Hackathon: um playground de ideias onde as empresas se descobrem a sério

Por Rodrigo Oliveira, fundador e director-geral da Zyrgon Network Group

É dia útil. Terça-feira. São 9h13 da manhã e o João está a caminho do seu trabalho, de metro, agarrado ao poste da carruagem, prensado entre pessoas. Não está só desconfortável, também está ansioso. Entra às 9h30 no seu trabalho e não quer chegar atrasado. Sai do metro a correr e, quando liga o computador da sua secretária, já batem as 9h41. Atira-se de imediato ao trabalho para atenuar a culpa deste pequeno atraso. É designer senior numa agência de Marketing Digital, o João. Todos os trabalhos gráficos da empresa só vêem a luz do dia com o seu carimbo. Traduzido: tem muito trabalho em mãos. Passam-se 40 minutos e o seu colega compincha vem desafiá-lo para o ritual de pôr a conversa em dia frente à máquina de café da copa. Aceita com o senão de ser um café rápido, pois tem uma reunião com um cliente às 12h. Mais desperto, regressa ao trabalho e, quando começa a concentrar-se na tarefa, tem de quebrar o fluxo para preparar a logística da sala de reuniões. O cliente chega um pouco atrasado. Mais uma reunião em que não consegue passar todas as ideias do projecto ao cliente, que tem um compromisso inadiável com as horas certas do almoço. “Envie-me, por email, um documento com todas as suas questões, desculpe, mas tenho mesmo de ir”, diz-lhe o cliente, já de saída. Boa. Mais uma tarefa a somar a esse dia, que lhe vai custar metade do tempo de almoço e o dobro do trabalho. A tarde do João divide-se entre três projectos, muitas intervenções de colegas e respostas a emails que não podem esperar. Num ápice, chegam as 18h e hoje não consegue ficar até mais tarde.

O exemplo é fictício mas representa a realidade do ecossistema da maioria das empresas. Tempo, energia, estado emocional, tarefas que se acumulam, pessoas a quem não se pode deixar se responder são algumas das muitas variáveis que boicotam a produtividade individual e colectiva de uma empresa. Neste vórtice quotidiano, onde encaixar disponibilidade e iniciativa extras para somar inovação diferenciadora e novos ângulos estratégicos ao negócio de uma empresa e elevar a motivação e o talento das pessoas que a ela se dedicam? Pois bem, é aqui que entra o precioso papel dos eventos Hackathon, as maratonas de incubação de ideias, concentradas em períodos de 24 a 48 horas, de onde empresas e colaboradores saem sempre com saldo positivo. O fenómeno é global, está em crescendo e é caso para dizer que quem ainda não está in fica, totalmente, out na corrida efervescente do mercado.

Hackathon ou os quilómetros de ideias percorridos em maratonas de tempo concentrado

Hackaton é o que acontece quando se junta, em inglês, as palavras programação de excelência (hack) e maratona (marathon). O primeiro evento deste género de que se tem registo remonta a 1999 e começou a fervilhar no outro lado do oceano Atlântico, nos Estados Unidos, alastrando-se pelas restantes geografias do globo. E se, no início, estas maratonas apenas se concentravam em temáticas de programação para encontrar o santo graal de softwares e hardwares que revolucionassem o ADN tecnológico das empresas; hoje, os eventos hackathon ramificam-se por uma diversidade curiosa de áreas que vão desde instituições escolares e culturais até à psicologia de casais com problemas de relacionamento. Num hackathon – também conhecido por Hack Day, Hackfest ou Codefest – entram palestras e workshops, mas o programa-rei é mesmo a maratona prolongada percorrida por várias equipas que trabalham a solução de um projecto.

Quer um exemplo?

Imagine que está muito bem instalado num hotel, com os seus colegas de trabalho, com o objectivo de trabalharem ininterruptamente, durante o fim-de-semana, num novo projecto. A ideia tem de ficar bem definida e explicada no final da estadia. No final, a equipa vencedora até poderá ter direito a um prémio, se a organização deste evento hackathon assim o definiu. Mas, não se assuste, trabalhar ininterruptamente não significa que lhe faltará o descanso ou a possibilidade de descontrair com os seus pares e alimentar-se bem. Aliás, estes direitos vitais são elementares na organização de um hackathon, pois determinam a boa produtividade dos participantes que, ao longo de muitas horas de incubação e poucas pausas de descanso, têm de resolver o desafio a que se propuseram. Este desafio tanto pode servir a inovação tecnológica de uma empresa como a sua inovação estratégica. Partindo de dados reais, fornecidos pela empresa organizadora, uma equipa pode, por exemplo, resolver um problema do modus operandi de uma organização, criar um protótipo de um novo produto, ou descobrir um novo serviço que beneficie ainda mais o cliente. Mas, sabe que mais? Também pode participar numa maratona hackathon online.

O exemplo onde incluí a sua hipotética participação é de um evento hackathon interno, que se traduz na iniciativa de uma empresa em organizar uma maratona de aceleração de ideias, com o intuito de promover a cultura de reconhecimento na sua organização, reforçar os valores da empresa e cultivar a flexibilidade criativa entre os colaboradores. O Facebook, por exemplo, organiza um hackathon interno a cada seis semanas e, graças a eles, hoje damos “likes” generosos aos posts de que mais gostamos.

Mas são os hackathon externos os mais populares deste playground sinergético de ideias. Neste caso, a empresa organizadora define um desafio relacionado com a sua cultura, visão, missão ou identidade e convida participantes externos, que podem ser uma comunidade de cientistas de dados, de programadores ou até o público em geral. Os profissionais da empresa também entram no jogo. Servem de mentores aos que vêm e partilham os seus conhecimentos com eles. Uma boa forma de ligar pessoas à empresa, enquanto se exploram novas tecnologias, se impulsiona a inovação empresarial, se analisam dados para desenhar previsões ou se faz um branding de produtos. Um pouco mais produtivo do que um dia regular no escritório, não acha?

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