Se for uma vez, vai sempre querer voltar ao Origens
Quando abriu portas, em 2016, foi pioneiro na cozinha de autor em Évora. Sete anos volvidos, o restaurante Origens mostra-se mais apurado do que nunca e leva-nos numa viagem pela cozinha tradicional alentejana, que é ponto de honra na carta há tantos anos.
É muito perto do centro histórico de Évora, numa das ruas adjacentes à Praça do Giraldo, que encontramos, meio escondido na lateral de uma rua inclinada, este pequeno e acolhedor restaurante, com capacidade para apenas 24 comensais. Chegamos à hora de almoço, num dia normal de semana, mas a sala está composta e na cozinha, também ela exígua, o chef Gonçalo Queiroz vai preparando e examinando os pratos com toda a diligência. Somos recebidos pela mulher, Eugénia Queiroz, a sommelier que completa este duo dinâmico que tem chamado a Évora muitos apaixonados e curiosos pela gastronomia regional.
A apresentação da nova carta sazonal, bem como a celebração do 7.º aniversário do restaurante, foram o pretexto perfeito para comprovarmos in loco todo o reconhecimento que o Origens tem granjeado – e, podemos adiantar já, justificadamente. Sentamo-nos à mesa e o que se seguiu foi uma experiência sensorial genuína e despretensiosa, como seria de esperar numa (verdadeira) casa alentejana.
A carta, renovada no início do Verão, promete sabores frescos e leves, tendo por base ingredientes de época e regionais – ou não fossem todos os fornecedores de frutas e legumes dali perto. No nosso caso, experimentamos o menu de cinco momentos (para partilhar, claro), que é uma das novidades que acompanha a mais recente carta.
O primeiro dos cinco pratos a chegar à mesa é uma sopa fria de melancia com queijo de ovelha. Mesmo que não fosse surpresa do chef, não podíamos ter pedido um prato mais fresco para iniciar a refeição, com o doce da fruta a constrastar com o sabor rico do quejo – atenção apenas à acidez pronunciada do vinagre, para quem não é apreciador. Terminado o primeiro prato, seguiram-se os figos frescos e flamejados com moscatel de Setubal, presunto, rucúla e amêndoa, uma das novidades mais aguardadas e que confirma a festa de sabores e texturas que adivinhávamos ao olhar para a descrição. O molho de moscatel, na dose e com a textura certa (nem demasiado espesso nem líquido), é o elemento que liga todos os ingredientes presentes no prato.
O terceiro acto é nada menos do que o prato que celebrizou o Origens e o único que se mantém na carta desde o início: o À Brás de Farinheira. Isso mesmo: farinheira assada envolta num à brás (super) cremoso. Consegue imaginar? Melhor do que isso, só mesmo provar aquele que (na nossa modesta opinião) foi o grande destaque de toda a refeição e que demonstra que a simplicidade é, quase sempre, rainha na cozinha.
Antes de passar ao quarto momento, Eugénia aproxima-se da mesa e surpreende-nos com um estojo composto por facas de vários tamanhos e feitos. “Pronto para escolher a sua arma?”, pergunta-nos. Assim o fazemos e, pouco depois, percebemos que vinham dali dois pratos de carne. A saber: presa de porco alentejano e lombo de vitelão mertolengo. O lombo, com nada menos de 150 g, estava cozinhado no ponto certo e bem acompanhado por legumes salteados da horta. Contudo, foi a presa que nos obrigou a repetir, uma e outra vez. Não apenas pela carne – que fora cozinhada lentamente no forno – mas sobretudo pelas migas de tomate e pimentos, um bomba de sabor umami que vicia desde a primeira garfada. Nem seria uma refeição verdadeiramente alentejana sem as belas das migas!
Para terminar, um autêntico sortido de sobremesas, numa tábua bem apetrechada e que faria sorrir o menor dos gulosos: brownie de chocolate (70% de cacau) com caramelo de banana, gelado de caramelo e frutos secos, Manjar do Abade (doce conventual de amêndoa, ovos e açúcar), gelado de vinho tinto, frutos vermelhos e uma redução de vinho tinto e uma torta de laranja com poejo. Perante a qualidade da oferta, não há muito que se possa dizer. É afundar a colher e desfrutar, de forma sequencial ou mais aleatória – embora seja aconselhável misturar uma colherada de Manjar do Abade com o gelado de vinho tinto para equilibrar um pouco o sabor doce.
O menu de degustação tem o preço de 70 euros por pessoa, com harmonização de vinhos incluída, enquanto a degustação de sobremesas custa 15 euros.
Um regresso às… origens
A história do Origens remonta a 2016, quando Gonçalo e Eugénia Queiroz regressam a Portugal depois de uma temporada no Dubai, onde Gonçalo era o chef do único restaurante português do Médio Oriente, o Picante do Sheraton Four Points. Queriam voltar ao País para dar uma «melhor qualidade de vida» aos filhos, mas confessam que, na altura, a aventura de «abrir um restaurante era a opção C ou D.»
No entanto, dos convites que Gonçalo recebe, já de volta a Évora, nenhum lhe enche as medidas, porque chega à conclusão que não lhe permitiriam explorar a verdadeira cozinha tradicional alentejana. E decide então tirar da gaveta o projecto, que já vinha a cozinhar há algum tempo, para a abertura de um restaurante próprio. Encontram um espaço disponível no centro da cidade, onde antigamente existiu um dos melhores restaurantes eborenses – dizem os locais –, o Burro Velho. E foi assim que começou o Origens. «O nome tem a ver precisamente com o facto de termos regressado às nossas origens», conta o casal.
Mas se Gonçalo já estava mais do que habituado ao mundo da restauração, o background de Eugénia era completamente diferente, em Matemática Aplicada, sendo que as únicas experiências que tinha tido no sector foram part-times quando estava na faculdade e uma experiência como barmaid. «De vinhos não sabia quase nada, nem sabia abrir uma garrafa de vinho como deve ser», recorda. A ideia, ao início, era que Eugénia ficaria apenas a ajudar no restaurante durante os primeiros meses, até porque tinha tirado um curso de amamentação, no Dubai, e o seu objectivo era criar uma associação para ajudar mães e bebés em Portugal – o que ainda faz, em regime de voluntariado. Contudo, completou o Wine & Spirits Education (WSET) de nível 1 para aprofundar o conhecimento em vinhos e o gosto por esta área foi crescendo, até que se formou como escanção em Setúbal.
Ainda hoje, a dinâmica entre Gonçalo e Eugénia, que é como quem diz entre a gastronomia e os vinhos, é a chave do sucesso do Origens, uma vez que o processo de renovação da carta e de escolha dos pratos é sempre feito em co-criação entre os dois, e partilhado com toda a equipa, tendo sempre em atenção os ingredientes que melhor casam com os vinhos que disponibilizam. «Não adianta fazermos um prato cheio de umami, mas que depois é conjugado com um vinho e o cliente acha salgado. É preciso ter este cuidado», sublinham.
Num percurso coroado de sucesso até ao momento, recordam apenas como mais negativo o período da pandemia. Antes do primeiro confinamento, Gonçalo e Eugénia Queiroz preparavam-se para um segundo restaurante em Évora, com um conceito diferente do Origens. Este ficaria localizado num espaço de maiores dimensões, que permitira integrar ainda uma escola de cozinha, uma escola de vinhos e uma garrafeira. Estiveram muito perto, mas a pandemia trocou-lhes as voltas e o projecto nunca veria a luz do dia. «Íamos abrir um restaurante enorme, mas com a situação do confinamento tivemos de parar com as obras e cancelar grupos de 60, 70, 80 pessoas que já tinham feito reservas», lamentam.
Apesar de tudo, mantêm o sonho de abrir um segundo restaurante, estando neste momento à procura de um espaço no centro da cidade. Sendo que, na verdade, já têm vindo a expandir: no Origens, fazem workshops para pequenos grupos, mediante agendamento; e numa porta ao lado têm já um espaço que funciona como garrafeira, onde vendem todos os vinhos que têm na carta do restaurante.
Em jeito de conclusão, o que mudou nestes sete anos do Origens? «Mais respeito pela natureza, mais oferta de vinhos a copo, o menu de degustação – que não tínhamos –, a atenção ao detalhe. A carta temos vindo a tornar cada vez mais simples. Se antes tínhamos pratos com seis, sete elementos, agora procuramos mais comida de conforto, uma apresentação que respeita os produtos e ajuda os clientes a perceber o que estão a comer.»
Texto de Daniel Almeida