La (in)saine inquietude: liderar a transformação na Era Digital
Por Mónica Serrano
Chief Marketing Officer, L’Oréal Portugal
São 50 dias em casa, tempo que nos deveria permitir parar e pensar. Com o mundo “isolado” no online, a tarefa não tem sido fácil, mas tenho conseguido aproveitar para observar o caminho que percorri nos últimos sete anos, e reflectir, apesar de um futuro tão incerto, sobre o que nos espera.
Conduzir a transformação de uma empresa nesta era digital significa trabalhar no e para o imediato, a um ritmo acelerado, e nunca descansar nas vitórias. Mais do que tudo, traduz-se numa inquietude saudável por querer estar sempre ahead of the game.
A transformação digital que vivemos nos últimos anos foi tão rápida que gosto de a apelidar de “revolução”. Não há indústria que fique imune ao impacto das mudanças tecnológicas. A digitalização não é um “nice to have” ou uma boa história de PR, mas uma questão de sobrevivência. Trata-se de uma revolução que veio transformar os nossos consumidores, padrões de consumo, o mercado de beleza e toda uma cadeia de valor. E, consequentemente, o nosso modelo de marketing. Mas, afinal, o que temos aprendido ao longo destes anos?
– Grandes marcas globais podem ganhar. Vivemos num mundo de hiperescolha, onde as pessoas procuram marcas que conhecem, de confiança. As premissas fundamentais do marketing permanecem verdadeiras: construir marcas fortes com propósito e foco no consumidor, entender as suas aspirações, ser criativo e inovar na estratégia de produto e ser obcecado com a qualidade, segurança e “veracidade” da proposta de valor.
O que muda é tudo o resto: os pontos de contacto, os formatos, os conteúdos, os canais e o modelo de marketing em si, agora baseado em algoritmos.
– Não escolher a batalha errada. Foco no seu reason why. Manter o foco no nosso propósito, no que temos de único. No nosso caso, aportamos valor no mercado da beleza. O nosso trabalho não é recolher big data para ter dados e concorrer com os GAFA, não é evoluir para uma empresa de tecnologia. É servir os nossos consumidores e capitalizar anos e décadas fazendo o que fazemos de melhor. Não se trata de dados, trata-se de relacionamentos. Não é sobre tecnologia, é sobre experiências. O nosso trabalho é levar beleza a todos. É fazer com que todas as mulheres e homens se sintam bonitos nos seus próprios moldes. É realçar o que cada um tem de melhor.
– Os sucessos continuam a ser locais. O que aconteceu connosco na China é fascinante. Em seis anos, passámos de uma receita de 2% em e-commerce para mais de 40%. Se nos tivéssemos focado apenas na análise global, na estratégia internacional, não teríamos sido suficientemente rápidos para perceber a oportunidade da TMALL naquele país. E isto aconteceu porque temos equipas locais. Estou convicta de que as empresas muito centralizadas pouco ou nada têm a ganhar. Estão a operar numa época em que a única constante é a própria mudança e em que novas plataformas, novos canais e modelos de negócios são inventados diariamente. E o segredo da vitória está na agilidade. Posto isto, é também verdade que todas as revoluções acarretam excessos, saturação e desconfiança. E a digital não é excepção. Muitos são os que anseiam por um DIGITAL DETOX, tornando óbvio que a confiança e a atenção deverão ser maiores prioridades.
O que se segue? É fundamental pensar numa 2.ª onda de transformação digital e com uma missão clara: reconquistar a confiança, colocando as pessoas e comunidades no centro do marketing, fornecendo as melhores experiências e serviços de beleza omnicanal.
Chegou a hora de: ouvir, aprender e cuidar. Ouvir as nossas equipas, porque são elas que estão no terreno, aprender com elas, porque é provável que saibam mais do que nós, e cuidar muito das nossas pessoas, porque são quem está por trás do nosso sucesso como líderes. E como empresa.
Artigo publicado na Revista Marketeer n.º 286 de Maio de 2020