O vírus… O marketing e o medo
Por João Epifânio,
Chief Sales Officer B2C Altice
Em meados de Março, perante a abordagem anacrónica de combater o vírus como há 100 anos, fui à procura de o entender. Com alguma pesquisa, encontrei um documento da DGS de 2003, que faz a análise post-mortem da 1.ª vaga conhecida de um “novo” vírus da família dos coronavírus, denominado internacionalmente SARS-CoV. O documento descreve grande parte do que hoje sabemos sobre a Covid-19, ou seja, os comportamentos defensivos recomendados, como a quarentena ou o isolamento, mas também os sintomas, o elevado potencial de contágio “nasocomial”, o período de incubação entre dois a 10 dias e o facto de ser particularmente realçado em doentes idosos e/ou com doenças crónicas.
Ponto 1. O desconhecimento sobre os efeitos do vírus aparenta ser relativo, sabíamos os sintomas, as medidas defensivas e que não atinge de igual forma toda a população…
Philip Kotler e Gary Armstrong, no livro “Fundamentos do Marketing”, promovem o conceito de segmentação, que se baseia na ideia de que um produto comum em determinado contexto não consegue satisfazer necessidades e desejos de todos os “consumidores”, que são diversos na idade e género, dispersos em regiões, com hábitos diversos, gostos diferenciados e que variam em função das suas necessidades, desejos e preferências. Hoje é lugar-comum referir a “data” como base para o desenvolvimento do conhecimento, para que “data scientists” possam estabelecer relações e padrões e serem determinísticos nas conclusões a fim de auxiliar o processo de decisão e a melhor estratégia. No contexto que vivemos, equivaleria por exemplo a, com base nas bases de dados do SNS, e/ou bases de dados das seguradoras (salvaguardando as regras do RGPD), as autoridades de Saúde poderem, a priori, identificar as populações de risco, determinar a sua localização e permitir endereçar políticas de actuação segmentadas e adequadas ao seu grau de exposição e risco.
Ponto 2. Temos informação que potencia uma actuação mais adequada e segmentada, sabemos que o vírus não ataca toda a população de forma uniforme, pelo que o bom senso recomendaria enviar esforços para segmentar a actuação e procurar maximizar a eficácia das medidas. Apesar da informação disponível, a verdade é que grande parte dos media insiste em dar prioridade a informação parcial e descontextualizada, com foco no número de infectados, o que, per se, é uma informação pouco relevante quando não cruzada com segmentos etários. A verdade é que continuamos a assistir a conferências de imprensa diárias para anunciar os x óbitos Com Covid- 19 do dia anterior (os óbitos De Covid-19 não se encontram disponíveis), sem referir, contudo, que em Portugal existem em média cerca de 300 óbitos diários.
A análise de um grupo de investigadores da Faculdade de Medicina de Lisboa, publicada na revista “Journal of Clinical Medicine”, aponta a idade, seguido da existência de comorbilidades, como os dois factores mais discriminantes para as mortes com Covid-19. Neste tema é importante ter em conta que a esperança média de vida em Portugal é de 80,9 anos (dados Pordata), sendo que a idade média das pessoas que faleceram com Covid- 19 se situa acima dos 81 anos. Contextualizando os dados disponíveis, entre 16/03 (data do 1.º óbito com Covid-19) e 22/09 (data em que escrevo este texto), morreram 53 248! portugueses, dos quais 1920 com Covid-19, ou seja, 3,6% do total de óbitos a lamentar.
Acresce que, com base no primeiro inquérito serológico nacional, conduzido pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, o valor real de infectados no País é seis vezes superior ao conhecido, o que, a confirmar- se no novo estudo serológico agora em curso pelo IMM (Instituto de Medicina Molecular), reduziria a taxa de mortalidade do vírus a 0,462% ou, de outra maneira, a taxa de sobrevivência situar-se-ia nos 99,54%… De referir que, em Portugal, as doenças do aparelho respiratório são a 4.ª causa de morte.
Ponto 3. A informação parcial, descontextualizada, não colocada em perspectiva, alimenta o Medo, promove o suicídio económico, o desinvestimento, o desemprego e o empobrecimento generalizado. Em síntese, parece óbvio que aplicar políticas de “one size fits all” não se adequa ao contexto, ficando claro que a segmentação da actuação representa uma oportunidade para mitigar o efeito do vírus que as autoridades deveriam considerar. De igual forma, os media, perante o seu dever de informar, deveriam ser rigorosos, sem dramatismos. A carga dramática e a informação parcial toldam o discernimento e afastam o investimento, ironicamente afectando esses mesmos media. É fundamental um clima de confiança para que se retome a vida e o investimento. Parece que se procurarmos parar o Mundo para erradicar o vírus, as pessoas deixam de morrer… Só que todos sabemos que… para morrer, basta estar vivo…”
Artigo publicado na Revista Marketeer n.º 291 de Outubro de 2020