«Propósito é fazer o bem para os clientes e para o mundo em que eles vivem»

Ser orientado por um propósito tem vindo a tornar-se cada vez mais importante nas empresas, mas a pandemia ainda veio acelerar este processo. Esta é a convicção do especialista de branding e customer experience, Andy Milligan, que lembra que nos meses mais recentes fomos todos forçados a confrontar-nos com o quão as nossas vidas estão interconectadas.

Andy Milligan (co-fundador da The Caffeine Partnership, uma consultora especializada em crescimento de marcas e empresas, e sócio-gerente da Smith + Co, dedicada à experiência do cliente com escritórios em Londres e Lisboa) participou no Open Day da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa para falar do tema “The Purpose-led Customer Experience”. Nesse contexto falámos com o profissional que já trabalhou marcas como Nissan, WWF, Orange, McLaren, Barclays, Unilever, Thai Airways, IHG, FIFA, Sage e Paypal, entre outras.

Ser orientado por um propósito é mais vital agora do que antes da Covid-19?

Ser orientado por um propósito tem-se tornado cada vez mais importante, à medida que as atitudes das pessoas em relação às suas próprias responsabilidades e às das empresas para com a sociedade mudam. Isso foi maioritariamente impulsionado pela crescente consciência da ameaça que práticas insustentáveis ​​estavam a ter no meio-ambiente e por uma crescente consciência sobre justiça na sociedade.

A Covid-19 acelerou isso porque a) fomos forçados a confrontar-nos com o quão as nossas vidas estão interconectadas, b) fomos incentivados a agir com responsabilidade como cidadãos e a transformar radicalmente os nossos comportamentos diários para ajudar a salvar os outros e também a nós próprios e c) uma interrupção dramática nos nossos hábitos de consumo fez-nos questionar se o capitalismo estaria a encorajar comportamentos insustentáveis já que o seu foco principal no lucro ou no retorno para os accionistas é o principal indicador de sucesso. Agora exigimos que as empresas e suas marcas resolvam problemas tanto para nós como clientes como para a sociedade em que vivemos.

Para si, o que significa realmente uma empresa ser orientada por um propósito?

Significa, tão simplesmente, ter uma razão de existir como empresa que não tem a ver com lucro. O lucro é o resultado de um negócio bem gerido. Pode ser um objectivo, mas não é a principal razão pela qual as empresas criam o negócio. O propósito é fazer o bem para os seus clientes e, ao mesmo tempo, fazer o bem para o mundo em que eles vivem.

No entanto, é a empresa que define o que é bem, quem são os seus clientes e qual é o mundo em que eles vivem que pode afectar positivamente. Uso sempre o exemplo dos carros. Os carros ajudam os clientes a deslocar-se do ponto A ao ponto B. Podem também fazer os clientes sentir-se bem por serem bonitos e deixá-los alegres por conduzir. Mas os mesmos carros podem ajudar o mundo dos seus clientes reduzindo as emissões de CO2, melhorando a qualidade do ar e, dessa forma, literalmente salvar vidas que poderiam ter sido colocadas em risco pela poluição excessiva do ar.

Para o sucesso de uma empresa é necessário combinar propósitos de marca, comercial e social?

Sim. Não pode gerir com sucesso uma empresa se não tiver sucesso comercial. Nenhum cliente lhe vai agradecer por sair do mercado! As melhores empresas entendem que esses três propósitos estão numa espécie de tensão e todos precisam de ser tidos em conta, mas as melhores sabem que é o cliente que é mais importante. Porque há um facto imutável da vida nos negócios: se não tiver clientes, não tem negócios.

A história recente mostra que em momentos de crise o consumidor escolhe marcas fortes, que conhece, nas quais confia e das quais gosta. Acredita que isso acontecerá no pós-Covid-19?

Sim. Porque acontece sempre. Trabalho em negócios há 30 anos e passei por várias recessões, incluindo a crise de 2008. De todas as vezes, foram as marcas que tinham investido em qualidade e em relações com os seus clientes ao longo dos anos ou que estavam a oferecer algo que realmente aportava valor ou resolvia um problema aos seus clientes que, não apenas sobreviveram, mas prosperavam durante e depois da crise. Quando as pessoas têm menos dinheiro, gastam-no em coisas que conhecem e essa confiança traz-lhes satisfação pessoal.

Acredita que os negócios pós-Covid-19 voltarão ao normal ou que nada voltará a ser o mesmo?

As coisas não serão as mesmas novamente. Mas, na verdade, as coisas estão a mudar há algum tempo e a Covid-19 acelerou essas mudanças. Por exemplo, trabalhar a partir de casa. Foi necessária a Covid-19 para persuadir muitos líderes empresariais e muitos colaboradores de que não só é possível trabalhar a partir de casa, mas também que pode ser mais produtivo e lucrativo. Mas aquilo que espero que mude mais do que tudo é que nos tornemos mais gentis como pessoas uns com os outros, mais compreensivos e conscientes das nossas acções e responsabilidades para connosco, com as nossas famílias, a sociedade e o mundo em que vivemos. E, assim, conduzirmos uma economia responsável, sustentável, justa e ética.

É semelhante construir uma experiência com significado para os funcionários e para os clientes?

Existe uma semelhança óbvia entre clientes e funcionários. Tão óbvia que muitas vezes é esquecida. São pessoas. Na verdade, às vezes são as mesmas pessoas. Se trabalhar para a P&G, provavelmente também comprará produtos da P&G. O mesmo para carros, bancos, telecomunicações, etc. A chave para desbloquear uma experiência significativa para ambos é a inteligência emocional. A capacidade, como funcionário, de pensar como se fosse o cliente (o que, como digo, costuma ser!). Também existem semelhanças na jornada de um cliente e de um funcionário. Ambos são atraídos para uma empresa pela reputação da marca ou pela publicidade, ambos ‘compram’ uma empresa, ambos decidem permanecer nessa empresa por muitos anos e podem ambos ser defensores dessa empresa. Na verdade, os funcionários são os defensores ou influenciadores mais poderosos de uma empresa. Se deixar os seus funcionários felizes, convencendo-os de que tem um propósito que é ajudar os clientes e os capacitar para cumprir esse propósito, deixará também os clientes felizes. O lendário CEO e posterior presidente da Southwest Airlines fez um grande discurso uma vez, que se chamava “O negócio dos negócios são as pessoas”. Ele estava certo.

Texto de Maria João Lima

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