Há um templo japonês em Algés
E Paulo Morais, dos chefs com maior conhecimento da gastronomia oriental, é o responsável. À frente do Kanazawa, faz-nos levantar os pés e seguir numa viagem para um admirável mundo novo.
Texto de M.ª João Vieira Pinto
Já alguma vez deu por si, a meio de uma refeição, a emitir inconscientemente um “hummmmm” prolongado? Porque o que acabara de saborear era do outro mundo? Foi precisamente o que me aconteceu, não uma, mas várias vezes no Kanazawa. A culpa é de Paulo Morais, o chef que já nos deu mais que provas em espaços como o Bica do Sapato, Umai e Rabo d’Pêxe, mas que agora, naquele que ainda é um segredo bem guardado para muitos, coloca muito mais cartas em cima da mesa. Aliás, em cima do balcão que, aqui, o espaço é de apenas oito lugares e em jeito de barra, com o chef a preparar tudo bem à nossa frente numa real viagem em que sabores, aromas e cultura se fundem.
Todos os sentidos são, acredite, literalmente postos à prova. Seja o paladar, o olfacto, o próprio tacto e a audição… porque Paulo Morais tem muitas e várias histórias para contar em jeito de acompanhamento de cada prato.
Comecemos! Quando se passa a porta de entrada do Kanazawa, uma das primeiras coisas que se percebe é que este lugar não é para todos. É como entrar em casa de um amigo e sentar-se à mesa para jantar. Aqui, o amigo que nos recebe é Paulo Morais, com a simpatia tranquila que o molda, depois de ter ficado à frente do espaço criado pelo chef japonês Tomoaki Kanazawa (Tomo) que, repentinamente, regressou ao Japão.
Paulo Morais manteve o espírito e a aposta no menu kaiseki, onde o respeito pela sazonalidade e pelos produtos locais é ponto de honra. Mas já lá vamos.
Depois do cumprimento do chef, sente-se e entregue-se. Nas mãos de Paulo Morais, claro, e a um momento sem pressa. As refeições são feitas à medida e por marcação, o que redobra a garantia de frescura e o que nos confere o nosso ligar devidamente marcado ao balcão. No dia em que por lá passámos, uma folha de camélia – ou japoneira como pode também ser conhecida – decorava o guardanapo de pano devidamente enrolado. O primeiro pormenor…
Depois, entregamo-nos aos vários momentos que se haveriam de seguir. Paulo Morais desenhou quatro menus de degustação: começa no Oyama com cinco pratos e um valor de 60 euros, passa pelo Kanazawa com seis pratos e um valor de 90 euros, segue no Miyazaki, com sete pratos e um preço de 100 euros, e termina no Tasting, que contempla os nove pratos do menu, uma harmonização de vinhos e tem o valor de 150 euros. À Marketeer apresentou o Tasting, o que significa que tivemos direito a tentações únicas como o Sakizuke – a amuse bouche, normalmente servida com sake, que Paulo Morais sabe que não pode descurar, ou não fosse o prato que abre as hostilidades e que aqui chegou com espinafres, camarão de espunho, molho de sásamo e crocante de macha -, o Mokuzuke (uma variedade de sashimi de peixes da época que o chef vai elegendo e que são incrivelmente frescos) ou o Suimono, caldo de aves com ameijola, mochi (arroz gelatinoso grelhado), cogumelos seta de cardo, alho francês, raspa de limão, katsuobushi fresco e chicória puntarelle.
Começámos a render-nos às criações daquele que há mais de 30 anos trabalha a cozinha oriental em Portugal, mas estávamos longe de imaginar que o melhor estava para chegar. Como o Hassun (pequenos peixes cozidos em sja e mirim, feijão preto, omelete japonesa, crisântemo de rábano com ovas de truta, ovas de arenque, ginko biloba e camaaão cozido com flor de sal); o Shiizakana (fondue) que seria servido com ostras e várias couves entre a chinesa e as nabiças e cujo caldo final se bebe em forma de aconchego. Satisfeito?
Arranje um pouco mais de espaço, que é hora de Paulo Morais apresentar o seu Sunomono, naquele dia combinado entre lagosta, fígado de tamboril ralado e molho de miso.
Mas o que nos marcou, pela simplicidade que contrasta com uma grandiosidade de sabor, foram os niguiris finais. Até experimentar o primeiro, achava que já não tinha espaço para mais comida. Obrigada ao chef por ter insistido e por nos ter presenteado com peças impossíveis de esquecer.
Paulo Morais sabe que a diferença também se faz com a qualidade dos produtos. Por isso, tem fornecedores que a garantem, como a Quinta do Poial, em Azeitão, para os legumes biológicos ou o Lugar do Olhar Feliz, no Alentejo, para os mais citrinos. O peixe e marisco são praticamente todos da nossa costa e carne wagyu chega do Japão com o preço de 300 euros o quilo.
Tudo isso nos vai sendo também contado, ao longo do jantar, a par de muitas e várias histórias gastronómicas e culturais. A refeição culmina com a sobremesa. Eu, teria ficado pelos niguiris, para prolongar a memória de sabores, mas não quis deixar ficar mal a honra do convento, pelo que tive direito a um quinteto de citrinos, gyosas reehadas com banana, ananás e chocolate, gelado de pomelo, frutos do bosque misturados com esfericação de yuso, kunquat e crocante de telha de laranja.
E porque é de reituais nipónicos que aqui se trata, não podíamos sair sem beber o chá – macha –, também ele feito por Paulo Morais, e que acompanha com o yaki manju.