É boa altura para lançar uma marca? E para mudar de imagem?

A pandemia arrasta-se há mais de um ano e algumas empresas que decidiram suspender novos lançamentos ou marcas que adiaram a sua estreia no mercado devido à crise já não podem esperar mais por um “regresso ao normal” sem data definida. No entanto, há cuidados especiais a ter dadas as circunstâncias: «O consumidor mudou neste período e contexto pandémico. Por isso, uma nova marca deve ter em conta essa mudança», alerta David Lacasa, sócio da Lantern.

De acordo com o responsável da consultora na área alimentar, o propósito deverá ser um dos principais elementos a ter em conta, mas não deve ser um propósito qualquer. Sustentabilidade e solidariedade social ou apoio a causas da comunidade, por exemplo, serão preocupações vitais para que uma nova marca tenha bons resultados em tempo de pandemia.

Em entrevista à Marketeer, David Lacasa lembra ainda que há outros desafios quando o tema é lançamento de uma marca ou reformulação de uma insígnia que já existe no mercado. Muitas vezes, pode tratar-se é de uma questão de moda: «A imagem das marcas é parte da cultura visual e vai-se adaptando com as mudanças estéticas e também do mundo da moda.»

Nos últimos anos, o Debranding tem sido uma das principais apostas, com marcas reconhecidas a nível mundial a optarem por linhas mais simples e por uma abordagem mais simples à respectiva identidade gráfica. Mas que outras tendências existem? Acompanhe a conversa com David Lacasa:

Temos visto marcas como Burger King, Toyota ou Intel a recorrer ao conceito de Debranding. Em que consiste esta tendência e que caminho está a fazer em Portugal?

O Debranding é uma estratégia que procura diminuir ao mínimo os elementos visuais de uma marca. Podemos dizer que é um processo de destilação do core da imagem visual da marca para torná-la mais simples, mas, ao mesmo tempo, mais contundente. É uma tendência que, num cenário de saturação de estímulos visuais e informação, tem todo o sentido. Em Portugal, estamos a ver alguns casos como o Gato Preto, que deixou para trás a utilização do seu gato icónico no logótipo e centrou a atenção no core do naming.

Porquê apostar no Debranding? Quais são as mais-valias?

Qualquer rebranding tem que dar resposta a uma mudança na estratégia da companhia, fazer uma mudança de imagem sem mudar internamente é só um exercício estético sem valor. Um Debranding é uma resposta a uma alteração do rumo da marca. No caso do Gato Preto, para continuar com o exemplo, eles mudaram o seu posicionamento para ser uma marca mais virada para o lifestyle, daí o re/debranding.

Por outro lado, há riscos a considerar? Que marcas ou em que situações não se deve apostar nesta tendência?

Sim, existem riscos. Na verdade, qualquer mudança tem um grau de risco associado. Neste caso, a marca que faz este tipo de mudanças tem que ser uma marca bem estabelecida, com algum estatuto ou notoriedade. Se a marca ainda está em construção, uma mudança deste tipo pode contribuir para um ‘desfoque’ que pode implicar a perda de parte da identidade que ainda não foi construída. É um exercício que é fundamentalmente para grandes marcas e marcas bem conhecidas.

No geral, que desafios é que uma marca enfrenta sempre que decide mudar de imagem e/ou nome?

O principal desafio é que o consumidor entenda bem o motivo da mudança e o novo posicionamento. Para isso é importante que a mudança responda a uma estratégia não só de marca mas também da empresa em si. A marca tem que ter clareza sobre o seu propósito e a personalidade que tem antes de fazer só uma ‘limpeza de rosto’.

Depois, é importante fazer esse trabalho de forma estruturada. Pensemos no caso de rebranding marca de roupa GAP, que teve que voltar atrás depois de mostrar o seu novo logo e enfrentar os comentários dos consumidores.

Qual deve ser o motivo para uma mudança de identidade?

Principalmente, uma mudança interna de estratégia de companhia. Quando a nossa imagem não reflecte adequadamente aquilo que somos, é o momento de fazer essa mudança. Também, às vezes, fazem-se pequenas modificações na imagem, que não chegam a rebranding para poder acompanhar as alterações estéticas, actualizações. Às vezes, é melhor do que procurar um impacto maior.

Além do Debranding, que outras tendências se verificam nesta área?

A estética é muito relativa ao momento e isso também se tem vindo a reflectir no desenho de marcas. Levamos já vários anos com desenhos muito hipsters a branco e preto com setas cruzadas, mas agora a tendência é o Blanding. Bland em inglês significa sem substância, anódino, marcas que quase não são marcas. É uma estética muito habitual em novas startups de grande consumo como a bebida de CBD Recess.

É uma questão de moda? Vai mudando com o tempo?

Sim, a imagem das marcas é parte da cultura visual e vai-se adaptando com as mudanças estéticas e também do mundo da moda. Não é o mesmo processo que desenvolver uma marca que existe há 30 anos, criada numa época sem internet, e que agora tem de gerir a sua presença em plataformas como o Instagram, TikTok ou Twich, que têm tanta influencia na estética e na comunicação.

Que impacto tem tido a pandemia nestes processos de mudança?

A pandemia tem sido um momento importante para retomar o contacto e a relação com os consumidores das marcas. As marcas tiveram a oportunidade de mostrar as suas mais-valias como uma escolha segura e confortante. Por isso, algumas marcas aproveitam para lançar novos posicionamentos e designs, mais duvido que sejam feitos este ano. Estes processos levam mais tempo do que parece em casos como o da McDonald’s ou Burguer King.

E quanto à criação de novas marcas? De que forma é a pandemia pode afectar o lançamento de uma marca?

O consumidor mudou neste período e contexto pandémico. Por isso uma nova marca deve ter em conta essa mudança. Neste momento, lançar uma marca que não tenha um propósito claro relacionado com a em sustentabilidade ou o apoio a causas que importem ao consumidor pode complicar o sucesso que se pretende com o lançamento de uma nova marca.

Quais são os cuidados a ter?

O nosso propósito tem que ser real e a actividade da empresa tem de reflectir esse propósito e valores. O consumidor é cada vez mais exigente e tem ferramentas para descobrir quem lhe mente ou está a dizer meias verdades. O puro marketing, sem uma base real, seja um beneficio ou um “reason to believe” credível, já não tem espaço no mercado linear e, muito menos, na casa dos consumidores. É um exercício de honestidade.

Texto de Filipa Almeida

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