Discurso de ódio online: calar ou deixar passar?

Por Rodrigo Oliveira, fundador e director-geral da Zyrgon Network Group

É raro o dia em que não ouvimos dizer que tal tema “incendiou as redes sociais” e, geralmente, as pessoas que deitaram achas à fogueira são as que desfilam orgulhosamente a sua intolerância em trincheiras opostas. Mas, nesta praça pública online, há mais fenómenos sociais e políticos além da polarização de pontos de vista. O discurso de ódio, a desinformação, a glorificação e o encorajamento à violência são outros sintomas que detonam a harmonia social nas plataformas sociais que tão bem conhecemos: Facebook, YouTube, Twitter, Reddit, Snapchat, Google.

Durante muito tempo, estes gigantes da tecnologia acolheram, sem reservas, todas estas manifestações fervorosas sem lhes ser exigido, por parte de legisladores e activistas, qualquer mediação ou responsabilidade sobre os discursos e conteúdos negativos gerados no seu império digital. Afinal, como criticá-los se os seus modelos de negócio se alimentam de captar todas as atenções e de engajar o máximo número de pessoas possível? Mas, hoje, olhando para as duas décadas de existência das redes sociais, começamos a perceber as consequências nocivas deste megafone de ódio e intolerância para a confiança pública e para o processo democrático e suas instituições. O problema não é nada fácil de se definir e, por conseguinte, de se regulamentar, pois mistura-se com algo muito intrínseco aos nossos direitos humanos: a liberdade de expressão.

Os mesmos direitos para quem não tem as mesmas intenções?

Nos últimos tempos, as empresas privadas de plataformas sociais têm sido pressionadas para agirem sobre os conteúdos de discurso de ódio e a retórica da violência gerados e partilhados em casa própria. De forma a amenizar os ânimos, as diferentes redes sociais têm implementado algumas medidas como o bloqueio e o banimento de perfis e contas ligados a pessoas e movimentos conflituosos ou tags de aviso que informam o público de que o conteúdo pode ser falso ou controverso. Um exemplo desta tag de aviso vem da parte do Twitter que, no contexto das eleições dos Estados Unidos da América em 2020, sinalizou muitos dos tweets de Donald Trump com a advertência “esta alegação sobre fraude eleitoral é contestada”.

Após o evento do Capitólio de 6 de Janeiro deste ano, a plataforma social baniu a conta do ex-presidente, o que não significa que tome as mesmas medidas para todos os que promovem o ódio e a violência. Permite, por exemplo, a presença do aiatolá Khamenei, o líder supremo do Irão, um país que executa pessoas publicamente por causa da sua orientação sexual; ou de representantes oficiais da maior ditadura comunista do mundo que é a China, que prende e executa dissidentes políticos e mantém milhões de pessoas de minorias étnicas e religiosas em campos de concentração. Hipocrisia? Contradição? Parcialidade? Sim, tudo isso e, certamente, muito mais, mas somemos também a variável de esta ser uma questão complexa que não se resolve a traço grosso.

Como distinguir o discurso de ódio, sátira ou comentário? E quem define o que é o quê? Há quem defenda, fervorosamente, que qualquer incitamento ao ódio online deve ser censurado pois leva a acções de violência reais. Por outro lado, há os que afirmam que policiar estes conteúdos nocivos apenas irá desviar os seus autores para lugares mais escondidos e encriptados, como defende o estudo “Ecologia do Ódio Online Global” da Nature. Segundo o trabalho da revista científica britânica, o policiamento numa única plataforma, como o Facebook, pode gerar dark pools globais, onde o ódio online pode florescer ainda mais feroz.

Confesso-me dividido neste assunto. Se, por um lado, considero que as ideias destrutivas se devem combater no campo das ideias e que o discurso não é a mesma coisa que a acção; por outro lado, também considero que o incitamento ao ódio e a desinformação devem ser sinalizados e que quem os pratica deve ser responsabilizado. Algo positivo neste fenómeno é que já faz parte do debate público e é objecto de reflexão das Ciências Sociais e Humanas, das entidades reguladoras e das instituições governamentais. E a isto se chama civilização.

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