O extraordinário mundo do vídeo case

Por Judite Mota, Chief creative officer / managing director da VMLY&R

Há um mundo melhor. Eu sei, é chocante que tenhamos de viver num mundo onde há injustiça social, desigualdade de género e de oportunidades, um mundo onde viver se tornou sinónimo de apenas sobreviver, quando existe um lugar em que todos os problemas do nosso mundo são resolvidos com grande sucesso.

É o extraordinário mundo do vídeo case. Um mundo perfeito em apenas e só 90 segundos.

Disclaimer: também eu produzo vídeo cases. Todos nós produzimos vídeo cases. Fizeste um anúncio de imprensa ou um cartaz? Apresenta-o num vídeo case. Fizeste uma bela campanha de rádio? Faz um vídeo case. Não interessa se o projecto é simples ou complexo, faz um vídeo case. Não há como inscrever uma ideia num festival, sem um vídeo case. Os cases tornaram-se eles mesmos um critério de julgamento para os jurados dos festivais. Um vídeo case muito bom pode influenciar o julgamento de uma ideia mais ou menos. São as regras do jogo, não há volta a dar.

Mas estou apenas a constatar o óbvio e não é da ubiquidade dos vídeo cases que eu quero falar. É da perfeição social, ambiental, cultural, que se vive no mundo do vídeo case.

Este ano fiz parte de muitos grupos de júri de muitos festivais diferentes. Com ideias vindas de muitos países diferentes. Tão diferentes que alguns nem são signatários da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

No entanto, um case a julgamento mostrava como as mulheres deste país tinham visto os seus direitos ampliados graças à activação de uma qualquer marca ou entidade. Estamos a falar de um país do qual nenhuma mulher pode sair sem a autorização de um tutor legal, marido ou pai.

Ou aquele outro país em que os direitos LGBTQ+ são reprimidos com grande violência, mas um vídeo case faz prova de que aquela acção comercial específica libertou toda uma fatia da comunidade. Tudo suportado em números, métricas percentagens e engagement nas redes.

Acreditamos? Nem por isso.

Suportamos os nossos colegas que trabalham marcas e causas na sua tentativa de criar um mundo melhor? Sim.

Defendo que as marcas têm o dever de contribuir para o bem-estar dos seus consumidores. Mais, defendo que as marcas devem em muitos casos ocupar o papel que foi em tempos do Estado, de promover integração e justiça sociais, quer nas comunidades em que se inserem, quer de uma forma geral. As marcas têm o poder de chegar mais longe e o tão aclamado propósito deve ter resultados práticos. Algumas marcas entendem isto e põem em prática as suas boas intenções. Porque não importa querer mudar o mundo só no vídeo case, mas a mudança positiva que estas marcas criam. O que importa não é o prémio que se ganha é a mudança que se imprime.

Das centenas de vídeo cases que vi este ano e que de alguma forma tocavam temas de responsabilidade social, uma mão-cheia deles produzia resultados reais e a longo prazo. Porque este é outro ponto importante: fazer bem, mas apenas pontualmente também já não chega. As ações devem ser consistentes, coerentes e consequentes a longo prazo. Só assim o extraordinário mundo do vídeo case será um espelho do nosso.

Artigo publicado na edição n.º 327 de Outubro de 2023

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