Farmacêuticas: 2018 foi desafiante mas positivo
O sector farmacêutico sentiu, em 2018, vários desafios no seu negócio, especialmente a imprevisibilidade em termos de regulamentação, que resulta na dificuldade de traçar planos a médio prazo. No entanto, os desafios deste ano foram superados e 2018 será um ano positivo.
Texto de Rafael Paiva Reis
Fotos de Carlos Ferreira
A imprevisibilidade do sector farmacêutico é um dos grandes condicionantes à estratégia do negócio dos players. Assiste-se a uma instabilidade em termos de regulamentação, com o governo a implementar mudanças que desequilibram os planos traçados para o ano. «Temos planeamentos a médio prazo mas, enquanto empresas de grande dimensão, temos de ter sempre planos alternativos, pois os cenários podem-se alterar de um dia para o outro. Isto obriga-nos a ter uma grande flexibilidade em termos de organização para dar resposta aos desafios», afirmam os responsáveis presentes no pequeno-almoço de debate das farmacêuticas, no Hotel Altis Belém.
À conversa estiveram Bruno Abreu (Pfizer), Manuel Correia (Bial), Patrícia Gouveia (Janssen-Cilag), Rui Rijo Ferreira (Jaba Recordati) e Sofia Freire (Angelini), que explicaram que 2018 foi mais um ano de desafios, à semelhança do que tem vindo a acontecer no sector. «Nunca sabemos timings, não temos muita previsibilidade no que pode acontecer em termos políticos, nas alterações regulamentares que podem surgir. Esse é um grande desafio para o sector. Há uma alta dependência do poder político e regulamentar », explicam.
Apesar dos desafios, o ano de 2018 foi globalmente positivo. Aliás, foi referido que o mercado comportou-se de uma maneira mais favorável, face a 2017, com um crescimento ligeiramente superior. Fruto da economia do País, as pessoas não evitam comprar determinado medicamento, pois têm mais capacidades para o adquirir. «Há, depois, um efeito que não conseguimos aferir, que é o do Turismo, pois muitos viajantes acabam por comprar medicamentos nas suas estadias», explicam os presentes, destacando, como motivo de compra, o facto de o preço dos medicamentos ser mais reduzido do que nos países de origem dos visitantes.
Este ano foi também descrito como tranquilo, fruto da estabilidade do mercado, que há muito não se via. No final de contas, há um balanço positivo e com boas perspectivas para o próximo. «Houve um crescimento, fraco, mas que contrasta com a regressão dos últimos anos. Aguardamos com alguma expectativa as novidades políticas. Por outro lado, a demora na comparticipação de novos medicamentos condiciona fortemente a performance das empresas. Se uma empresa, por exemplo, aguardar o reembolso de um produto relevante para o seu negócio, essa comparticipação (ou não) vai condicionar o próximo ano», afirmam.
A expressão “estabilidade” voltou a ser repetida, para descrever um ano que não registou grandes revoluções, apesar de algumas áreas terem crescido. «Alguns mercados, outrora maduros, ganharam alguma dinâmica. As áreas como os suplementos têm vindo a aumentar, resultante de um investimento que tem sido feito ao longo dos anos. E há uma maior predisposição para actuar na prevenção e optar por produtos desta área», explicam.
Houve quem considerasse o ano de 2018 instável e de transição, fruto da perda de algumas patentes e de renovação de portefólio. Mas com bons indicadores futuros. «Apesar de tudo, vamos manter o valor e o volume de vendas do ano transacto. Mas acaba por ser um ano positivo. As expectativas para 2019 são boas e temos já várias novidades planeadas », referem os responsáveis.
A destacar, pela negativa, surgiu uma situação com novos medicamentos aprovados e comparticipados. No momento da comparticipação é feito um acordo com o Estado, que estabelece um limite máximo de encargos com o produto. Acima desse valor, as farmacêuticas têm de restituir o valor ao Estado. «Esta situação gera algumas limitações, pois temos dificuldades em explicar a mesma aos headquarters. Surgem assim consequências ao nível da promoção do produto, com uma diminuição de recursos, nomeadamente ao nível da força de vendas, provocando uma limitação na divulgação do produto, nunca estando o fornecimento do produto em causa », referem os responsáveis, frisando que esta situação possa vir a repetir-se com outros medicamentos comparticipados.
Os responsáveis levantaram outro problema que afecta o sector: a dívida pública, que não faz antever um bom ano de 2019. «O fecho deste ano não é animador e o próximo ano adivinha-se ainda mais gravoso. Vamos aguardar com a calma e expectativa habitual, mas estes são condicionantes para o negócio, pois não conseguimos fazer previsões a curto prazo», explicam.
Retenção de talento
A atractividade do sector farmacêutico é grande, existindo muitos programas de estágios para detectar e potenciar talento. O difícil é reter esse talento, pois há muitas empresas internacionais que vêm buscar os jovens e os mesmos têm uma mentalidade que resulta que não fiquem muito tempo nas empresas.
«É um problema a médio prazo. Há jovens que podem até ficar um ano ou dois, mas depois não querem construir carreira connosco. Apostamos tudo nas suas formações, investimos tempo e, quando estão prontos para retribuir o investimento, saem da empresa. Isto acontece com os Millennials, pois são uma geração que quer fazer tudo de forma rápida», explicam.
Ao pequeno-almoço, os responsáveis referiram que os jovens chegam às empresas com elevadas expectativas e sem a preparação necessária para lidar com o cenário real do mundo de trabalho.
«Hoje em dia, quando os jovens saem da faculdade, já com um Mestrado, procuram logo fazer um MBA. E, quando ingressam no mercado de trabalho, já com um know-how significante e um background muito técnico, vêm vocacionados para serem directores-gerais num espaço de três anos. E isso é um problema, pois não vamos ter oferta para este tipo de perfil, pois vão sentir-se frustrados se, passados três anos, ainda forem gestor de produto», referem os participantes do pequeno- almoço de debate do sector farmacêutico.
A alternativa não poderá ser não apostar nos jovens talentos. O que tem de haver é um equilíbrio, pois o sector não só tem de de atrair talento como também rentabilizá-lo. O desafio é perceber a nova geração e as organizações não estão preparadas para isso. «Temos de integrar os Millennials de outra forma. As novas gerações têm muito mais competências que as gerações mais antigas. Mas faltam-lhes softskills que ainda não estão preparados para explorar. Porque é possível ensinar a vertente técnica a qualquer jovem, mas será a sua atitude que os define», afirmam os responsáveis.
Quanto ao futuro, a geração que sucede aos Millennial, a Z, terá um mindset diferente, pois são crianças e jovens que passaram pela crise e isso moldou a sua percepção e objectivos profissionais. «Assistiram a situações como o desemprego dos pais, mudança de casa ou ver familiares a emigrar à procura de trabalho. E isso faz com que tenham objectivos completamente diferentes. O principal é não ter de voltar a passar por uma crise. E isso vai fazer com que suplantem, rapidamente, os Millennials», explicam.
Nova abordagem para a investigação
Assiste-se a uma situação em que a maior parte das investigações começam a ser feitas pelas universidades, e não pelas empresas farmacêuticas, o que, fundamentalmente, deve-se a razões económicas.
«O paradigma da investigação mudou de tal maneira que, para a maioria das empresas, é muito difícil ter estruturas de investigação eficazes no seu interior. É muito mais simples trabalhar com parceiros com centros dedicados a esta área. Depois, pegam nas linhas de investigação e, quando chega a parte da componente de desenvolvimento, as empresas farmacêuticas entram em acção, pois são as únicas com competências e condições económicas para dar seguimento ao trabalho desenvolvido», explicam os participantes, referindo que esta situação abre um leque de possibilidades para um melhor desenvolvimento da investigação básica nas universidades. «É por isso que vemos cada vez mais investigadores a concorrerem a prémios de investigação», vincam.
Perante a temática do investimento, os presentes no pequeno-almoço de debate lamentam não existir uma política de investimento diferente no País, pois Portugal nunca teve tão bons recursos como os que actualmente tem. «Temos condições para que as empresas estrangeiras possam montar instalações no País e produzir cá. Portugal, fruto da sua mão-de-obra especializada, seria uma mais-valia para produzir medicamentos em áreas específicas», afirmam
Envelhecimento é bom sinal
Em 2016, a Organização Mundial de Saúde declarou que os adultos até 65 anos ainda são considerados jovens, até aos 79 estão na idade média, dos 80 aos 99 são idosos e a partir dos 100 são considerados idosos com longevidade. É um facto que a população está a envelhecer e, com esse envelhecimento, precisa de mais medicamentos. Aliás, daqui a dois anos, mais de 50% da população portuguesa vai ter mais de 50 anos. E o aumento da idade média é extremamente interessante do ponto de vista do negócio. «Desde suplementos, anti-hipertensores, antidislipidémicos, há vários medicamentos que contribuem para prolongar a vida das populações e, a partir de uma determinada idade, começam a ser tomados. Por um lado, estamos a prolongar a esperança de vida e, por outro, a melhorar a qualidade da mesma», afirmam os presentes.
Há alguns players que já trabalham este mercado de forma mais vincada, cujo target se mostra mais exigente e mais informado. «Depende também dos produtos que se pretende vender. Se um player tem produtos para a dislipidémia, o target que lhe interessa será acima dos 40, pelo que desde sempre se foca neste target», explicam os participantes.
Um dos problemas de comunicar com este target reside na expressão “envelhecimento”, que continua a ser vista como negativa. «Quando falamos no envelhecimento, temos de ver esse tema como algo positivo. Estamos a falar do sucesso do Serviço Nacional de Saúde, que permite prolongar a vida das pessoas. Não podemos ver este sucesso como um problema. Aliás, as pessoas envelhecem porque temos melhores cuidados de saúde e sanitários », afirmam.
tem vindo a acontecer no sector.
Artigo publicado na edição n.º 268 de Novembro de 2018.