As agências de meios, hoje, são consultores

2023 foi ano de desenvolvimento para as agências de meios a operar no mercado português. Numa média de crescimento que rondou os 8%, os indicadores apontam para que todos os meios tenham crescido, com alguns sectores a reforçarem a sua posição, para além de se ter assistido à entrada de novos players.

Numa altura em que a “crise” nos media é tema recorrente, o que os responsáveis das principais agências em Portugal defendem é que continua a haver muitos sinais positivos, sendo de realçar «a capacidade de entrega das agências de meios» e a maior capacitação em termos de oferta e serviços para que o seu valor continue a ser relevante. Em retorno, várias marcas houve que entenderam fazer sentido concentrar as diferentes disciplinas na sua agência, optando por uma gestão “holística”. «Foi um ano que se pautou por um desenvolvimento muito significativo das agências de meios em particular e do mercado no seu todo», o que traz um bom balanço para o corrente ano.

Em jeito de resumo, este foi dos principais temas analisados no mais recente pequeno-almoço debate organizado pela Marketeer com responsáveis de agências de meios em Portugal. Um encontro onde se falou, ainda, das mudanças mais recentes no media mix, dos desafios dos media tradicionais e dos “confrontos” com os novos media. Igualmente analisado foi o actual estado do mercado, sendo amiúde referido que os orçamentos de Marketing não estão a baixar, mas, antes, a ser dirigidos para outras “formas de comunicação”.

E, face a tantas mudanças de paradigma, também se alterou o perfil dos profissionais nas agências? Que competências são mais necessárias e procuradas? Que papel reservado para os antigos profissionais da área?

Numa conversa onde estiveram presentes Bruno Almeida (EssenceMediacom), Filipe Teotónio Pereira (Nova Expressão), Rita Amzalak (Havas Media), Rodrigo Albuquerque (Arena Media), Rui Freire (Initiative) e Teresa Oliveira (Mindshare), ponto assente é que o crescimento em 2023 ficou acima de todas as previsões.

E tem, ou não, que haver media forte para que as estratégias das marcas sejam devidamente veiculadas? O que se defende é que o footprint que as agências têm junto das marcas é completamente diferente do que acontecia há uns anos. «As nossas agências já não são as tradicionais de media. Temos criatividade, tecnologia, data scientists, pelo que o footprint nas marcas é completamente diferente. Em relação aos media, continuamos a ter meios locais fortes – o que é relevante para o negócio – porque quanto mais fortes forem os meios locais, mais independência teremos no mercado.»

Mais ainda, argumentam, os publishers locais asseguram qualidade a nível de conteúdo, que é a base fundamental para que as marcas se possam associar. «Um jornalismo de qualidade vai ter sempre bons resultados. E se houver conteúdos de qualidade, as marcas vão querer estar associadas a esses mesmos conteúdos.» O que se advoga, ainda, é que é imperioso investir nos meios locais, para que o quarto poder não acabe.

Olhando para o último ano e meio, o que se verificou, também, foram alguns movimentos positivos nos media, como o upgrade do digital no outdoor ou o lançamento de novos canais – sinais de que o mercado está a mexer e que os operadores estão atentos às necessidades qualitativas dos anunciantes. «Estamos num momento em que as coisas estão a acontecer. E, quanto às agências de meios, deixámos há muito de ser elementos de intermediação.» Porque o que é facto é que as operações são mais complexas e as ofertas mais transversais. «Temos mais bolas no ar para gerir do que há uns anos», ressalvam.

Olhando para esse cenário, não deveriam adoptar outro nome, que já não mais o de agência de meios? Na verdade, conferem os responsáveis, hoje são agências de consultores de meios.

«Nos últimos anos temos desbravado terreno e os nossos anunciantes têm hoje benefícios pelo caminho que trilhámos e que nem sempre foi fácil.» Muito dinheiro foi investido, muito desperdiçado, muita optimização e muito ajuste. Muito se investiu não só na transformação tecnológica, como no recrutamento e formação de talento. «Mais de 60% do talento nas agências está na área digital », destacam, enquanto admitem que um dos desafios actuais é ultrapassar a imagem tradicional que os anunciantes têm das agências.

Voltando a olhar para os meios, consideram que muitos continuam ainda a ter bastante dificuldade em monetizar conteúdos e contabilizar audiências. Por isso, é fundamental dar informação às marcas sem deixar de considerar alguma medição que ainda não acontece e que, caso fosse possível, poderia eventualmente dar outra perspectiva do mercado.

EQUILIBRAR NOTORIEDADE E LEADS

«Vivemos na era da atenção. Mais do que comprar muita audiência, importa conseguir que essa audiência percepcione a nossa mensagem de forma efectiva. Essa é a grande mais-valia das agências, até porque somos quem melhor conhece o consumidor!»

Um consumidor que passa, hoje, uma média de três horas por dia nas redes sociais e mais de cinco horas na televisão (no caso dos mais velhos, chegam a passar 12 horas com a televisão ligada).

Aliás, o tema da atenção leva os profissionais das agências de meios a lembrar que há duas décadas a televisão era rainha. «Se fazíamos uma campanha com 100 OTS [Opportunity To See], fosse a campanha boa ou má, ao fim de 100 OTS toda a gente já a tinha visto. Hoje, com a fragmentação e o digital, não temos hipótese de 100 OTS e, ou o conteúdo é muito bom – um spot criativo extremamente bom que chama a atenção de toda a gente –, ou então chegamos aos consumidores através de afinidade.»

Porém, é aqui que reside um dos desafios do sector. Cerca de 80% do orçamento em digital está em plataformas internacionais. Só 10 a 15% está em nacionais. «Isto é um problema de pescadinha de rabo na boca, já que, sem investimento, não podemos ter media com qualidade.» E não é segredo para ninguém que qualquer negócio para ser sustentável tem de gerar lucro.

Igual desafio têm as marcas que estão no mercado para serem negócios lucrativos. E os marketeers que as gerem têm objectivos a cumprir. Muitas vezes, objectivos a um ano. A tentação é ir para aquilo que é mais fácil que são os meios de conversão. Mas à mesa alerta-se: «O desequilíbrio que há entre branding e performance leva a que, por vezes, se esteja a querer construir uma casa que não tem alicerces. Uma marca para ter alicerces e pilares fortes tem de investir em branding.» Essa é tarefa que as agências têm andado a trabalhar, apesar de, às vezes, terem a sensação de que os clientes sentem que o estão a fazer porque queremos manter o seu negócio em televisão… «É algo que temos que trabalhar todos em conjunto.»

Uma série de factores – como o clima de inflação, a diminuição do poder de compra, a maior sensibilidade do consumidor ao preço ou o aumento da concorrência – levou, no final do ano passado, marcas a querer entregar valor, deixando de investir em branding. Mas para contrapor essa estratégia, as agências de meios têm-se socorrido dos case studies de outras marcas cuja natureza do negócio é digital (e que tradicionalmente apenas trabalhavam conversão) e que começaram a trabalhar o offline, porque a conversão e a sua eficiência também têm um limite. Um movimento que tem servido de alerta não só para as agências de meios, mas também para outras marcas que estavam a querer ir por esse caminho.

«Há muitos modelos académicos que provam que neste equilíbrio entre longo prazo (com investimento nas marcas) e o curto prazo (com geração de leads) está o ponto óptimo», recorda-se entre os presentes no debate. Em ciclos diferentes da vida do produto ou serviço pode haver alguns desequilíbrios, mas um não existe sem o outro, salienta-se. Em momentos de maior pressão do ponto de vista de resultados, há uma tendência das equipas comerciais ganharem alguma preponderância e puxarem para si o investimento que seria do longo prazo, mas os ajustes tendem a ser mais rápidos do que o que acontecia no passado.

Um momento de viragem no comportamento do consumidor aconteceu no final do ano passado relacionado com as suas expectativas. A partir do momento que se começou a falar das taxas de juro poderem começar a descer – apesar de se saber que ainda vão demorar 12 meses a que isto seja significativamente visível –, a nível da mentalidade, que se traduz em consumo, começou a sentir-se um desbloquear. Quando o Banco de Portugal fala em crescimento económico alavancado no comércio global e na diminuição da inflação, para o consumidor é um sinal de que vai aumentar o poder de compra. E estão criadas as condições para se começar a sentir um impacto nos budgets nas agências de meios. «Estamos com budgets optimistas e expansivos.» E se é verdade que há, em todas as agências, anunciantes que estão a mostrar alguma retracção, também o é que outros anunciantes, que vêem que há espaço livre, aproveitam para avançar. Uma dinâmica que tem sido equilibrada e tem dado dados de crescimento no sector.

O QUE QUEREM AS MARCAS DA AGÊNCIA?

O que as marcas pedem às agências – com excepção das directivas – é a reflexão estratégica e um plano de optimização dos seus recursos. «O facto de haver algum optimismo e budgets expansivos não quer dizer que não tenhamos que olhar assertivamente para as opções.» Os padrões de consumo estão a mudar, os mercados também têm novas ofertas de comunicação, as agências integram novas disciplinas e o que os responsáveis das marcas estão a pedir é essa gestão holística eficiente dos seus investimentos. Além disso, pedem a incorporação de data na tomada de decisão numa lógica de eficiência em que a matéria-prima vem dos insights do digital, das segmentações, da data. Um trabalho que não é novo se lembrarmos que as agências de meios trabalham data há décadas e estão muito familiarizadas com esse tema. «Agora falamos de data scientists, mas já tínhamos pessoas com esses perfis.»

Inegável é que as mudanças aconteceram. Há 25 anos o digital era a internet, hoje é transversal, bastando atentar à revolução que está a acontecer no outdoor e na televisão com a integração do digital. Quando se fala de plataformas digitais pode-se estar a falar do Playce, como da JCDecaux ou da MOP, que têm inventário digitalizado.

E não foram raros os profissionais que souberam acompanhar os tempos, havendo pessoas de 50 anos que se reciclaram completamente e que conversam com outras abaixo dos 30 anos de igual para igual, com linguagem e conhecimento ao mesmo nível. «Há pessoas que independentemente da idade mantêm sempre a capacidade de aprendizagem bastante elevada», sublinha-se entre os pares. E à mesa há consenso de que a multidisciplinaridade das equipas de que as agências dispõem se reflecte na mais-valia das mesmas para os anunciantes. «Há uma percepção de qualidade do serviço a 360º que prestamos.» E quanto mais complexo o mercado fica, maior é a relevância das agências de meios.

Não adianta negar. A realidade é que cada vez mais a diferença entre o que é online e offline se esbate. O SuperBowl é um exemplo de campanhas feitas para televisão, mas que chega a mercados como o português através do digital, de forma imediata. Este imediatismo que existe hoje faz com que não haja barreiras nos meios. «Falamos cada vez mais de conteúdos do que propriamente do meio A, B ou C.»

E a tão apregoada fragmentação dos meios não assusta as agências, colocando apenas desafios acrescidos. «Mas é assim que nós gostamos de trabalhar. A complexificação necessita de especialistas e é esse o nosso papel.»

Já em termos de temas, simplificação é a palavra de ordem. As marcas têm de priorizar os territórios e escolher as suas batalhas em termos de temas em que querem estar. Algumas querem estar em todas as áreas por ser essa a tentação, mas na realidade dependem dos recursos financeiros e humanos para fazer as coisas acontecer. «Na era da atenção, se as marcas querem comunicar uma infinidade de temas, não vai correr bem. Os casos de sucesso são aqueles que estrategicamente escolhem os territórios de forma mais eficiente.» Uma das áreas, aliás, em que podem ser assessoradas e apoiadas pelas agências de meios.

CRIAR DE RAIZ PARA CADA MEIO

Há não muito tempo uma das críticas ao mercado era que se faziam grandes investimentos na compra de espaço em digital, mas não se tinha essa preocupação na criação da criatividade para esse meio. Mas a mudança chegou. Já há muitas marcas que criam propositadamente para a área digital, seja em termos de mensagem, de conteúdo, forma ou duração. O mercado tem vindo a evoluir desde o momento zero em que apenas se pegava no anúncio de televisão e se colocava no YouTube a ver como funcionava. Hoje, quer os marketeers, quer as agências, quer os próprios meios, já perceberam que o retorno e o impacto desses conteúdos, quando há criatividades e mensagens ajustadas ao ângulo, são distintas. «Nós, enquanto indústria, fazemos o nosso papel de alerta dos anunciantes porque provavelmente estamos mais expostos àquilo que o mercado faz, mas há muitos anunciantes que têm essa consciência e que têm feito um trabalho de adaptar aquele que é o seu output criativo para resultar melhor em cada um dos meios.»

Mais do que adaptar, as marcas já estão a trabalhar em personalizar. Isso já se consegue com algoritmos complexos com recurso a inteligência artificial, que permite chegar àquele consumidor em concreto. Mas a relevância, a coerência da mensagem das marcas, têm de ser unas.

MEDIR O MARKETING DE INFLUÊNCIA

Estamos muito perto de ter uma nova era no marketing de influência muito mais focada em performance. «Temos de trazer todas as métricas de performance, de KPI para uma lógica de influenciadores. O conteúdo é rei, como sabemos, mas tem de ser feito da forma ideal.»

Como consultores dos clientes, as agências de meios medem tudo, para o bem e para o mal. Os influenciadores estavam numa posição em que a medição não era propriamente a mais exacta. Hoje, já se avalia muito bem que retorno é que aquele investimento em determinado influencer traz. «Todos nós temos softwares que o fazem. E percebemos claramente que determinado influenciador tem bots com 70% dos seus seguidores; ou tem um milhão de seguidores, mas uma taxa de engagement fraquíssima; por outro lado, outro tem 5 mil seguidores, mas com um engagement completamente diferente», explicam os profissionais. E isso talvez justifique que haja influencers que gostem de trabalhar directamente com as marcas porque a avaliação do retorno não é feita segundo as métricas das agências. Daí que se acredite, entre os convivas, que os influencers vão ter já em 2024 um nível completamente diferente de escrutínio que não tiveram até aqui.

A marcar o ano estarão também eventos como os Jogos Olímpicos e o Europeu de Futebol, ambos com potencial de audiência. E como há atenção, haverá investimento. Em Portugal, país onde há uma cultura maior de futebol do que dos outros desportos, o Euro deverá ser um evento mais determinante. Também com impacto significativo para este ano, as agências antecipam a realização do Rock in Rio – uma vez que, tradicionalmente, também tem impacto nos investimentos – e as eleições, que têm trazido uma dinâmica interessante ao nível de audiências das televisões.

No que toca a sectores, o das telecomunicações está superactivo (com uma nova marca a chegar ainda no primeiro semestre), tal como o do retalho e o automóvel e assim prevêem que se mantenham ao longo de todo o ano.

Assim sendo, tudo faz antever que este seja um ano com crescimento no mercado das agências de meios, com os profissionais da área a esperarem crescimentos entre o mesmo valor absoluto de 2023 e os 9% face a esse ano.

Artigo publicado na edição n.º 332 de Março de 2024

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