Dinâmicas comerciais no foco das seguradoras

SegurosCadernos
Maria Joao Lima
05/06/2025
10:05
SegurosCadernosEdição Impressa
Maria Joao Lima
05/06/2025
10:05
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O tema da literacia foi o pontapé de saída do mais recente pequeno-almoço sectorial da área dos seguros organizado pela Marketeer. Em causa, as questões em torno da entrega do IRS e a incompreensão de grande parte dos portugueses acerca das devoluções que este ano, em grande parte dos casos, estão a dar origem a pagamentos. «Não pude deixar de ficar surpreendido com o espanto que as pessoas tiveram, e a comunicação totalmente enganadora dos media, por causa da questão do IRS. Fez-me a maior das confusões que as pessoas não tivessem percebido. Era naturalíssimo que, se tivesse havido um ajuste entre aquilo que a pessoa desconta e aquilo que a pessoa devia descontar, as devoluções do IRS (que são devoluções daquilo que o Estado recebeu a mais!) fossem menores. As pessoas ainda olham para esse dinheiro como algo para as férias. Não percebem que foi dinheiro que andaram a dar a mais ao Estado durante o ano inteiro», escuta-se à mesa entre os convivas da área seguradora. Se alguma prova fosse precisa esta é uma das que demonstram que há uma ignorância inacreditável. «Nós sabemos que há iliteracia financeira, mas depois há momentos em que fica tão evidente!»

E apesar de se falar muito em literacia da saúde e de esta ser muito fraca, apesar dos variados programas para inverter os números, na literacia financeira – comentam –, que era algo que diria mais às pessoas porque é no imediato e impacta na sua gestão do dia-a-dia, é ainda mais fraca. Daí a importância do investimento em programas de literacia financeira nas escolas. «A única hipótese é começar a educar as novas gerações», comenta-se no pequeno-almoço, que reuniu Ana Negrão (Allianz), Hugo Julião (Ageas), José Villa de Freitas (Fidelidade), Rita Leotte (Mudum Seguros), Sílvia Moreira (Advance Care) e Sofia Mendes (Verlingue), no Hotel Vila Galé Opera.

Aliás, os temas da literacia financeira e da saúde colam com o da longevidade com a prevenção das questões financeiras e a prevenção da saúde. Trata-se de um tema-chave não só para as seguradoras, mas também para o sector financeiro e para a saúde. E é um tema que não se resolve de um momento para o outro. «Vai durar bastante tempo, porque não se resolve só simplesmente dando informação. É preciso que as pessoas entendam a informação.»

No meio dos participantes, uma voz salienta que entre os players não há quem o esteja a fazer bem feito. «Apesar de termos as marcas e as operações que temos de saúde e da parte financeira, temos dificuldade em juntar os dois mundos para entregar aos clientes esse mundo relacionado com o envelhecimento, com o tratamento. Temos ecossistemas, mas por vicissitudes e também por problemas das operações, temos dificuldade em fazer chegar aos clientes, nomeadamente em termos de comunicação.» E se há uma parte de dificuldade nesse sector que se trabalha nas escolas, também há outra que está na incapacidade das empresas de entregarem ao cliente uma solução que efectivamente ele entenda e perceba. «Com as operações que temos, as ofertas são relativamente simples, são relativamente semelhantes. Acho que podemos entregar, de facto, melhor, de uma forma integrada. E isso passa igualmente pela comunicação.»

Daí que seja importante que se consiga mostrar aos vários targets que existem produtos de saúde, investimento e protecção numa mesma empresa. Há que lhes mostrar essa proposta de valor de forma integrada, uma vez que hoje estão a ser oferecidos de forma desgarrada. «Temos de chegar ao cliente respondendo a essas suas necessidades.»

Mas a longevidade não deve ser comunicada apenas junto da chamada silver generation. Há que comunicar para o mercado 55+, para pessoas que já se identificam com esse mercado e que já se encontram nesse segmento. Podendo fazer-se uma comunicação mais personalizada, mas que, em geral, é, também, mais conservadora. Mas, ao mesmo tempo, as seguradoras devem procurar criar awareness entre as camadas mais jovens que terão essas necessidades no futuro, também no âmbito da literacia financeira. «Em geral, só nos apercebemos muito mais tarde que realmente precisamos dos seguros e que é um investimento para a vida (e nós estamos a viver cada vez mais anos)», salienta-se. Paralelamente, há que trabalhar na questão dos investimentos. Uma coisa está ligada à outra. Para estes mais jovens é uma comunicação mais massiva e mais digital, que se vê dia-a-dia.

Crescimento não chega a todos

O primeiro trimestre foi caracterizado por um crescimento do mercado global segurador de cerca de 8%, maioritariamente alavancado na saúde e no multirriscos, que crescem perto de dois dígitos. Porém, há quem esteja em contraciclo, como é o caso do automóvel que está a abrandar e que em 2024 perdeu 32 milhões de euros.

Ainda assim, o seguro automóvel continua a ser encarado como uma porta de entrada, para muitos clientes, nos produtos de seguros por ser um seguro obrigatório. «É o caminho mais fácil para conseguirmos clientes.»

Entre as questões que estão a impactar esta área de produto em específico, os profissionais da área lembram a maior sinistralidade, a maior frequência e o maior custo médio por sinistro. Não há perspectivas de que a situação vá melhorar. Não só os carros não têm tendência a melhorar, mas também as cadeias de abastecimento não parecem melhorar, o mesmo se passando com a situação geopolítica.

Não há nada que leve a crer que este lado vá reduzir custos. O que se pode é ir buscar alguma eficiência e a Inteligência Artificial vai ajudar. Mas há custos que, efectivamente, aumentaram e não vão baixar.

Há sempre medidas de aumento de preços para dar a volta à rentabilidade. Ou seja, passando para o cliente estas variações, aumentando-lhe o valor do prémio. Esse é o caminho mais fácil. Mas há que perceber dentro de casa como o travar, para não passar o aumento todo para o cliente.

Também a área de seguros de saúde viu os custos disparar, nomeadamente no que toca aos recursos humanos e aos consumíveis. Ainda assim, os seguros de saúde continuam a crescer e chegam hoje a mais de quatro milhões de pessoas (e sem incluir os planos de saúde, que é um outro tema).

Quem tem um seguro da empresa, que esta paga, sente-se descansado. Faz parte da remuneração, há muitos anos – começou por ser incentivado fiscalmente e as empresas aproveitaram e bem, uma vez que, para as suas contas, é melhor dar um seguro de saúde que hoje põem e amanhã tiram coberturas do que ordenado, que não se pode tirar.

Com uma demografia que se tem vindo a verificar mais envelhecida também nas empresas, este é um factor de retenção e de reconhecimento para com os seus colaboradores, sendo muito valorizado.

Quem não tem seguro da empresa e o pode pagar, compra do seu bolso. Quem não pode pagar nada disto, vai para o plano de saúde, porque, ao menos, tem acesso a um desconto qualquer. Porque neste cenário, convém não esquecer, lembram os participantes no pequeno-almoço, que neste momento o SNS não serve os portugueses. E escuta-se o que muitos teimam em não querer ver: «Há hospitais onde por cada 10 nascimentos, um é filho de portugueses. Grande parte do atractivo de vir para Portugal, nomeadamente os brasileiros, tem a ver com o sistema de saúde. Conseguem ter cuidados de saúde que não têm no país de origem, é um turismo de nascimento. Isto leva a que as pessoas sintam ainda mais necessidade de ter os seguros ou planos de saúde para terem acesso aos privados.»

Mas também se viram os valores dos custos na saúde aumentarem, o que levou a um incremento, também, nos prémios cobrados aos clientes. Chegará a um ponto, por causa da capacidade financeira das pessoas, que também o crescimento dos seguros de saúde estagnará.

Os hospitais privados usaram todos a mesma estratégia que começou há cerca de duas décadas, que foi abrir as grandes unidades centrais e fazer redes de capitalidade. Os investidores que estão a chegar a Portugal vão fazer por chegar às zonas que ainda não estão cobertas. «Há vários prestadores que estão a entrar e vão continuar a crescer para dar resposta, não apenas à população portuguesa, mas também à população que vem para cá viver, principalmente aquela que gosta de Portugal por causa do clima. Por exemplo, o Algarve tem uma vida própria o ano todo. Ainda tem pouca oferta privada em termos de saúde, mas está a crescer com vários players a ir para lá.»

Não ignorável é a questão dos recursos humanos na saúde. «Como não há, estão a roubar-se uns aos outros, sejam médicos, enfermeiros, técnicos auxiliares. Como há escassez de profissionais e como aumentou o salário mínimo, os salários desses profissionais também tiveram de ser ajustados.»

Uma maior procura por parte de clientes particulares e empresas têm tido os produtos que cobrem fenómenos extremos, como sismos e cheias. Apesar de, como referem os profissionais da área, não ser um crescimento exponencial, quando foi o mais recente sismo em Lisboa notou-se uma maior procura, por exemplo, pela cobertura de fenómenos sísmicos. «Nós próprios temos feito muita literacia à volta do tema dos fenómenos sísmicos e a importância não só das pessoas se protegerem, mas também as próprias instituições. É que o facto de se protegerem contra fenómenos sísmicos, de facto, faz ou pode fazer a diferença por um valor que é pouco mais do que o normal.» No entanto, importa lembrar que há aspectos que ficam salvaguardados, mas há coberturas que ficam excluídas.

Porta de entrada

E se o seguro automóvel foi, devido ao seu carácter obrigatório, tradicionalmente a porta de entrada de grande parte dos clientes no mundo dos produtos oferecidos pelas empresas seguradoras, há que não esquecer, também, o papel das redes comerciais, dos agentes e dos corretores. «Essa é uma verdadeira porta de entrada que permite, depois de identificar o cliente, perceber quais as possibilidades em termos de venda àquele cliente em específico.» Aliás, é um papel de parte das redes comerciais poderem trabalhar o cliente para o captarem, de maneira a protegê-lo.

Por isso não é de estranhar que as seguradoras estejam a investir nas suas dinâmicas comerciais, uma vez que o tema da distribuição é, de facto, muito importante para estas empresas. Entre as preocupações que têm em cima da mesa estão questões de concentração (os corretores compraram alguns agentes, os próprios agentes concentraram-se), tecnologias e a relação com os distribuidores.

Um comercial que conhece o seu cliente pode ter uma abordagem proactiva, sugerindo-lhe produtos que façam sentido para o seu estilo de vida, para o seu agregado familiar e padrão de consumo.

Há ainda ajustes de oferta que se poderão fazer em função de a pessoa ter entrado para um seguro aos 50 ou aos 60. E essas ofertas poderão depois ser complementadas com outros produtos do ecossistema, de que é exemplo a assistência que, em regra, poderá fazer sentido para aqueles que têm mais de 70 anos.

Quando a empresa seguradora desenha a comunicação tem em consideração que há dois tipos de comunicação que importa fazer: por um lado, para o cliente particular, por outro, para a população das empresas. Nestas interessa identificar as pessoas de maneira a conseguir perceber quais as suas necessidades e como é que a empresa pode apresentar a sua oferta integrada para as suprir.

Ao comunicar para mass market a seguradora vai ser sempre genérica. E ainda que essa comunicação seja importante, a comunicação através dos agentes torna-se muito mais personalizada e permite responder a necessidades particulares. «Esses particulares não vão comprar sozinhos. Esta população vai precisar de alguém para a aconselhar. E esse alguém, que vai aconselhar estes clientes, irá ser um agente, um consultor ou um banco.»

Entre os participantes não há dúvidas de que é importante estar no top of mind da pessoa, sendo fundamental a comunicação above the line. Mas, entre os convivas, salienta-se: «O que é de facto custo efectivo é todo o investimento feito na rede de distribuição. A rede de distribuição é soberana, é quem vai acabar por decidir se é o produto A ou o produto B.»

Lembrando que neste negócio há quatro canais possíveis – directo, agentes, corretores e banco (cada vez mais digital) –, salienta-se à mesa que as pessoas com 20 anos têm uma relação completamente diferente daquela que têm as de 40, que por sua vez é também muito diferente das com 70 anos. «Cada cliente tem necessidade de aconselhamento diferente em relação a um produto que quer comprar. Em produtos financeiros, produtos de saúde, as pessoas querem ter a certeza de saber se no momento estão protegidos ou não. E para isso precisam de um especialista e aí têm os agentes, os corretores e os bancos.» O aconselhamento, a explicação e a confiança daquilo que estão a comprar é o que as pessoas precisam. «É muito importante e vai continuar a sê-lo. Por isso, a comunicação via canal de distribuição é muito mais efectiva e eficaz do ponto de vista financeiro e de retorno. Não há um one-size-fits-all. E isso justifica o facto de os distribuidores não terem desaparecido com o crescimento do digital, como tantos apregoavam à época. O nosso mercado não é igual aos outros.» Aliás, quanto mais complexo é o produto, mais difícil é vender-se sozinho. E nesses produtos complexos a pessoa procura um aconselhamento.

Daí que não seja de estranhar que as marcas seguradoras tenham nos planos continuar a privilegiar a comunicação via canais de distribuição. Mas não abandonarão o above the line, que terá sempre um objectivo muito mais de marca e menos comercial. «Será muito mais humana, muito mais a experiência e a humanização da própria marca.»

Uma curiosidade é que o mercado de pets está a começar a estabilizar, não estando com o crescimento de vendas que já teve no passado. Ainda assim, as campanhas com cães e gatos mexem muito com as emoções das pessoas, daí que estejam a ser usadas não apenas com o negócio como objectivo, mas quase como se de campanhas institucionais se tratassem.

Entre as que apostam em marca, há as que apoiam grandes eventos, com bastante visibilidade mediática, como seja o desporto (futebol, padel, surf, jogos olímpicos) ou os festivais de música («continuamos a achar que faz sentido em termos de comunicação e de posicionamento»), que permitem às marcas do sector afastar-se do cinzento (onde estiveram no passado) e aproximar-se de momentos emocionais dos clientes. «Até porque a força da marca é uma forma de levar o cliente aos mediadores e a presença nesses eventos é também uma forma de os premiar em termos de resultados», explicam. Entre os participantes no pequeno-almoço há quem sublinhe que a comunicação de marca é importante, por um lado, para o cliente, e, por outro, é o suporte para o mediador. O caminho passará pela racionalização e pela concentração em termos de investimentos, reduzindo a dispersão de áreas.


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