As fases da quarentena vistas do meu sofá

Fase 1 – Business as usual.
Ou mais ou menos. A partir de casa é possível fazer quase tudo o que se faz no escritório mesmo indo mais vezes assaltar a despensa. Fazem-se as campanhas programadas, as artes-finais, as apresentações e o trabalho criativo. Também se limpam as casas de banho. Num momento de aparente regresso ao passado, sentamo-nos outra vez no sofá para ver televisão. Onde aparentemente o mundo congelou num único tema: o novo coronavírus. Ainda há guerra na Síria? O telejornal não diz. Os blocos publicitários mantêm o seu ritmo normal entre telecomunicações e insígnias de retalho alimentar, com um ou outro espaço de televendas que apreciamos em comunhão com todos os idosos e reformados. E devo dizer que depois de tanto tempo a trabalhar numa cadeira dura, aquela poltrona massajadora começa a parecer uma tentação.

Fase 2 – Vamos manter a distância.
Nós afastamo-nos dos amigos, dos vizinhos e do senhor à nossa frente na fila da farmácia em busca de álcool gel e os logótipos das marcas fazem o mesmo. Os arcos da McDonald’s, os anéis olímpicos, os aros da Audi, a Chiquita das bananas, as Oreo. O branding global tem um movimento de inspiração colectiva e faz exactamente o mesmo movimento em simultâneo pelo mundo inteiro. É fácil, é rápido e passa a mensagem. Não é original? O nosso concorrente fez primeiro? Não faz mal, o que é preciso é reagir e fazer sorrir. Mas ao centésimo logótipo a_f_a_s_t_a_d_o a coisa perdeu a graça e nós a paciência. No sofá percebe-se que há provavelmente milhões de episódios de “Crime Disse Ela” até se ceder àquela subscrição familiar do Netflix antes que haja um motim em casa. As notícias continuam monotema e agora a dúvida é: diz-se o covid ou a covid? Os planos de meios começam a ser cancelados e os blocos publicitários encolhem apesar de as audiências subirem a valores que há muito não se viam. Há como dantes uma audiência cativa. Literalmente. Mas quase ninguém aproveita.

Fase 3 – Vamos ficar em casa.
A mensagem veio para ficar tal como nós. As agências e as marcas mais ágeis reagem e produzem ou reeditam filmes que nos recomendam que fiquemos em casa. De forma mais ou menos criativa e original consoante a inspiração dos criativos e a abertura dos clientes, mais uma vez o movimento é colectivo. É interessante ver se cada marca consegue trabalhar a mensagem de forma relevante, de acordo com a sua essência e posicionamento e não apenas aproveitando a onda, mas se gravarmos um bloco vamos ver que podemos fazer um Bingo de “mesmo afastados estamos juntos”, “agora mais do que nunca”, “vivemos tempos de incerteza”, “obrigado a todos aqueles que” etc., etc. E agora que há mais temas nas notícias como o preço negativo do petróleo, as medidas para recuperar a economia, as provas de insanidade do Trump e do Bolsonaro já podíamos passar à

Fase 4. aquela em que as marcas e as agências voltam a fazer em vez de apenas dizer. Para não ser injusta, muitas faziam enquanto diziam. E parabéns por isso. Mas está na altura de voltarmos a fazer o nosso trabalho. O da criatividade que faz mover os negócios, o do marketing que impulsiona as vendas e faz mover a economia. Tal como colaborámos para fazer aquele filme em condições extremas, vamos colaborar para que a comunicação comercial possa voltar a fazer o seu trabalho. Vamos voltar a ser originais, construtivos, disruptivos, optimistas. Vamos construir marcas. Vamos vender detergentes, queijos, seguros, champôs. Não se trata de ignorar que vêm aí tempos difíceis mas de assumir que o marketing e as marcas têm um papel relevante na economia e que juntos, ou melhor, em conjunto, podemos dar a nossa contribuição para um futuro sustentável, no sentido mais amplo do termo.

Judite Mota
CCO na VMLY&R
judite.mota@vmlyr.com

Artigo publicado na edição n.º 286 de Maio de 2020

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