Genéricos obrigam marcas a afinar estratégias
Nos medicamentos de prescrição, e quando há genéricos, o sistema electrónico tornou o preço o factor decisivo. Mas nos medicamentos de venda livre o que prevalece ainda é o valor e a notoriedade da marca. Acompanhe o debate sobre o tema, em mais um pequeno-almoço debate da Marketeer.
Texto de Daniel Almeida
Fotos de Paulo Alexandrino
A entrada dos medicamentos genéricos em Portugal e o seu rápido crescimento, alavancado em larga medida pelos incentivos governamentais, veio colocar alguns desafios às companhias farmacêuticas, que têm estado a enfrentar uma queda abrupta das vendas dos medicamentos de marca. Em 2013, os genéricos representaram já 44,7% do mercado farmacêutico português, segundo os dados mais recentes divulgados pelo Infarmed, a entidade reguladora.
O impacto dos medicamentos genéricos sobre o sector farmacêutico em Portugal foi o tema em destaque no quarto pequeno-almoço debate da Marketeer com responsáveis de marketing de empresas do sector farmacêutico, que decorreu no mês passado no Hotel Dom Pedro Palace, em Lisboa, e que contou com a participação de João Monteiro (Menarini), Rita Espírito Santo (Johnson & Johnson), Rui Carvalho (Angelini) e Rui Rijo Ferreira (Jaba Recordati).
De acordo com os participantes, quando expira a patente de uma determinada molécula (ou o princípio activo), a marca que detinha esse direito de exclusividade de comercialização perde, em média, cerca de 60% do seu volume de vendas com aquele produto, só no primeiro ano. «Enquanto há quatro ou cinco anos a degradação das vendas [com o aparecimento] dos genéricos era entre 20 e 30% no primeiro ano, e ainda se conseguia fazer alguma coisa [para contrariar esta tendência] ao nível da molécula original, hoje é impossível. Os preços [dos genéricos] baixaram muito», explicam os responsáveis.
Ainda assim, o impacto dos genéricos varia consoante as áreas de negócio: se no caso dos medicamentos de prescrição «quando há genéricos, o preço é o factor decisivo», já no mercado dos OTC’s [over-the-counter, na sigla original], isto é, dos medicamentos não sujeitos a receita médica, o que prevalece ainda é o valor e a notoriedade da marca.
Acompanhe, nas próximas linhas, as estratégias que as empresas farmacêuticas têm optado por implementar para combater a concorrências dos genéricos. Com o objectivo de se conseguir um debate mais aprofundado por parte dos diferentes participantes, ficou definido que nenhuma das ideias e opiniões seria directamente identificada no texto.
Prescrição electrónica
Uma das principais razões para a consolidação dos genéricos no mercado nacional prende-se, segundo os responsáveis, com a implementação da Prescrição Electrónica de Medicamentos (PEM), que tem vindo a substituir desde 2011, de uma forma gradual, a receita manual. Este sistema recorre à duplicação de receitas, permitindo que a receita seja transmitida por via electrónica pelo prescritor à farmácia, enquanto a dispensa do medicamento continua a ser feita através da apresentação da mesma receita em papel.
Graças à implementação da PEM, actualmente, quando um médico introduz os dados no sistema, surgem por defeito os medicamentos, com o princípio activo assinalado, mais baratos (geralmente genéricos). Se quiser prescrever outro medicamento, o médico tem de justificar o porquê dessa decisão.
Já no que diz respeito aos medicamentos de venda livre, o valor da marca continua a ter preponderância. «Nos medicamentos não sujeitos a receita médica o que está em causa é a construção da lealdade e do valor da marca, com serviços mais premium e uma nova comunicação, porque existem produtos muito semelhantes no mercado e a diferenciação e o peso da marca» contribuem para a decisão do consumidor, defendem os intervenientes no evento da Marketeer. «Muitas das vezes as pessoas pedem uma determinada marca porque é a referência que têm», reiteram.
Que alternativas?
Apesar das dificuldades no mercado dos medicamentos de prescrição, de que forma podem as empresas farmacêuticas combater a concorrência dos genéricos? Há alguns caminhos possíveis, dizem. Algumas empresas procuram mexer no pricing, isto é, baixar o preço do medicamento de marca para poder competir com os genéricos, ou então negociar com as farmácias algumas bonificações ou condições mais vantajosas. Outras há que optam pelo desenvolvimento de extensões de linha do produto, de forma a «prolongarem ao máximo a protecção de patente das suas moléculas». Outras ainda deixam pura e simplesmente de promover os seus medicamentos após o surgimento de genéricos.
Naquele que foi um dos temas mais fracturantes do debate, alguns responsáveis defenderam que, muitas vezes, estes esforços acabam por não compensar e o melhor a fazer é deixar o mercado funcionar. «Feito o balanço dos custos, hoje em dia mais vale deixar correr. É uma perda de recursos e dinheiro tentar combater algo que já está tão regulado», afirmam. Até porque, garantem, nalguns casos esporádicos, os próprios mecanismos de auto-regulação do mercado, nomeadamente o sistema europeu de cálculo de preço, acabam por colocar o preço dos medicamentos de marca abaixo do custo dos genéricos. «E aí as marcas recuperam», constatam.
Houve, no entanto, um ponto que foi consensual dentro do grupo: ao final do dia, o grande objectivo das companhias é «atenuar a queda [das vendas], que é fatal».
Patentes podiam durar mais
De acordo com os responsáveis, uma medida fundamental para promover o reequilíbrio do mercado seria um maior regime de protecção das patentes por parte do Ministério da Saúde. Para tal, defendem, os processos de comparticipação à investigação das empresas farmacêuticas deveriam ser aprovados mais rapidamente pela tutela, uma vez que o período de patente começa a contar logo na fase de ensaios clínicos. «A indústria tem que ter padrões de ensaios, existe todo um trabalho antes de colocar um medicamento no mercado, que leva tempo e está a consumir anos de patente de um produto. Se ainda por cima a tutela trava o processo, o produto quando chega ao mercado já está quase a perder a patente», lamentam.
Artigo publicado na edição n.º 220 de Novembro de 2014.