Entretenimento, educação e inspiração são a tríade de sucesso dos influenciadores

Muito se tem perguntado nos últimos anos se o marketing de influência é uma moda ou se veio para ficar. E foi precisamente por aí que começou a conversa que juntou à mesma mesa Tiago Espírito Santo (formador na Lisbon Digital School), Inês Mendes da Silva (CEO da Notable), Raquel Janeiro (da dupla Explorerssaurus) e Susana Coerver (co-fundadora da Kindology). Com o tema “O Branded Content e o Marketing de Influência são para ficar ou vão matar o jornalismo” com pano de fundo, Tiago Espírito Santo começou por afirmar não ter dúvidas de que o digital e os social media, em concreto, não vão desaparecer e vão continuar a crescer até porque fazem parte das nossas vidas como instrumento de trabalho e de lazer. «Basta pensarmos na única coisa que todos temos em comum e que trazemos sempre connosco quando saímos de casa: o telemóvel», disse de forma provocadora. E é nele que pegamos enquanto aguardamos uma consulta ou que alguém chegue para se encontrar connosco. A isso, acresce o feel good e o voyeurismo, salienta o mesmo responsável. «E o Instagram e ainda mais o Tik Tok trazem esse sentimento de positividade e de entretenimento, até pela parte dos comentários.»

Dos media tradicionais para os social media

Mas a importância que os social media ganharam na palma da mão dos consumidores justifica a transferência de budget das marcas dos media tradicionais para estas plataformas? E estarão, com isso, as marcas a pôr em risco a sobrevivência dos próprios meios de comunicação?

Tiago Espírito Santo não quer acreditar que o jornalismo se torne obsoleto. «Precisamos do rigor, da isenção e da imparcialidade para nos trazer aquilo que não são fake news. Quero que os jornalistas continuem a ter o valor que têm.» E Inês Mendes da Silva acrescenta: «Não imagino vivermos numa sociedade sem jornalismo e para onde iria a nossa liberdade e a nossa democracia. O jornalismo é muito mais factual!»

Susana Coerver lembra que «a pandemia trouxe-nos este alerta sobre a importância do jornalismo». A marketeer acredita que este é um trabalho que tem de ser feito em contínuo e ao qual os pais e educadores devem estar atentos. «Nas gerações mais novas, a informação vem pelas redes sociais. Os pais têm de ter esse papel, enquanto formadores, de explicar, desde as idades mais novas, as diferenças entre os momentos de feel good e aquilo que é informação de verdade, de fact checking… Quando passamos muito tempo num scroll, o cérebro acaba por atrofiar um bocadinho.»

Tiago Espírito Santo acredita que há necessidade de adaptação por parte dos media. Até porque, acrescenta, o social trouxe-nos a possibilidade de manter uma conversa. Os media tradicionais continuam a ter essa dificuldade, já que é difícil interagir com um canal de televisão ou com um artigo que saiu na imprensa há duas semanas. E apesar de reconhecer que as marcas de media já têm outros canais que permitem essa interacção, Tiago Espírito Santo defende que «como seres humanos, e se procuramos o feel good, vamos ser atraídos por entretenimento e não tanto pelas marcas de media».

Susana Coerver, por outro lado, assegura que muitas vezes está a fazer scroll no seu feed e é atraída por alguma informação de uma marca de media que a leva a ir ver mais a fundo o que há a saber sobre essa notícia. «No LinkedIn tenho um feed adaptado de notícias dos meios que sigo.» O ponto fulcral, na perspectiva da responsável, é como é que os meios conseguem captar a atenção para a sua notícia no meio de tantos estímulos.

Além disso, sublinha, «há desafios em termos do modelo de remuneração dos media», uma vez que grande parte dos conteúdos a que temos acesso está disponível de forma gratuita. Mas, acrescenta Inês Mendes da Silva, os meios de comunicação estão em grupos económicos e é preciso olhar para isso. «Ajudem-nos a não ter uma sociedade sem meios tradicionais.»

Tiago Espírito Santo vai ainda mais longe referindo que as novas gerações não cresceram a ver o jornal lá em casa. «Muitas pessoas abaixo dos 20 anos nem televisão vêem», alerta. E concordando que há espaço para informação e para entretenimento, o responsável lembra que há que encontrar a melhor forma de fazer chegar a informação à geração digital.

Susana Coerver não tem dúvidas de que influenciadores e jornalistas têm papéis diferentes e nas marcas com que trabalhou sempre assumiu essa diferença. «Há um carácter mais informativo e de formação na informação que é passada pelos media, ao passo que nos influenciadores é a construção de imagética da marca e passar alguns valores.»

Marca-influenciador e a escolha das marcas

Na Notable, conta Inês Mendes da Silva, «aprendemos muito com todos os agenciados». Com diferentes perfis de agenciados conseguem também perceber as diferenças entre os vários perfis de consumidores. Mas há algo que na perspectiva da CEO os responsáveis das marcas precisam de interiorizar: têm que deixar de ter medo e dar briefings fechados. Devem ser mais destemidos. Às agências cabe o papel de intermediar a relação, que deve ser feito com muito cuidado. E aí cabe a verificação da identificação do influenciador com o produto/serviço, que a narrativa será proveitosa ao nível da mensagem a passar, humanizar, ter uma causa com propósito… «São muitos os aspectos a considerar e por isso é tão fascinante trabalhar nesta área.»

Prestes a abrir um hotel em Bali, há muito que a dupla Explorerssaurus deixou de ser só portuguesa tendo seguidores um pouco por todo o mundo. Raquel Janeiro conta que tudo começou como uma brincadeira, mas que se tornou um caso sério e um negócio com vários tentáculos. «Quando se fala em conteúdo, as pessoas pensam só no momento investido na produção daquela peça. Mas não pensam no pré nem no pós-produção. Há muito trabalho para, quando trabalhamos com marcas, respondermos àquilo que nos pedem.» Além disso, esta dupla faz também “apoio ao cliente”, esclarecendo dúvidas que os seus seguidores possam ter relativamente ao produto/serviço trabalhado. «Porque as pessoas confiam em nós. São como se fossem a nossa família digital. E como confiam em nós isto traduz-se num maior retorno para a marca», assegura. E, antes de fazerem o conteúdo para a marca, os Explorerssaurus fazem warm-ups, ou seja, começam a introduzir os produtos ou a falar de um problema a que o produto vai responder. Isto é algo, sublinha, «que os media tradicionais não conseguem fazer». Raquel Janeiro não tem dúvidas de que quando há um bom matching com a marca tem tudo para correr bem.

Mas nem tudo é uma questão de valores com os influenciadores. E, por vezes, dizem que não às marcas. «Já rejeitei marcas, como um desodorizante com produtos naturais que, depois de experimentar, percebi que me fazia suar mais.» Pagavam muito bem, conta, mas «é também a nossa imagem que está em causa». Portanto, recusam nestes casos para que a marca pessoal seja mais forte e, a longo prazo, gerar mais trabalho (e dinheiro) porque é de confiança que se fala.

E não se podem queixar da estratégia adoptada, já que todos os negócios parecem estar a correr bem. Na academia online contam com 16 mil alunos, tendo facturado no primeiro ano três milhões de euros. Na roupa fazem lançamentos sempre superiores a 100 mil euros. Com marcas também fazem acima dos 100 mil euros.

Raquel Janeiro não tem dúvidas de que a chave é inovar, lembrando que o primeiro produto que lançaram no mercado foram filtros de edição de fotos, depois o curso de como crescer no Instagram e de como fazer dinheiro online. «A chave é pensar no que é que a nossa audiência precisa.»

Tiago Espírito Santo sublinha que «a Raquel e o Miguel têm esse mérito de ter sabido sempre evoluir. Os criadores de conteúdos têm de se desafiar a si próprios. Alguns têm muitas resistências e criam barreiras a dar o salto».

Estamos a viver num mundo tão rápido que temos de encontrar – seja nos media ou nas empresas – formas de acelerar a capacidade de mudança, acrescenta Susana Coerver. «As marcas precisam de correr atrás da forma certa de fazer as coisas. Preciso de entender o que é que o meu consumidor quer e ir desenvolvendo à medida», refere, lembrando que muitas empresas estão completamente estagnadas nos formatos tradicionais de fazer as coisas, tal como muitos media continuam reféns de contar a mesma história. «E enquanto choramos, morremos e não nos adaptamos.» Segundo Susana Coerver, «tudo tem a ver com a nossa capacidade de nos adaptarmos».

Mas, alerta Inês Mendes da Silva, tanto nos media tradicionais como nas redes sociais, cada vez menos o consumidor quer venda directa. «Quer uma narrativa, uma causa, um propósito, humanização. Os formatos tradicionais de publicidade têm que ser revistos.» Mas, opina, não é só o jornalismo e o branded content que têm que se adaptar às tendências, mas – a própria Raquel já referira – também os influenciadores têm de estar em constante actualização. «Porque, caso contrário, perdem capacidade de atracção e seguidores.»

A única constante é a mudança, mesmo para os influencers, lembra Susana Coerver. «Há um tipo de influencers de marketing que está a ficar gasto, vazio. Porque se sim, temos o lado voyeur, como dizia o Tiago, também queremos mais um bocadinho, mais conteúdo, as causas em que acreditam e que defendem.

O foco das marcas e do influenciador deve estar no público, lembra, por seu lado, Tiago Espírito Santo, centrando-se na evolução que é necessária. «Se tornarmos este habitat mal feito, vamos perder aquele público e todo o ecossistema que se criou de influencer marketing.» Daí a importância das marcas perderem a resistência que ainda têm à abertura dos briefings porque isso condiciona muito a criatividade dos influenciadores. Raquel Janeiro, como pessoa que põe a mão na massa na criação, assume que o briefing é importante como linha orientadora do que fazer. «Mas alguns limitam completamente a criatividade», desabafa. E dá como bom exemplo a Samsung que, diz, «dá briefings extremamente claros, dando guidelines das características a falar, mas sempre com total liberdade até quanto ao tipo de conteúdo, se vídeo ou foto». No outro lado, marcas que enviam briefings totalmente fechados, mas que depois se queixam de que esperavam «mais criatividade».

Na base desta relação – entre marcas, influenciadores e consumidores – tem de estar a confiança, lembra Tiago Espírito Santo. O influenciador tem de confiar que os atributos que a marca está a passar para o mercado são reais, a marca deposita confiança nos criadores de conteúdo esperando que o produto “seja bem servido” e os consumidores esperam que a mensagem chegue de forma natural e com credibilidade. «Isto é um ecossistema que tem que funcionar e estar bem munido de muita coisa: cuidado com o conteúdo que vai para as redes, regulamentar certas questões.» Há que não perder o foco que quem está do outro lado, a ver TikToks, Reels e Instagram são pessoas reais. E se não for interessante, desligam. «E desligar não é o propósito. Estamos lá para ver entretenimento.»

Raquel Janeiro não está em acordo total com Tiago Espírito Santo, lembrando que se consome diverso tipo de conteúdo e não apenas de entretenimento. «Sigo contas porque gosto de conteúdo educacional. Sigo pessoas porque quero aprender mais de marketing digital, de negócio, de empreendedorismo. Mas também sigo contas de entretenimento puro para relaxar e rir. Sigo também contas inspiracionais para puxar pela minha criatividade. E também sigo marcas que posso estar interessada em comprar.» E em sua defesa, Tiago recorda que «informação não tem de estar dissociada de entretenimento». Mas «quem conseguir aliar os pilares de entretenimento, educação e inspiração tem a chave mágica para agradar a toda a gente», resume a criadora de conteúdos.

Texto de Maria João Lima

Foto de Filipe Pombo

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