicionamento e no sucesso das práticas de Marketing – uma nota em particular para a relação fundamental da área financeira com a função de Marketing neste contexto, que (re)abre oportunamente este “histórico” debate sobre a dominância do CFO nas decisões de budget alocadas ao CMO, da qual falarei mais à frente.

O primeiro cluster (CI-EL) coloca as dinâmicas do mercado (5D)* como factores fundamentais para estabelecer a competitividade dos negócios (PBD)** através de estratégias e tácticas de Marketing, nomeadamente, desenvolver ideias que fomentem uma criatividade accionável na resolução de problemas e desafios para a humanidade – basicamente converter estas ideias em inovação sob a forma de soluções tangíveis.

O segundo cluster (PI-PM) determina que as referidas dinâmicas, ao afectarem temporalmente os resultados do negócio (do histórico passado ao futuro), devem ser tidas na evolução das contas da empresa – balance sheet (B/S), income statement (I/S) – de modo a potenciar a criação de receita e o seu valor de mercado – cash flow (C/F), market value (M/V) – alcançando desta forma uma perspectiva holística de como a empresa se irá comportar no futuro.

Mas estes dois clusters só podem gerar competitividade e criação de valor se as equipas internamente forem estimuladas a evoluir e actuar através de mentalidades sólidas de empreendedorismo (entrepreneurship group) que impulsionem a gestão profissional (professionalism group) numa visão de futuro.

Aspectos a salientar nesta abordagem

Os autores deste livro (sobretudo a parceria Kotler e Kartajaya, na sequência de obras anteriores) revisitam várias práticas na indústria de Marketing que se têm mantido ao longo do tempo com o mesmo tipo de fricção ou obstáculo de natureza relacional ou processual, procurando nesta nova abordagem reforçar os argumentos para a sua eliminação através dos chamados Marketing Blind Spots.

Os Marketing Blind Spots reflectem aspectos ineficientes da empresa, nomeadamente pontos de ligação que não estão a ser devidamente identificados ou geridos nas dinâmicas do negócio face ao seu mercado, e que assim permanecem nos processos de Marketing, mas que podem ser corrigidos e energizados através de uma visão empreendedora omnihouse.

Num resumo essencial, destaco apenas aqueles que, na minha opinião, merecem ser revisitados, e outros que surgem no livro com uma nova perspectiva:

• Ignorar o macroambiente: A rapidez de evolução dos mercados é superior à cadência interna nos processos de marketing (market vs marketing), obrigando a uma reflexão do próprio conceito, tal como proposto pelos autores: “We define marketing as market-ing (not marketing), which means how we deal with the very dynamic and ever-changing market” – Capítulo 1 The Omnihouse Model

• Desalinhamento entre Marketing e Finanças: Um tópico que reacende a necessidade de integrar as funções de marketing e de finanças (Kotler vai ao ponto de afirmar que as duas áreas nunca estiveram tão próximas como agora), através do exemplo da Mastercard, cujas direcções respectivas rodaram elementos (um financeiro no marketing e um marketer nas finanças) para trabalharem em conjunto num modelo MROI (Marketing Return on Investment Model).

Segundo Raja Rajamannar (CMO da Mastercard), esta experiência trouxe um nível de disciplina financeira e rigor para a equipa de Marketing que permitiu reformular a relação, o diálogo e ajustar os interesses de ambos os lados. De 2012 para 2021, o valor da marca Mastercard cresceu globalmente de 69 mil milhões para 112 mil milhões de dólares;

• Ausência de esforços entre Marketing e Vendas: A “crónica” ausência de harmonia entre estas equipas deve ser colmatada num contexto de co-colaboração, trazendo a experiência relacional das vendas para os processos criativos através de contributos pertinentes (golden inputs) sobre a dinâmica de campo junto dos clientes, envolvendo por sua vez os marketers nos processos de venda;

• Baixa integração entre online e offline: Excessiva dependência numa visão departamentalizada de cada ambiente, onde muitas empresas e marcas actuam de forma desconectada na relação com os clientes, ao ponto destes evoluírem de forma mais acelerada (do que as próprias equipas de Marketing) na sua mudança de mentalidade com que usam todo o ecossistema relacional;

• Ausência de humanidade (lack of humanity in marketing): Apenas existe uma conquista de sucesso se for alcançado um win-win – conjugar os lucros do negócio com a felicidade e o bem-estar dos clientes, das organizações e das sociedades;

• Vantagens cumulativas (accumulative advantages): Atingir o benchmark face à concorrência não pode ser considerado o patamar máximo numa proposta de valor, já que esta circunstância reflecte apenas o mínimo e o princípio da banalidade (commodity). Uma marca deve sempre oferecer algo a partir do basics como regra de entrada num determinado mercado;

• Marketing-driven to Marketing-driving: A indústria de Marketing não deve ser movida apenas pela satisfação das necessidades, mas ser ela própria a força condutora da inovação, com base no exemplo do iPhone ou do smartphone (se os clientes precisam apenas de um telefone toda a alta tecnologia de hoje seria dispensável);

• Eliminar a mentalidade de silo (overcoming the silo mentality): De acordo com recentes surveys sobre o tempo que CMO investe na sua função, verifica-se que este passa 50% do seu tempo a tentar mediar/negociar processos com outros departamentos da empresa e (apenas) os restantes 50% a uma efectiva agenda de marketing. Eliminando os “silos departamentais”, a exemplo da colaboração entre marketing e finanças, toda a organização flui num único sentido;

• Paradoxo colaborativo: Explorar a colaboração com concorrentes numa abordagem win-win. É exemplificada a exploração da rede eléctrica de carregamento de viaturas, que representa um colossal investimento para uma só operadora a poder solucionar no mercado. A rede Multibanco é outro exemplo que acrescento (fora dos que são referidos no livro) onde a co-colaboração entre concorrentes permitiu acelerar e escalar a inovação junto do mercado, tornando-se inclusive num case mundial.

Um “Market-ing” empreendedor, central e orgânico

Considerando novamente os quatro pilares do modelo Omnihouse, os autores sugerem que estamos perante uma função que alarga a sua influência empreendedora a uma gestão cada vez mais centralizada e agregadora das estruturas de cada organização, onde a tecnologia já vinha sendo apontada como uma das suas forças mais transformadoras para impactar positivamente a humanidade, a que se junta agora o papel determinante da relação entre o Marketing e a área financeira para impulsionar a rentabilidade e o valor da marca.

É uma abordagem que coloca essencialmente em causa a mudança de mentalidade para ultrapassar contrariedades que a indústria “teima” em não resolver com o tempo, apesar das mais recentes evoluções desta área ter trazido e colocado à disposição dos profissionais de marketing novas e variadas ferramentas e instrumentos para criar e fazer a diferença através do respectivo mix.

*(5D): Tecnologia, quadro político, legal e regulatório, economia, sociedade (suas culturas) e mercado

**(PBD): Posicionamento, Marca (brand) e Diferenciação

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