Loco: refrescante loucura

Há doces com aipo, colheres servidas à boca pelo chef, pão suspenso, e um mundo de experiências por contar. Porque no Loco, cada dia é um dia novo

M.ª João Vieira Pinto

Quando à entrada de um restaurante se encontra uma oliveira suspensa e, na mesa, se percebe que uma fatia translúcida de pão carasau paira sobre as nossas cabeças, imaginamos que, eventualmente, também nós poderemos vir a sair dali a levitar. Mas não adivinhamos os vários andamentos e experiências a que iremos ser submetidos… até ao final.

O Loco, projecto do chef Alexandre Silva, é assim. Diz-se orgânico, defensor dos produtos nacionais e da Natureza, e deixa-se ir e guiar na corrente mais rápida ou tranquila de sabores oferecidos pelas microestações.

Sim, no Loco, não se janta. Experiencia-se. Não se segue a tradição e o by the book. Tudo é como que um mundo ao contrário, em que aromas, produtos, fusões e contrastes são garantidos com uma quase pitada de malícia pela equipa de Alexandre Silva. Acreditaria mesmo que se divertirão ao ver pelo canto do olho as reacções de quem se dá à prova num dos dois menus – com 14 (Descobrir) ou 18 andamentos (Loco).

Até porque no Loco não há barreiras ou paredes entre a sala e a cozinha. Há uma partilha e junção entre clientes e equipa, a qual se entrega à arte de adaptar os menus em função dos produtos que chegam frescos. De um dia para outro, de uns minutos para os seguintes, na mesma noite.

Como que num jogo às escuras, a Marketeer deixou-se levar pelos 18 momentos. E começou logo por perceber que o couvert de pão e manteiga não chega à mesa quando nos sentamos. Sim, há pão e há manteigas. Mas já lá vamos. Antes de mais, o primeiro andamento que se inicia com a reinvenção do tradicional pastel de bacalhau. Mas calma, que Sérgio Antunes – escanção que já trabalhou no Terreiro do Paço e na Tasca da Esquina e que tem estado ligado ao projecto Wine Service 4 You – faz questão de aprimorar sabores com um pairing vínico. Agora, é tempo do Quinta dos Abibes Arinto e Baga, espumante reserva 2012.

Depois, bem depois segue-se uma sucessão quase “esquizofrénica”, entre pão cozinhado a vapor com recheio de chouriço; barriga de atum fumada com pickle de tangerina; mexilhões com aipo, funcho e maçã; caldeirada sugada de uma “pipeta”; ceviche do peixe de captura do dia ou uma colher de atum com quinoa e limão,.0 apreciada de olhos fechados que é o chef quem a leva à nossa boca!

Sim, só depois de termos acordado todos os sentidos, é que é chegada a hora do pão. E após uma sucessão rápida e efusiva, a calma. Há um tempo de pausa para apreciar aquele que é um dos reis e senhores à mesa e que, aqui, ė feito na cozinha todos os dias com diferentes sabores ou sementes. Tempo ainda para perceber a atenção nas quatro manteigas ou na “molhaça” – é verdade, o molho de bife à café vem à mesa em panela de cobre para não se ter vergonha de encharcar o pão. E há, claro, o azeite! A companhia, nesta fase, é de uma Kvass – bebida inspirada numa receita tradicional russa e feita na casa.

Pausa feita, há o segundo momento, dos pratos principais. E não vale a pena descrever tudo o que a Marketeer experienciou – como a lula com calda de pé de porco e lingueirão picante, ou a ostra da ria de Aveiro regada na mesa com um molho agridoce e picante, de citronella, lima e kafir -, porque é provável que não os encontre quando por lá passar. O que encontrará, por certo, será o vinho do Douro Somnium branco proposto para este momento, e a que se seguiu o Costa SW Reserva branco 2013, da Quinta do Brejinho.

E quando pensa “não sei se consigo mais”, garanto-lhe que consegue. Quanto mais não seja porque as sobremesas elaboradas por Carlos Fernandes são de revirar os olhos. Carlos, que já passou pelo Hotel Lapa Palace, pelo restaurante MB e pelo Ritz Carlton Abama, começa por sorrir ao oferecer a bola de Berlim, revisitada; segue-se um tranquilo doce de pêra, camomila e mizo e, a rematar, gelado de aipo sobre caril verde e brioche caramelizado, que merece nota 30! Pela diferença, porque engana o palato e emoções e quase nos remete para o início da refeição, como que a dizer, ainda há mais.

E há, as gourman-dises… que são trazidas à mesa numa miniatura de caixa de costura antiga e se cruzam na perfeição com o Late Harvest Petit Manseng 2013, do produtor Gonçalo Sousa Lopes.

Não, não é de loucos! É o Loco de Lisboa, que o mundo vai querer conhecer.

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