Picamiolos: ir ao Alentejo sem deixar Lisboa
Geralmente, não temo desafios gastronómicos e a questão da carne é um não problema para mim. Mas confesso que balancei quando surgiu o repto para experimentar o Picamiolos, o restaurante que abriu no último trimestre de 2018 e que conta com a assinatura do chef José Júlio Vintém. Sim, o mesmo que responde pelo Tomba Lobos e pelo Na Boca do Lobo (Portalegre). A questão eram precisamente as miudezas. Mas vim a perceber que essa era uma questão apenas de preconceito com aquelas que, não raras vezes, são encaradas como as partes menos nobres dos animais. Sim, mioleira, coração, rim… (os leitores mais sensíveis podem passar já ao próximo texto.)
A história do Picamiolos começa a contar-se em 2014 quando o casal Ricardo Santos e Leonor Brito e os seus sócios Pedro Franca Pinto e Bernardo Carvalho (que constituem a sociedade BSC) -, em parceria com a José Maria da Fonseca – abriram o By the Wine. A mesma sociedade BSC junta agora José Júlio Vintém para dar corpo ao Picamiolos.
Felizmente, foi ao almoço que travei conhecimento com todo um novo mundo pois precisei de tempo para que o meu corpo aceitasse tantas e variadas novidades. Começámos com uma grande diversidade de entradas para provar um bocadinho de várias das especialidades que José Júlio Vintém inclui na carta, sempre bem regadas com vinhos que iam saindo da garrafeira que tem capacidade para 650 garrafas. Chegaram as molejas de borrego – com uma consistência que primeiro se estranha e depois se aprecia -, as pétalas de toucinho – que comecei por provar a medo, depois repeti, voltei a repetir e só então perguntei o que estava a comer -, o focinho de porco – cuja crocância da pele me deixou a salivar -, o coração de alcachofra – não há truques semânticos, são mesmo couves super saborosas -, os miolos de borrego panados – aqui fui a medo porque me disseram o que ia comer e fez-me lembrar a mioleira comida em miúda -, salada de corações de alface – «nem só de opções de carne vive a carta», garantem os proprietários do espaço sentados à mesa – e costeletas de coelho fritas – uma maravilha que se vai picando à mão como se de aperitivos se tratasse.
Feitas as apresentações (sim, ainda não tínhamos passado das entradas), chegou a barriga de atum com puré de grão. Uma delícia! Mas atenção que é preciso acertar com o dia porque nem sempre o chef consegue ter atuns de tamanho suficiente disponíveis para este prato que de tão bom até me faz voltar a salivar enquanto escrevo…
No Picamiolos, todos os dias são servidos pratos de conforto, a chamada comida de tacho. Ouvimos falar da feijoada de lebre, do arroz de línguas de bacalhau, mas foi com o cozido de grão que achei que estávamos a terminar a refeição, lembrando as tachadas de domingo em casa da minha avó.
Mas não. Faltava o round final. Para os duros – mas mesmo só para os duros – ainda houve tempo para provar (ou no meu caso provar e repetir) a mousse de chocolate com crumble de bacon (sim, leu bem, é maravilhoso! E eu sou esquisitinha com as receitas das mousses), a boleima com gelado de caramelo salgado e o pudim de queijo fresco com abóbora. Sugestão: divida com os seus acompanhantes porque é difícil recomendar apenas um.
O espaço
Uma particularidade muito interessante do espaço, que conta com assinatura em termos de projecto do arquitecto Tiago Silva Dias, é que no piso superior, além das enormes esculturas de cabeças de vaca e de carneiro (da autoria de Catarina Catalão), existem três comedouros privados sob abóbodas de berço que permitem algum isolamento dos comensais em relação ao restante espaço. Ideal para jantares de um grupo de amigos ou mesmo para negócios.
Um espaço muito acolhedor a que voltarei, sem dúvida, e do qual não sairei sem degustar a sopa de tomate com ovo escalfado. Promessa de bom garfo!
Texto de Maria João Lima