Dos orçamentos

Por Tiago Viegas, Partner da The Hotel

O meu primeiro chefe a sério costumava dizer, a propósito dos salários em particular e do dinheiro na publicidade em geral – com uma graça muito… característica, vá –, que o problema foi termos chegado no fim da festa. Mais precisamente naquela altura em que o empregado do restaurante, farto de pessoas e de gente, deixa de fazer cerimónia e começa a colocar as cadeiras viradas ao contrário em cima das mesas, preparando o chão para a limpeza que se seguirá dentro de momentos.

Entretanto, passaram-se 20 anos e a sensação que tenho hoje é a de que não só a festa já acabou e o restaurante fechou (agora é um ginásio de Cross-Fit para turistas que comeram demasiado abacate), como até o próprio empregado se encontra reformado, passando os dias a tentar cultivar abacates (lá está) numa pequena horta urbano-deprimente, ali para os lados do Cacém.

Que é como quem diz, hoje gostaria de falar de orçamentos, desinvestimentos e do dinheiro que circula (mas cada vez menos) pela indústria dita criativa.

É da natureza humana queixarmo-nos do que temos hoje, olhando para trás com o saudosismo empoeirado e bafiento do “antigamente é que era”.

Ainda que, deixem-me dizer-vos, no que toca a dinheiro, salários e orçamentos de marketing em geral, antigamente é que era. O problema é que era de mais, como se pode facilmente comprovar pelos relatos das festas do sector (sempre achei que as festas de Natal e de Verão das empresas eram, de um ponto de vista antropológico, fontes de informação preciosas).

E como tudo o que é de mais, um dia acabou – e veio com uma conta para pagar. Uma conta que, diga-se em abono da verdade, foi não só expectável como, durante alguns anos, até saudável.

Mas – e esse é o ponto – quer-me parecer que já pagámos tudo o que tínhamos a pagar. E que, neste momento, já só estamos a estragar.

A ver se me explico. Antigamente, ganhava- se muito. O que era mais ou menos normal, uma vez que se dava, também, muito a ganhar. No fundo, uma lógica saudável e própria de uma sociedade capitalista e pseudomeritocrática como aquela em que acreditamos viver.

Depois foi toda a gente estudar marketing (ou uma qualquer variação sobre o tema), o mercado cresceu em oferta (o sucesso tem destas coisas) e o mundo percebeu que se podia cortar qualquer coisinha sem estragar grande coisa.

Repita-se este raciocínio durante 20 ou 30 anos, acrescente-se-lhe o advento da internet, primeiro, e o das redes sociais, depois, mais a evolução tecnológica, a democratização dos meios de produção, umas ideias espertalhonas (como o crowdsourcing) e uma miríade de serviços e soluções de performance (tantas vezes duvidosa), e temos uma indústria inteira a ganhar muito… pouco. Ora o problema de ganhar muito… pouco – nas agências, nas produtoras e, até, nos clientes – é que a tendência será para trabalhar cada vez menos… bem – como, de resto, o comprova a irrelevância e boçalidade de 90% dos anúncios de um qualquer bloco publicitário em prime-time.

E como o panorama não parece estar a mudar para melhor, confesso que começo a prever o pior. Ainda para mais num mercado quase sem escala, onde tudo custa sempre mais a fazer (do lado de quem faz) e a rentabilizar (do lado de quem paga).

Importa dizer que, por contraponto ao meu pessimismo e mau feitio, há-de sempre haver um senhor qualquer que nos diz que o desafio está, precisamente, em fazer muito com pouco.

E ainda que fique sempre com a sensação que esse dito senhor está a fazer (muito) pouco de nós todos, a verdade é que o que não falta por aí são agências, produtoras e marketeers novos a ganhar pouco, porque estão a começar, e agências, produtoras e marketeers velhos a ganhar pouco, com medo que os mandem passear.

Até ao dia em que for tudo tão pouco, mas tão pouco, que vai deixar de haver quem faça.

E se não acreditam em mim, perguntem à malta que trabalha em hotelaria.

Se conseguirem encontrar alguém.

Artigo publicado na edição n.º 318 de Janeiro de 2023

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