9 meses emigrante, novos caminhos, boa viagem

susanaalbuquerque2

“Por este caminho qualquer um vai, mostra-nos por onde consegues ir” é o conceito da campanha do festival do Clube de Criativos deste ano. É um bom conceito para falar do propósito da criatividade publicitária, mas também da vida em geral. Procuramos o menos óbvio porque só ele tem interesse. Foi mais ou menos isso que pensei quase há um ano atrás quando decidi emigrar. Estava na hora de experimentar um caminho novo. Com 42 anos pensei que era agora ou nunca. Entretanto, passaram nove meses de estrada. Se o leitor pertence aos 40% dos portugueses que considera emigrar, e se ainda por cima gosta de listas como eu, este texto é para si.

Em Julho de 2013 mudei-me de Lisboa para Madrid, família às costas, portunhol na bagagem e vontade de experimentar novos caminhos. Passou pouco tempo para fazer balanços, bem sei, mas vivo agora o momento em que a mudança já não é novidade (o estatuto de trabalhadora-turista dura seis meses, exactamente o prazo que dizem durar a paixão). Passaram nove meses, ou seja, estando em Madrid há bastante tempo, estou em Madrid há muito pouco tempo. O que agora tenho aqui já é uma rotina, e o que deixei em Lisboa há menos de um ano parece que ainda é meu. Mas não é. Emigrar é perder umas coisas e ganhar outras e ter a necessidade de fazer listas destas de vez em quando. Passemos à contabilidade.

O que perdi:

• Muitas rotinas boas.

• Os programas de sexta e sábado com os amigos.

• Os filhos dos amigos que são amigos dos nossos filhos.

• Uma escola pública que não funciona.

• Os avós que estão sempre lá, levam as filhas ao ballet e à música e fazem baby-sitting sempre que é preciso.

• O pão bom, o azeite bom, a manteiga boa.

• Coentros em todo o lado.

• Cogumelos Portobello (aqui não há, não me perguntem porquê).

• O café de jeito e os pastéis de nata.

• Jantar fora por 25 euros.

• O Chiado, o Príncipe Real e a Gulbenkian.

• As conversas de decibéis baixos.

• As rotinas do trabalho. Vinte anos de experiência num mercado é saber quase sempre como fazer o que é preciso para a coisa rolar.

• As combinações à hora de almoço.

• O rio, o mar e o silêncio de Lisboa.

O que ganhei:

• Desconforto.

• Aprender a fazer amigos novos aos 43.

• Aprender a viver sobretudo a quatro.

• Uma escola semipública que funciona.

• A alegria do Facetime, do Skype, do Facebook e do Instagram para socializar.

• Aprender uma língua nova.

• Uma esplanada em cada esquina.

• Presunto sempre bom.

• Tapear.

• O “El País” todos os dias ao pequeno-almoço.

• Uma rede de metro que vai a todo o lado.

• Uma cidade plana e com passeios largos e lisos.

• As investidas de bicicleta pela cidade.

• O Thyssen, o CaixaForum e o Retiro.

• Pouca chuva, muito frio e muito calor.

• Um clima seco, o cabelo mais fino e a pele menos oleosa.

• A neve e a montanha a 50 km.

• Parquímetros implacáveis (na EMEL são uns meninos).

• Parques de estacionamento que são um assalto à mão armada.

• Pensar que ter carro é uma chatice.

• Não saber se tenho emprego amanhã (mas isso agora é assim em todo o lado, não?)

• Ter de provar tudo de novo e a partir do zero.

• O anonimato profissional.

• Reaprender a trabalhar.

• Escrever scripts em espanhol.

• Trabalhar numa grande multinacional (para o bem e para o mal).

• Aprender outros critérios que também são bons.

• Aprender a ler as pessoas noutra língua.

• Aprender a falar alto para me fazer ouvir.

Conclusões: na lista dos ganhos usei sete vezes a palavra “aprender”. De resto, as conclusões cabem sobretudo ao leitor, mas se me perguntarem, a resposta é fácil: este novo caminho pode levar-me de volta a Lisboa amanhã, o que será seguramente uma Lisboa diferente da que deixei há nove meses atrás, por isso, e sobretudo por isso, já valeu a pena.

Texto Susana Albuquerque, Directora creativa executiva Tapsa Y&R madrid

Fotografia  Paulo Alexandrino

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