Botas velhas, mas de marca. Poderá ser um bom NFT?

Por João Cardoso, Brand strategist no erb’s creative studio

Brasões, marcas e NFTs. O que é que tudo isto tem em comum? Lá chegaremos.

Alvin Toffler, um autor norte-americano, futurólogo, aspirante a poeta (segundo alguns) e conhecido pelas suas obras sobre revolução digital, entre outros temas giros, disse no início dos anos 90 que o valor do imaterial se estenderia até ao dinheiro, quase como uma conversão de culto. Assistiríamos a uma evolução de crenças, que passariam de bens físicos e reais, de coisas que podemos tocar, para uma confiança cega (esta fui eu que acrescentei porque achei que se adequava) em bens ou activos intangíveis, finitos e, por vezes, temporários. Olhando para a actualidade, parece que o Alvin não estava errado. Com muita pena nossa, já faleceu; hoje, era capaz de dar algum jeito ter alguém como ele por perto.

Saiba também que em 2018 os activos intangíveis já valiam qualquer coisa como 21 triliões de dólares e uns cêntimos e em 2020 representavam – não sei se está preparado para isto – 90% dos activos da S&P 500 (fonte: Ocean Tomo Intangible Asset Market Value Study). Entre estes activos, estão as marcas, patentes, licenças de software, dados e outras coisas mais que não vamos para já abordar. Já percebeu o que é que brasões, marcas e NFTs têm em comum? Todos eles são activos intangíveis e imateriais.

Para entendermos o que é um activo intangível, trago (como de costume) uma analogia simples, vulgar e um tanto fraca, não me julgue. Queira, por favor, imaginar uma nuvem. O leitor sabe que ela existe, não a consegue agarrar, mas quando chove recolhe os frutos provenientes da sua formação e entende os seus benefícios. Da mesma forma que não consegue agarrar uma marca, mas, quando ela “acontece”, a empresa ou instituição recolhe os frutos da sua formação.

Note que, apesar de todos estes activos serem imateriais, eles podem representar algo real, algo material. No fundo, em todos estes casos falamos de certificados de propriedade, autenticidade, selos de qualidade, identificadores de negócios, produtos, produtores, origens, etc…

Os apreciadores do polígono mais delgado do mundo (círculo para os mais distraídos) dizem-nos que a história é cíclica, portanto à priori repete-se. Estes identificadores de que falamos (marcas, brasões, etc…), protegem a comunidade contra potenciais contrafacções (não quer dizer que não existam). Hoje, temos um novo identificador a caminho da lista dos activos intangíveis, que se chama NFT ou Non Fungible Token. E o que é isso? Pergunta o leitor e com razão. Ora um token é um símbolo, até aí estamos de acordo. E um bem não fungível é um bem que não pode ser trocado ou substituído por outro idêntico.

Por exemplo: se o leitor tiver um cacho de bananas da Madeira, tem um bem fungível porque pode trocar comigo por um idêntico caso eu tenha outro cacho de bananas da Madeira. Se as bananas da Madeira entrarem em extinção e o leitor acabar por deter o último e único cacho de bananas da Madeira do mundo, esse cacho passa a ser um bem não fungível porque, no limite, estando a bananeira que lhe dá origem extinta, pode trocar o cacho por meia dúzia de ovos ou um Sumol de laranja do Algarve. Então, um Non Fungible Token é um símbolo único que não pode ser substituído ou trocado por outro idêntico. Outro ponto de interesse é que que toda a gente pode criar um, mas isso não quer dizer que tenha valor.

Passo a explicar.

Nada me impede de pintar a Mona Lisa (para além da minhas fracas skills de desenho), mas isso não quer dizer que a minha pintura seja mais valiosa do que a do Leonardo. O que distinguirá a obra de Leo da minha é o certificado de autenticidade passado pelo Louvre depois de estudos e análises que comprovarão a originalidade da peça e do autor. Tudo porque o Louvre é uma entidade certificada, uma instituição com mais de 200 anos e com uma história e reputação inigualáveis, uma marca.

Então, ao que me parece, os NFTs são, nada mais nada menos, do que a evolução destes certificados de propriedade e autenticidade para o mundo digital (com todas as aplicabilidades que isso traz). Aquilo que os torna tão valiosos, na minha opinião, é a sua unicidade. Pegando no exemplo do Louvre, existem já alguns NFTs da Mona Lisa, mas se (ou quando) o Louvre decidir criar uma eventual galeria de NFTs das obras expostas no museu, estes já existentes criados pelo @antonio.de.alverca, ou outro nickname que nada nos diz, serão influenciados pela criação do “Santo Graal” dos NFTs da Mona Lisa. Pode fazer subir o mercado daquele NFT em específico ou descer se começarem a existir demasiadas “cópias”. A questão é que o seu valor será na prática inferior quando comparado com o criado pelo museu.

Conclusão: pode criar um NFT de uma bota velha que tem em casa. Não quer dizer que tenha interesse. Por outro lado, se for o fiel proprietário de itens raros, ou se tiver uma marca sólida com uma comunidade activa, já é capaz de ter mais sorte.

Sem uma marca sólida e reconhecida por trás, um NFT pode muito bem valer tanto como um grão de areia. Na minha opinião, mais do que os NFTs, as marcas continuarão a ser os maiores e melhores activos intangíveis existentes. A justificação encontra-se acima. Se só veio ler esta parte, pode querer retomar ao início do texto.

Mas o que sei eu senão nada?!

Obrigado e um excelente dia para si!

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