Será que a criança está a ouvir bem?

A Otite Média (OM) é uma das doenças mais prevalentes em idade pré-escolar e uma das principais causas de ida ao médico por todo o Mundo.

A Otite Média Aguda (OMA) e a Otite Média Serosa (OMS) (crónica) são as duas formas mais relevantes de OM, verificando-se um continuum entre estas duas entidades clínicas.

Se, por um lado, as OMA são de fácil identificação por parte dos pais, dadas as suas manifestações exuberantes, tais como a presença de febre e de dor intensa e de corrimento no ouvido, por outro lado, a OMS, também chamada de otite silenciosa, constitui um enorme desafio para a identificação precoce, não só para os pais, mas também para os educadores de infância e para os médicos de família. Com uma elevada prevalência, existindo estudos que apontam para o facto de cerca de 80% das crianças terem pelo menos um episódio de OMS até os 8 anos, esta condição é frequentemente acompanhada por perdas auditivas condutivas de grau leve a moderado, de carácter flutuante e sem sintomas agudos como febre e dor. A perda auditiva resultante da OMS pode comprometer o desenvolvimento da linguagem, especialmente em determinados períodos críticos do desenvolvimento infantil, fundamentais para uma aprendizagem plena. A perda auditiva, ainda que de grau leve a moderado (entre os 20 e os 40 decibéis), compromete as frequências da fala, originando um sinal auditivo incompleto ou inconsistente, que enfraquece as distinções fonéticas dos sons da fala, comprometendo, desta forma, os mecanismos de percepção e produção da fala.

A preocupação com as consequências das otites médias na infância – principalmente em relação à aquisição da linguagem – fez com que a miringotomia, com inserção de tubos de ventilação transtimpânicos (a chamada operação dos “tubinhos no ouvido”), seja o procedimento cirúrgico mais comum em crianças em idade pré-escolar em diversos países.

Posto isto e atendendo à dificuldade e à necessidade em fazer um diagnóstico precoce, a questão que se coloca é: como podemos identificar precocemente uma criança com OMS?

O primeiro aspecto que importa referir é o de que uma criança com OMS (sem outro tipo de patologias associadas) é igual às outras, tende a comportar-se da mesma forma que as outras crianças: curiosas, brincalhonas, inteligentes, activas e perspicazes. São, contudo, encaradas como crianças que estão frequentemente “no mundo da lua”, desatentas e com dificuldades de concentração. Ainda que sem consciência de que não ouve bem, a criança com OMS tende a recorrer a uma série de estratégias que lhe permitem conviver com a presença do défice auditivo da melhor forma, o que também é um factor que, muitas vezes, dificulta a identificação atempada.

Contudo, existem alguns comportamentos que podemos observar nestas crianças que nos devem alertar, tais como:

Em crianças com menos de 3 anos:

  • Não reagir a estímulos sonoros repentinos e fortes;
  • Não virar a cabeça em direcção ao estímulo sonoro;
  • Focar-se demasiado na face do interlocutor;
  • Falar mais baixo, com a mão na boca quando solicitado, ou extremamente alto em situações espontâneas;
  • Dificuldades expressivas – discurso pouco perceptível (para a idade);
  • Frequentemente com olheiras, boca entreaberta, respiração pela boca;
  • Ressonar e babar na almofada.

Para além destes comportamentos e em crianças a partir dos 3 anos, também é frequente encontrarmos os seguintes comportamentos:

  • Frequentemente dizer “hã?”, ou pedir para repetir;
  • Dificuldade em prestar atenção ao que o outro lhe diz (sobretudo se em grande grupo e sem contacto face a face);
  • Não conseguir cumprir as instruções dadas (ou consegue apenas parte delas);
  • Pedir com frequência para aumentar o volume do rádio ou da televisão;
  • Tendência para afastar-se das outras crianças;
  • Estar mais reactivo ou não cooperar com o grupo;
  • Dificuldades de manter a atenção focada (parecendo estar sempre no “mundo da lua”);
  • Ter dias que parece ouvir bem e outros que não (típico da perda flutuante associada à OMS).

A capacidade do cérebro em reestruturar os seus caminhos neuronais, em função das experiências, é uma capacidade notável e que permite um manancial de oportunidades que tem que ser considerado. Quanto mais precoce é o início da intervenção, maior é assim o potencial de desenvolvimento da criança. Deste modo, podemos estimular e potencializar as competências auditivas da criança com OMS através das seguintes actividades:

  • Chamar a atenção da criança antes de começar a falar com ela;
  • Posicionar-se a cerca de três palmos de uma criança antes de falar, tentando ficar parado de forma a diminuir as distracções;
  • Recorrer a suporte visual, como mover as mãos com gestos e/ou mostrar imagens, além de usar o discurso;
  • Falar claramente e repetir palavras importantes (mas sempre utilizando o tom habitual);
  • Certificar-se de que a criança compreendeu o que foi dito;
  • Fazer perguntas simples;
  • Dar tempo para que a criança possa responder;
  • Valorizar mais o conteúdo do que a forma do que a criança diz, demonstrando interesse pelos seus assuntos;
  • Privilegiar actividades de atenção selectiva e escuta activa;
  • Elogiar a iniciativa verbal da criança, mesmo que o seu discurso não seja claro;
  • Dizer os nomes das coisas que a criança está a ver;
  • Descrever as coisas que acontecem, podendo fazer expansão dos conceitos;
  • Criar espaços de diálogo entre as crianças;
  • Repetir as instruções dadas as vezes que forem necessárias;
  • Diminuir o ruído de fundo para evitar a competição sonora;
  • Desligar o rádio e a televisão desnecessários e em segundo plano;
  • Criar momentos de silêncio.

Para finalizar é importante realçar que a identificação precoce da OMS na criança depende de todos os que lidam diariamente com a criança, por isso é fundamental que todos estejam devidamente informados, para que sejam capazes de identificar sinais de alerta relevantes nestes quadros. Em caso de suspeita, devem consultar um otorrinolaringologista, que confirmará ou não a presença de otite. Na presença de suspeita de dificuldades de linguagem, devem consultar um terapeuta da fala, que fará o despiste de compromissos a este nível.

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