O segredo para mudar uma marca com mais de 200 anos? «Acima de tudo, respeito»

Aos 265 anos, a Ordem da Trindade decidiu mudar de imagem. Dedicada à solidariedade social, esta instituição privada sem fins lucrativos desempenha todos os dias um papel activo nos cuidados continuados dos cidadãos, além de gerir uma estrutura residencial de apoio a idosos. E era chegada a hora de alinhar a identidade gráfica com a sua missão e posicionamento actual, afirmando a sua contemporaneidade e relevância.

Mas como se altera uma insígnia com mais de dois séculos? Que cuidados é preciso ter e quais os elementos que não podem mesmo ser eliminados? Como fazer para garantir que a marca não se perde pelo caminho? Conversámos com Francisco Miranda Duarte, director-geral da Ordem da Trindade, e com Filipa Montalvão, partner & co-founder da White Way, para tentar descobrir as respostas a estas perguntas.

Francisco Miranda Duarte, director-geral da Ordem da Trindade

O que motivou a mudança de imagem?

Instituições centenárias são, actualmente, uma raridade e por isso são poucas as que retêm uma memória rica e vasta que seja verdadeiramente aplicável em situações diárias. Por outro lado, as organizações que se podem gabar de ter um maior tempo de vida por vezes acabam por não o conseguir honrar da melhor forma, uma vez que os seus líderes encontram-se naturalmente focados nas tarefas do dia-a-dia. Para utilizar a nossa visão alargada do passado como uma ferramenta para o futuro, achámos que esta era a altura certa para reformular o visual da Ordem.

A mudança de imagem da Ordem da Trindade surgiu a par da nova fase de actividade, marcada pelo início de um importante projecto de reabilitação das nossas infra-estruturas, no sentido de aumentar a sua capacidade e dar melhor qualidade de serviço e segurança nas actividades que desenvolvemos.

No momento em que fazemos 265 anos, achamos importante mostrar aos utentes e à cidade do Porto que continuamos empenhados em servir a comunidade e e, apoiar os utentes, especialmente os mais idosos, como sempre temos feito. Apesar de ter sido um ano desafiante para esta reformulação, até por terem existido desafios e encargos inesperados, não temos dúvidas de que foi a escolha certa, pois, após uma situação tão atípica como a que vivemos hoje em dia, vamos surgir com uma nova imagem, renovando o espírito mas mantendo os mesmos valores e empenho.

Que atributos procuravam na nova imagem? Que ideia queriam passar?

Em relação à nova imagem, pretendemos redefinir e valorizar a marca com base em cinco eixos:

• A dimensão de serviço social, com particular incidência de serviço aos cidadãos mais idosos;

• A dimensão patrimonial, artística e cultural que parte do edificado na Trindade, das obras de arte que detém no seu espólio e na promoção da música (nomeadamente música sacra, na tradição do seu fundador Papa Bento XIV);

• Uma dimensão científica e de intervenção e responsabilidade social com um papel activo e mesmo promotor em conferências e debates sobre o serviço à comunidade, o apoio aos mais idosos e – de uma forma geral – como podemos todos contribuir para uma sociedade mais inclusiva;

• Uma abertura à contemporaneidade de modo a evitar uma imagem fechada (comummente associada a este tipo de instituições);

• A qualidade irrepreensível dos serviços prestados e das iniciativas a promover – enquadra-se nesta dimensão a implementação de um sistema de gestão de qualidade, a certificação de qualidade das nossas unidades de cuidados intensivos actualmente em curso, entre outros aspectos.

Assim, essencialmente, gostaríamos de afirmar a contemporaneidade e a relevância actual da instituição, transmitindo ao mesmo tempo os seus 265 anos de história e valores através de um novo visual.

Temos a sorte de ser uma instituição pluri-centenária e, como tal, tentamos sempre homenagear a nossa história da melhor maneira. Com esta reformulação de imagem da Ordem da Trindade, queremos mostrar que o nosso espólio de experiência é sinónimo da nossa vontade de evoluir com a sociedade, motivando-nos sempre a fazer um melhor trabalho nos cuidados que prestamos. Inspiram-nos as palavras de Winston Churchill que dizia, «melhorar é mudar; aperfeiçoar é mudar frequentemente».

Como foi escolhida a agência parceira para este processo?

Queríamos trabalhar com uma entidade que conseguisse compreender a missão da Ordem da Trindade e que a integrasse numa imagem que fosse contemporânea e apelativa a todas as faixas etárias. É inegável que uma agência com bons visuais, que vão ao encontro daquilo que procuramos é essencial, bem como alguém que não tenha receio de espelhar o processo de criação para que nos seja confortável intervir a cada instante.

No nosso caso, a nossa agência parceira acompanhou-nos neste processo e percebeu desde o ínicio que a história e simbolismo tinham que ser capturados em linhas simples e precisas, algo que ficou reflectido desde os esboços iniciais de logótipos. Portanto, facilmente percebemos que era um bom match.

Quanto tempo levou a reformulação da imagem?

Se contarmos com a reformulação estrutural, que para nós também se integra como parte da reformulação da imagem da Ordem da Trindade, os timings são mais longos: as mesmas tiveram inicio a 3 de Fevereiro de 2020, prevendo-se que estejam concluídas em finais de Maio de 2021.

Para o rebranding, o processo foi bastante mais célere, já que teve inicio em Abril deste ano, ficando concluido a meio de Setembro.

Quais foram os principais desafios?

Como qualquer processo dentro de uma organização histórica, os principais desafios prendem-se com o processo decisivo perante o desconhecido e na ponderação muito própria de cada decisão. À semelhança de um bem precioso, em que se evita tocar para que não se danifique, há uma ponderação que pode fazer com que as decisões – neste caso do rebranding da marca pluri-centenária – não sejam tão rápidas quanto às vezes podemos querer.

No entanto, é esta ponderação que dá segurança a cada passo. O modelo de governo da instituição favorece a uma auscultação respeitadora do passado, mas que não limita que se vão dando passos inovadores. Isto tem feito que avancemos decisivamente para um futuro que é muito diferente do passado que todos conhecemos, com uma nova imagem e novas estruturas, para uma nova Ordem da Trindade.

Filipa Montalvão, partner & co-founder da White Way

Quais são as principais diferenças entre o logo antigo e o novo?

O desafio foi garantir uma evolução sem uma acentuada diferença. Trazer o universo de marca para uma comunicação mais actual sem perder a sua génese. A importância do escudo de forma oval, e toda a hierarquia dos elementos que o constituem, foi o principal desafio.

A mudança, que teve como ponto de partida dar mais relevância e protagonismo a símbolos identificados, passou pela opção de dar uma leitura vertical ao escudo. Simplificar os elementos de modo a ter uma maior e mais imediata interpretação da sua leitura. Como são exemplo a coroa real portuguesa no topo, ou a cruz dos trinitários. Trouxemos também novas cores e um código cromático mais actual, associado e conotado a sobriedade, prestígio e sofisticação.

Que elementos ou valores quiseram destacar?

O símbolo, nesta marca o escudo, é o que é mais significativo e expressivo enquanto identidade. O messaging, que engloba o conjunto que designamos de tom de voz, linguagem e hierarquia das mensagens na comunicação, foi também revisitado. Mas se tivéssemos que identificar a melhor maneira de expressar os valores, poderíamos dizer que a promessa de marca e nova assinatura têm esse propósito. “Uma irmandade para vida” junta num mote a essência e história da génese da Ordem da Trindade.

Em que suportes/meios é visível a nova imagem da Ordem da Trindade?

Irá seguir a norma de um rebranding, ou seja, ao revisitar a marca e comunicação precedente, são identificados todos os pontos de contacto da marca. No caso da Ordem da Trindade, está previsto que todos os seus suportes e canais de comunicação venham a estar de acordo com o novo universo de marca. Recordo a primeira acção que deu expressão a este novo universo (estávamos ainda em fase de confinamento): uma tela de grande formato na Praça da Trindade na qual a Ordem expressou o seu agradecimento a todos os profissionais de saúde.

No futuro, esta marca irá estar presente não só em todo o universo Ordem da Trindade mas também numa série de projectos futuros relacionados com os diversos eixos de actuação da Ordem – a cultura, com o Museu da Ordem da Trindade; o urbanismo com a recuperação do quarteirão da Trindade; a saúde com os cuidados continuados; e outros.

O projecto de rebranding prevê uma arquitectura de marca que possa evoluir em todas estas áreas de comunicação. Podem passar por literatura, como um livro de comemoração ou um dossiê mais detalhado e pormenorizado; a activação, que tanto pode ser um evento como uma conferência, que nos dias e circunstâncias de hoje poderá ser a decoração virtual de uma plataforma de streaming; até estacionário e toda a presença online da instituição.

Que cuidados é preciso ter quando se reformula uma marca centenária como esta?

Acima de tudo, respeito. Pelo legado, pelos sentimentos e emoções que transporta e transmite e a percepção que a mudança poderá trazer. Tanto para sua essência e génese, como para o seu propósito e objectivos, assim como para as pessoas que impacta e que a vivem.

Quais são os principais obstáculos ou desafios?

Podemos falar de desafios em duas dimensões. Por um lado, compreender de forma umbilical quem está por detrás da marca, como a vive e quer que seja vivida. Para onde tem que ir, como deve responder e comunicar com diferentes pessoas, independentemente da sua história e origem. Numa segunda dimensã,o a criatividade e a intenção. Uma acção que centraliza uma responsabilidade que se expressa num conjunto de elementos, que juntos devem ser interpretados objectivamente, com clareza e com significado. Não só para quem a cria, mas para quem é criado.

Texto de Filipa Almeida

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