Qual a relevância das marcas de saúde?

RevistaCadernos
Daniel Almeida
03/06/2025
09:32
RevistaCadernosEdição Impressa
Daniel Almeida
03/06/2025
09:32
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Como em qualquer outro sector de actividade com bens e serviços transaccionáveis, o marketing é uma ferramenta fundamental para todos os players da área da Saúde. Nos dias que correm, com a concorrência crescente que se verifica na prestação de serviços de saúde, mas também nos laboratórios, farmacêuticas, farmácias e em todos os outros subsectores deste vasto ecossistema, a construção de marcas fortes torna-se um factor ainda mais preponderante e com influência directa naquilo que são as escolhas dos consumidores, vulgo pacientes.

Do lado dos prestadores de saúde privados, o que podemos observar é que todos os anos são investidos vários milhões de euros em promoção de marca. Se é verdade que os principais factores que levam os pacientes a escolher uma determinada marca hospitalar são, em primeiro lugar, o corpo clínico (os médicos) e, em segundo, a qualidade do serviço prestado, a reputação e percepção de marca não deixam de ser uma camada preponderante. «São as pessoas que fazem a diferença. As pessoas vão a uma determinada unidade porque foram bem atendidas, vão àquele médico porque tratou bem o seu pai ou a sua mãe», explanam os participantes no mais recente debate de Saúde promovido pela Marketeer. Não obstante, frisam, «a marca é fundamental. Esta percepção de qualidade e segurança tem uma forte ponderação na decisão do cliente e isso estará sempre inerentemente ligado ao seu grau de confiança».

Este trabalho de construção de marca depende, em grande medida, de uma aposta consistente e prolongada no tempo «até que as pessoas se revejam na qualidade percebida pelo serviço prestado. E essa penetração [da marca] é que traz os melhores profissionais a trabalhar com cada uma das empresas», o que, por sua vez, está «indiscutivelmente ligado à qualidade do serviço prestado».

Porém, ainda no que respeita ao sector da prestação de serviços, o que se nota é que «a marca nem sempre funciona na plenitude daquilo que queremos que funcione», salientam os profissionais do sector, justificando que, «em determinadas geografias, a marca é reconhecida, noutras nem tanto». Por outras palavras, uma marca hospitalar pode ter um reconhecimento e reputação muito fortes na Grande Lisboa ou no Grande Porto, mas não no Algarve, ou vice-versa. Isto tem sido mais evidente porque todos os prestadores de saúde privados estão a expandir e diversificar operações, mas o mais importante é manter o investimento e a coerência da marca, numa perspectiva de médio-longo prazo do negócio.

Também no sector das seguradoras, a marca é importante, até para atrair as camadas mais jovens, que – ao contrário do que se pode pensar – seguem as marcas com as quais se identificam. O que muda, em relação ao que acontecia há 20 anos, é que, «hoje, gerir uma marca é um processo muito diferente », no sentido em que há mais componentes que fazem parte do marketing – os tradicionais quatro P’s do marketing mix passaram a sete – e mais públicos (incluindo o interno) com quem comunicar. «Uma marca de saúde é algo muito próprio, não é só “carregar” na notoriedade. A localização, a legitimidade, fazem parte dos componentes que é preciso uma marca de saúde ter. Os próprios médicos também têm uma marca», sublinham os participantes.

No caso das empresas farmacêuticas, o foco de comunicação não está tanto na marca institucional ou na marca umbrella, mas nos produtos farmacêuticos, os medicamentos. «A marca é fundamental», repete-se à volta da mesa, lembrando os responsáveis dos mais diferentes subsectores que o investimento em marketing é importante para tornarem as suas marcas atractivas no mercado e «fugir à guerra dos preços», que se intensificou desde o aparecimento dos medicamentos genéricos. Hoje, as empresas farmacêuticas trabalham muito em parceria com as farmácias, em planos de formação que permitam a estes parceiros reconhecer valor acrescentado às suas marcas e não procurem seleccionar os produtos apenas em função das condições comerciais. «A preocupação é sempre acrescentar valor à marca, no sentido de proteger ao máximo o seu património e rentabilidade.»

Por seu lado, quando o assunto é marketing, as farmácias têm um activo muito importante que é a relação de confiança e proximidade que as pessoas têm com o farmacêutico. «A marca são as pessoas da farmácia. As pessoas continuam, de uma forma geral, a confiar muito na opinião do farmacêutico», mesmo tendo em conta a «panóplia de marcas» que estão nos lineares destes espaços.

Andreia Santos (Stada), Inês Pimenta de Castro (Multicare), João Estêvão (CUF), Maria do Carmo Silveira (Médis), Pedro Silva (ANF – Associação Nacional das Farmácias), Rui Rijo Ferreira (Jaba Recordati), Sílvia Moreira (AdvanceCare), Sónia Ratinho (EQA Medicina Integrativa) e Victor Almeida (Lusíadas Saúde) foram os responsáveis presentes no debate-almoço de Saúde, que decorreu no Hotel Vila Galé Ópera, em Lisboa.

Promover a saúde de proximidade

Com a crise instalada no Serviço Nacional de Saúde (SNS), um dos temas que têm sido trazidos regularmente à discussão nos debates do sector promovidos pela Marketeer é o da promoção da saúde de proximidade, criando novos canais de apoio à população e facilitando o acesso à saúde. E, nesse ponto, o início deste ano trouxe uma boa nova para o sector, com o Parlamento a aprovar a criação de um projecto-piloto para intervenção farmacêutica em situações clínicas ligeiras.

O projecto-piloto prevê a intervenção terapêutica por farmacêuticos em situações clínicas ligeiras e não urgentes, nas farmácias comunitárias, abrangendo, entre outros, testes rápidos para infecções respiratórias e triagem de infecções urinárias não complicadas, ou o encaminhamento, quando justificado, para os outros níveis de cuidados de saúde primários. O diploma visa retirar alguma da pressão que incide sobre o SNS e libertar os cuidados de saúde primários e urgências para outras situações mais emergentes, evitando milhares de consultas e idas às urgências para resolução de situações clínicas ligeiras.

Para os responsáveis do sector ouvidos pela Marketeer, esta é «uma excelente notícia deste primeiro trimestre» e que revela «uma intenção de se aproveitar cada vez mais a rede que está instalada nas farmácias», um pouco à imagem do que acontece no Reino Unido (com a implementação do projecto “Pharmacy First”) e noutros países europeus.

Porém, os participantes defendem que é possível ir ainda mais longe e aproveitar melhor a rede de proximidade das farmácias. O farmacêutico poderia inclusive alargar a sua intervenção, mediante protocolos previamente estabelecidos em colaboração com as ordens profissionais, na resolução na farmácia de situações como uma infecção aguda bacteriana da orofaringe, por exemplo, e após a realização de teste rápido. «O farmacêutico, tendo suporte no teste, daria a dispensa do antibiótico com comparticipação», sugerem os responsáveis. No limite, o médico poderia passar a prescrição à distância, evitando-se assim a deslocação dos pacientes aos cuidados primários. Noutras realidades, como no Reino Unido, a intervenção da farmácia, devidamente protocolada com o SNS, incluiu ainda a dispensa do antibiótico nos casos elegíveis para o efeito, evitando nova deslocação e consumo de recursos adicionais do SNS.

No entanto, o tema da prescrição será um dos mais sensíveis para a classe médica em Portugal e este poderá ser um entrave. «Apesar da potencial sensibilidade da classe médica, a proposta é que os protocolos sejam desenvolvidos sempre pelas ordens profissionais, salvaguardando a segurança e qualidade do serviço prestado, melhorando desta forma o sistema de saúde», apontam os responsáveis do sector. Através de um sistema integrado e mais colaborativo entre os diversos profissionais de saúde, podemos ter ganhos de eficiência e de resultados em saúde pública, defendem.

«Vivemos ainda numa sociedade muito marcada pelo corporativismo e isso continua a ser um obstáculo grande a todas estas definições. Isso verifica-se em todos os sectores, e no da Saúde em particular», acrescentam.

Apesar de tudo, têm sido dados, nos últimos anos, passos significativos para promover a saúde de proximidade, em particular através da rede de farmácias. Desde 2023 que os utentes com doenças crónicas, após avaliação médica, não precisam de renovar a receita no centro de saúde durante um ano, bastando dirigir-se directamente à farmácia comunitária para levantar a sua medicação. Mais recentemente, foi implementado o novo regime de dispensa de medicamentos hospitalares em proximidade, que já está implementado em 13 ULS (Unidades Locais de Saúde) do País, um número que se espera que seja alargado em breve. Além disso, as farmácias tiveram ainda um papel central nas últimas campanhas de vacinação, com balanço positivo.

Controlo da despesa pública

Outro dos temas que marcam a actualidade no sector é o acordo que foi assinado entre o Governo e a Apifarma – Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica que visa garantir um melhor controlo da despesa pública com fármacos, através da atribuição de um tecto de crescimento máximo de 7% na despesa. Para os responsáveis à volta da mesa, o acordo é «positivo» para a indústria farmacêutica, porque dá às companhias «a garantia e tranquilidade de que o Governo não vai alterar as regras durante o ano». Por outro lado, é expectável que o acordo não seja assinado por todas as companhias farmacêuticas, nomeadamente por parte de algumas que têm expectativas de crescimento acima dos tais 7%.

Este é um tema que impacta sobretudo a actividade das companhias farmacêuticas – no caso dos prestadores de saúde privados, por exemplo, a exposição ao SNS tem vindo a «reduzir gradualmente» – e que importa discutir mais do ponto de vista ideológico. «Se quisermos fazer bem, podemos fazer igualmente bem, com menos dinheiro investido. Nalgumas sinergias que o Estado poderia ter, sem dúvida que ganharíamos dinheiro e redução de despesa. O problema é que trabalhamos num saco que não tem fundo. E como não tem fundo, nunca enche. Devia haver um estudo profundamente bem feito para percebermos quais as áreas mais dispendiosas do dinheiro de todos nós», frisam os responsáveis inquiridos pela Marketeer. «Num país onde o out-of-pocket com a saúde ronda os 30%, [o acordo] só vai penalizar as famílias. A consequência é que o out-of-pocket vai aumentar.»

Na indústria farmacêutica, este é um tema que não é novidade. Também existem, por exemplo, tectos nas comparticipações de medicamentos inovadores, com base nas estimativas do Infarmed da quantidade de doentes que poderão beneficiar daquela terapêutica em específico. É estabelecido um limite do volume de vendas e, a partir desse limite, as farmacêuticas têm de reembolsar o valor que o Estado paga. Estes acordos são válidos para dois anos, ao fim dos quais são revistos. «O problema é que depois o Infarmed não se disponibiliza a rever esse tecto», lamentam.

Um Inverno atípico

Durante o pequeno-almoço debate, houve ainda tempo para um balanço do que foi o final do ano passado e o primeiro trimestre deste ano para o mercado da Saúde. Do lado das empresas farmacêuticas, o relato é de um período globalmente positivo, mas menos profícuo para as empresas de consumer healthcare, que têm o negócio mais ancorado em produtos de Inverno (como descongestionantes nasais ou produtos para a tosse), e que tiveram uma temporada mais fraca ao nível de vendas, em função do que eram as expectativas. E isso influenciou a performance, quer no último trimestre do ano passado, quer no primeiro deste ano.

Com efeito, a temporada de Inverno esteve abaixo do ano anterior nos meses mais fortes (Dezembro e Janeiro), do ponto de vista comercial, o que é difícil de explicar, porque os dados mostram que as infecções respiratórias estão a aumentar, mas «eventualmente há mais procura por outro tipo de soluções mais simples do que os antigripais, como o paracetamol ou o ibuprofeno», notam os responsáveis presentes no debate, ressalvando que o facto de se vender menos produtos de Inverno não significa que as pessoas estejam menos doentes.

Para os prestadores de saúde privados, o Inverno passado ficou marcado por oscilações entre períodos de quebras nas urgências e outros em que estes serviços estiveram «completamente entupidos, sobretudo quando se sentiu maior stress do lado do SNS». «É relativamente verdade que as urgências no privado nem sempre são verdadeiras urgências, mas cada vez mais temos verdadeiras urgências no privado – e que não estavam no privado», notam os responsáveis à volta da mesa, sublinhando que este é também o reflexo da evolução da capacidade instalada e da qualidade do serviço. «Os clientes reconhecem esse valor acrescentado e procuram-nos com cada vez mais confiança», salientam.

Já para as seguradoras, o ano «corre bem», em linha com anos anteriores. Neste segmento, a tendência parece estar na diversificação do negócio, com algumas seguradoras a entrarem em negócios não relacionados com… seguros. Falamos, por exemplo, do lançamento de aplicações móveis que pagam (literalmente) aos utilizadores por fazerem bem à sua saúde ou de carteiras virtuais com cashback num conjunto de parceiros, funcionando como uma poupança saúde. Regra geral, o que se verifica é uma aposta muito grande na prevenção. «Estamos a investir também na captação de clientes mais jovens, para equilibrar a balança da sustentabilidade, e sabemos que Portugal está na cauda dos países mais envelhecidos. Se vamos ter muitos idosos, logicamente com muitas doenças crónicas, se não apostarmos na prevenção para mudar hábitos de vida, isto deixa de ser sustentável para todos nós», frisam.

Também a medicina online tem sido uma aposta crescente, para incentivar que situações clínicas leves sejam tratadas remotamente e aliviar assim um pouco da pressão sobre o SNS. Hoje, há seguradoras a contabilizar centenas de consultas online por dia. «Os clientes valorizam, porque não têm custos, e para nós é uma forma de servir outros modelos de prevenção. Temos uma lista de serviços para reter clientes e ter este modelo de sustentabilidade a médio-longo prazo», concluem.


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