O futuro é fascinante

Por Ricardo Tomaz, director de Marketing Estratégico e Relações Externas da SIVA

A pandemia de Covid-19 afectou a indústria automóvel de forma muito dura em 2020: o mercado mundial caiu 14%, ou seja, venderam- se menos 13 milhões de automóveis novos em comparação com 2019.

Esta crise abateu-se sobre o sector no momento em que ele atravessa a maior disrupção da sua história. E atrevo-me a dizer que nenhuma outra indústria no mundo atravessa semelhante transformação.

A título de exemplo, o Grupo Volkswagen prevê investir 73 mil milhões em electrificação e digitalização de novos produtos até 2025, cerca de cinco vezes mais do que os investimentos dos últimos cinco anos.

A disrupção é tecnológica, com a mudança de motores de combustão interna, com os quais vivemos há mais de 100 anos, para propulsores eléctricos – que ironicamente foram os precursores do automóvel no século XIX – e com a crescente predominância da engenharia de software sobre a tradicional engenharia mecânica.

A disrupção prenuncia também novos modelos de distribuição, menos assentes na figura selectiva do “concessionário” (ainda que este continue central na relação comercial) e mais na comunicação directa fabricante- cliente, que os veículos permanentemente conectados já permitem.

A disrupção regista-se na paisagem do mercado, com a entrada anunciada de novos players, como as “tecnológicas” (Apple), no mercado da mobilidade, as quais, não tendo a capacidade e o know-how de produção que a “tradicional” indústria automóvel possui, são imbatíveis a desenvolver serviços baseados em tecnologia. Mas a disrupção acontece também no modelo de negócio, em que a maior fatia de geração de valor passará, gradualmente, da venda do produto para a oferta de serviços de mobilidade – partilhada ou individual, autónoma ou não.

E a disrupção é, por fim, a do comportamento do consumidor e da sua relação com o automóvel, ao que tudo indica menos assente na posse e mais em soluções de flexibilidade, como o aluguer de curta duração ou a partilha em ride-hailing ou car-sharing (o contexto pós-Covid poderá desfazer algumas dúvidas actuais sobre o futuro das experiências partilhadas. Pessoalmente, acredito que regressarão em força).

Neste contexto, o que será do marketing de uma indústria que está a mudar o que vende, a quem vende e como vende?

Vejo grandes desafios no futuro para os marketeers do automóvel.

A primeira mudança é cultural. Enquanto cliente, deixará de me interessar quantos cavalos tem o motor do meu Volkswagen, mas não abdicarei de saber que funções e sistemas estão incluídos a bordo e exigirei comunicação clara e credível sobre isso. Imagino já vagas de transferências de marketeers do sector das tecnológicas para o sector automóvel…

A segunda mudança é postural. O marketing automóvel será um mix de product-centric e de service-centric, pelo que as marcas deverão ver o consumidor numa nova perspectiva, como aquele que “não é sempre o mesmo”, porque procura diferentes soluções de mobilidade em momentos diferentes.

A terceira mudança é estrutural. Os automóveis de 2025 vão gerar quantidades de dados infinitamente superiores às actuais, porque vão estar permanentemente conectados com os fabricantes, ligados entre si e com os seus proprietários. Os serviços “over the air”, que permitem propor actualizações de software ou upgrade de certas funções do veículo, necessitam de dados para funcionar. Um dos grandes desafios dos marketeers vai ser gerir – com ética e parcimónia – tais quantidades de informação. Decididamente, o futuro do automóvel é fascinante.

Artigo publicado na edição n.º 298 de Maio de 2021

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