Obrigada, Alberto da Ponte

Morreu como sempre foi: a tentar fazer a diferença. Tinha 64 anos, um percurso que se distinguiu no melhor que se fez ao nível da Gestão e do Marketing em Portugal e nem a doença, diagnosticada em meados do ano passado, o travou. Manteve-se consultor na Jerónimo Martins, presidia à mesa da Assembleia-Geral da Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, onde desempenhava funções de consultoria e, pelo meio, e em sociedade com o empresário António Quaresma, dedicou-se a criar novas marcas, como A Fábrica das Enguias, a Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau e O Mundo Fantástico Da Sardinha Portuguesa. Precisamente da mesma forma e com a mesma garra com que sempre acreditou em todos os projectos a que se entregou, como o lançamento da primeira revista de Marketing em Portugal, a Marketeer – que ajudou a fundar em 1996.

Licenciado em Ciências Económicas e Financeiras pelo ISEG e com um curso superior na mesma área na Harvard Business School em Boston, nos EUA, Alberto da Ponte começou o percurso profissional em 1973, quando ingressou na Unilever como estagiário de gestão. Em 1989 chegava a presidente executivo da Jerónimo Martins Distribuição e, dois anos mais tarde, assumia a liderança da portuguesa Cadbury Schweppes.

Mas terá sido na Sociedade Central de Cervejas (SCC), onde se tornou Presidente Executivo em 2004, que Alberto da Ponte mais se destacou ao conseguir conquistar a liderança para a Sagres, marca que há anos vivia afastada da sua arqui-rival por quase 20 pontos percentuais.

Em 2012, seria nomeado para presidir ao Conselho de Administração da RTP pelo ministro da tutela de então, Miguel Relvas, tendo liderado o grupo público de comunicação durante os anos da Troika. Saía da presidência da RTP em 2015, depois de o órgão de supervisão do grupo ter considerado que a sua equipa tinha deixado de ter “as condições mínimas” para desempenhar as funções.

No dia em que vai a enterrar, a Marketeer presta-lhe a sua última homenagem – a mais recente aconteceu há quatro anos, quando Alberto da Ponte recebeu o Prémio Marketeer de Ouro – em jeito de agradecimento.

Mª João Vieira Pinto

A Marketeer pediu a um grupo de responsáveis que de perto trabalharam com Alberto da Ponte para nos deixarem o seu testemunho. Textos de memória feitos de memórias:

Ricardo Florêncio

CEO Multipublicações

Morreu um homem fantástico. Deixa-nos um legado impressionante, mas uma história inacabada, pois ainda tinha muito para dar, muito por ensinar. Alberto da Ponte era uma pessoa fascinante, cativante, um profissional, um mentor, mas acima de tudo um Amigo. Foi um dos fundadores da Marketeer e um dos pioneiros do Marketing em Portugal. É, sem dúvida, um dos responsáveis, e muito devemos a ele, pelo facto de o Marketing, Comunicação, Branding ocuparem e desempenharem o papel tão importante e decisivo em todas as empresas hoje em dia. E sempre lutou pelo que acreditou! Estamos mais pobres. O Marketing está de luto. Estamos todos de luto. Obrigado por tudo, Alberto.

Nuno Teles

Chief Marketing Officer Heineken USA

«Tive a honra e o prazer de trabalhar com o Alberto, primeiro na Lever e depois na Central de Cervejas. Nunca conheci ninguém que acreditasse tanto que liderança e trabalho gera resultados. Primeiro na Lever, numa altura crítica em que o eterno rival mundial entrava em Portugal e, apesar de todos os esforços e o lançamento de três marcas diferentes de detergentes para a roupa, o Alberto sempre conseguiu defender a liderança absoluta de Skip em Portugal. Mas nada foi por acaso. Lembro-me de ver a equipa da Lever a discutir planos com o Alberto ainda antes de ele tomar posse como CEO. E depois na Central de Cervejas onde, logo em 2004, fez com que todos acreditássemos que seria possível a Sagres com 33% de quota de mercado derrotar o concorrente com 47% de quota. Mas assim aconteceu. Em 2008 a Sagres atingia a liderança de mercado sem nunca a perder desde então. Não foi um caminho fácil, desde telefonemas às 7h da manhã para discutir porque tínhamos perdido quota na última semana Nielsen até jantares até as 2h da manhã para alinhar estratégias com parceiros de negócio, tudo fizemos para conquistar mercado.

O Alberto sempre nos ensinou que não há impossíveis. Temos que acreditar que é sempre possível provar o contrário e trabalhar muito para que isso aconteça. E nunca numa forma previsível. O Alberto sempre abraçou formas inovadoras de fazer marketing em Portugal. Lembro o lançamento da Sagres Bohemia, contra tudo aquilo que está nos livros de marketing que ensina a investir a maioria do budget na marca mãe, nós fizemos o contrário e investimos a maioria na extensão de marca.

Lembro também o anúncio que fizemos para celebrar a liderança usando, pela primeira vez na história da marca, o próprio presidente da empresa dando a cara pelos nossos consumidores a oferecer uma mini a cada português como forma de agradecimento. Mas o Alberto não tomou esta decisão de ânimo leve e consultou vários stakeholders para medir muito bem as vantagens e desvantagens. E não podia deixar de mencionar o lançamento da primeira água Luso para emagrecer em Portugal com a recomendação da Associação de Nutricionistas Portugueses que o Alberto abraçou desde a primeira hora, mesmo sendo um projecto com um risco muito elevado.

Para o Alberto não existiam impossíveis nem formas pré-concebidas de desafiar a realidade. Sempre nos mostrou que somos nós os donos do nosso futuro.

Foi isso que sempre fez com que Portugal fosse um país estrela na Unilever, onde ninguém percebia como poderíamos ganhar tanto contra a Procter & Gamble e na Central de Cervejas, onde cada vez que mostrávamos o mapa de quotas de mercado ninguém acreditava nos números.

Ficarei para sempre agradecido ao Alberto por ter acreditado em mim e por termos feito uma grande equipa. Foi um grande líder e uma pessoa que marcou a minha vida para sempre.

Hoje posso dizer que tenho a sua marca e vou fazer memória dela nos anos que tiver até poder beber mais uma cerveja gelada com ele.

Cristina Viegas

Marketing Manager e New Business na RTP

O Alberto era um líder nato. Sabia para onde queria ir, onde queria chegar e que não o conseguiria sozinho. Mobilizava tudo e todos. E ainda, todos juntos. Impunha um ritmo alucinante. Tínhamos de dar tudo. O que sabíamos que éramos capazes e o que vínhamos a descobrir ser capazes. Tinha esse dom: levava-nos a dar tudo com vontade de ir sempre mais longe. O seu humor muito particular reflectia-se no trabalho e houve momentos bem divertidos. Era um dos seus segredos para conseguir unir equipas.

O Alberto é uma inspiração para os que tiveram o privilégio de serem liderados por ele. Para mim, além de tudo, foi um bom amigo.

Nuno Pinto de Magalhães

Director de Comunicação e Relações Institucionais da Sociedade Central de Cervejas

Tive o privilégio de conhecer o Alberto da Ponte em 2004, convivendo e trabalhando directamente com ele oito anos! Ficámos amigos! Com o Alberto não havia meio termo, ou se gostava ou não se gostava! Tenho presentes algumas das suas máximas: encarar o mercado e a concorrência num permanente desafio, quase militar, estar preparado para o worst case, ser resiliente, valer sempre a pena conhecer e ouvir todas as pessoas, “se não se tem cão caça-se com gato”, apresentar resultados ou levar a “carta a Garcia” eram algumas delas.

O Alberto adorava viver e usufruía tudo o que a vida lhe proporcionava! Bons restaurantes, socializar, ter dois jantares de seguida com pessoas diferentes! Vestir bem era seu apanágio! Tinha imenso gosto em cantar e “My Way” era a sua música preferida! Frank Sinatra, Elvis Presley e Toni Benett os seus must! Lia compulsivamente e estava sempre update com tudo o que era publicado em termos de Marketing e Gestão!

Obrigado, Alberto por ter percorrido uma fase da sua vida comigo!!!

António Cunha Vaz

Presidente da CV&A

Alberto da Ponte sabia para que vivia. Para os que acreditam que Deus chama a Si os melhores, Alberto foi chamado porque “aquilo, lá em cima”, para além de estar a precisar de gestão dinâmica, deve estar um tédio.

Alberto da Ponte nunca esteve de passagem em qualquer lugar. Onde esteve, goste-se ou não do que fez, deixou marca.

Alberto da Ponte não tinha feitio fácil. Não é porque morreu que vou deixar aqui a imagem de um profissional ternurento e sensível. Questões de trabalho tratavam-se no trabalho. Exigia tanto mais quanto mais gostava da pessoa com a qual trabalhava. Por vezes era duro, inflexível. Mas um líder não constrói líderes se quiser ser amado. Só o consegue se for profissionalmente respeitado.

Na Sociedade Central de Cervejas ou na RTP, Alberto da Ponte deu-me o gosto de colaborar nos seus projectos. Os gestores, em Portugal, têm uma preparação melhor que a dos empresários tradicionais. Alberto da Ponte tinha a escola das multinacionais, somada à da Jerónimo Martins /Unilever e à da cultura lusa dessas marcas únicas que são a Luso e a Sagres. Tinha gosto pela política, mas um traço ingénuo de quem nunca a praticou nas juventudes partidárias e acredita que os políticos consideram os que chegam depois como iguais.

Recuperar a liderança do mercado cervejeiro para a Sagres foi o seu objectivo desde que entrou na empresa. E conseguiu-o. Com a sua equipa, de que os meus colegas e eu mesmo fizemos parte. E morreu com a liderança intacta. Tinha as marcas cravadas no coração.

Na RTP, disputámos guerras interessantes. Apenas traídos pela escolha do lado errado pelos media. Nunca percebemos, ele e eu, porque ninguém quis ver a canalhice montada contra a sua administração. Porque ninguém quis saber como poderiam os partidos da oposição aceitar uma administração com um elemento tóxico. Mas foram guerras que mostraram carácter e que valeram a pena. Às vezes, mais vale a pena perder.

Alberto, “nós, por cá, tudo bem!”, como diria Chico Buarque de Holanda. Tu, por aí, continua a gostar de fazer bem as coisas, a divertir-te, a querer estar com os amigos, a cantar Sinatra, como fazias com o Rui Veloso e a saber viver essa nova vida. E brinda a nós. Brindaremos a ti. E vemos-nos um destes dias.

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