O Marketing em contexto de guerra

Por Sónia Nogueira, docente e coordenadora de Marketing do 1.º ciclo da Universidade Portucalense

Na era actual, os consumidores são acometidos de múltiplos acontecimentos, muitos deles indutores de novos comportamentos e reacções. Após um período complexo associado ao contexto pandémico, eis que agora estala uma nova guerra na Europa. Quais os efeitos sobre o comportamento de compra do consumidor? A que mudanças devemos estar atentos?

Na verdade, a percepção de risco, o sentimento de medo, a necessidade de sobrevivência e de protecção dos que nos são mais próximos causa nas pessoas reações anómalas ao seu comportamento diário em contexto de normalidade. Muitos bens passam a desnecessários ou secundários e outros emergem como cruciais à vida. Bens alimentares, roupa, medicamentos tornam-se primários. Espectáculos e cultura, bens de luxo, compra de casa passam a secundários ou mesmo totalmente do desinteresse dos consumidores. A indústria de armamento e de equipamentos de protecção individual renasce e relembra a sua importância.

O sentimento de medo, de pânico, de escassez leva às corridas aos supermercados, até mesmo em países onde a guerra não ocorre. Este fenómeno psicológico deve-se ao facto da actual percepção dos consumidores quanto à globalização e interligação entre os vários países do mundo. As exportações de bens portugueses para a Rússia avançaram 0,6%, em 2021, e 16,7% para a Ucrânia. Muitos de nós só agora perceberam que importamos produtos petrolíferos de origem russa, milho e outros cereais da Ucrânia. Por outro lado, vendemos produtos agrícolas, madeira, cortiça, produtos alimentares e calçado a Moscovo. Com os actuais embargos comerciais e financeiros, os consumidores começam a desenvolver uma percepção não só de maior dificuldade de acesso a bens importados de países mais directamente envolvidos na guerra como uma percepção de maior dificuldade de escoamento de muitos produtos nacionais com consequentes riscos de falências e crises.

Este sentimento misto de apelos à solidariedade, mas também de medo colectivo influenciam o comportamento de compra e o processo de tomada de decisão do consumidor.

As empresas precisam de se adaptar e devem procurar acompanhar estas preocupações. As iniciativas podem ser múltiplas, desde comunicações de solidariedade para com os refugiados de guerra, apoios solidários (financeiros e logísticos) das marcas, até à adaptação da oferta e preços praticados. O consumidor precisa de colo em momentos difíceis.

As anunciadas e sucessivas subidas dos produtos petrolíferos, por exemplo, provocam corridas e filas aos postos de abastecimento e ao esgotamento do produto em algumas delas. Esta escalada de preços gera agravamento dos preços em muitos outros produtos precisamente por estarem na base dos factores de produção necessários para operar máquinas e equipamentos produtivos. A possibilidade de risco de escassez de cereais induz a um aumento de procura e possível açambarcamento deste tipo de produtos e gera-se uma onda de medo que produz nos consumidores, muitas vezes, comportamentos “non sense” como foi a corrida ao papel higiénico no início da pandemia.

Combater este fenómeno não é fácil pois a noção actual de informação falsa torna o consumidor menos receptivo a qualquer tipo de comunicação e descrente nas exposições dos governos, das empresas, da comunicação social em geral.

O Marketing vê-se a braços com estes novos desafios e só com mensagens muito transparentes, com claras evidências de verdade, sincera e simples, consegue colmatar este contexto. Manter canais de comunicação abertos e solidários pode ser a chave para conseguir chegar e manter-se junto deste novo consumidor que se encontra extremamente abalado pela pandemia e por esta actual ameaça de guerra mundial.

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