Precisamos dos mercados de luxo?

Por João Santos
Director-geral do Grupo Tempus

Apesar de trabalhar em produtos de luxo há 15 anos, parece-me muitas vezes que o meu interlocutor está a ouvir um palavrão quando digo o que faço… O luxo, para muitas pessoas, é dispensável e ridículo. Mas será assim em termos económicos? Será que precisamos destes mercados, ou podemos optar por erradicar? Participei recentemente num painel na Conferência Luxury Talks, para tentar responder à questão: como podemos tornar Portugal um destino para marcas (e turismo) de luxo.

A questão central não era tanto como atrair mais mas, sobretudo, como atrair os melhores. E perante esta pergunta os membros do painel foram unânimes: precisamos de surpreender os nossos visitantes com produtos de elevada qualidade fabricados em Portugal. A razão principal é simples, quando viajamos queremos ter contacto com algo que seja único, e que se traduza numa experiência surpreendente intrínseca ao local.

Mas será que Portugal tem capacidade para isso? A resposta é sim e não. Tem capacidade, porque já os produz, e em sectores tão distintos como a joalharia, a confecção, o calçado ou os acessórios. Mas não temos nenhuma marca de luxo com massa crítica suficiente para ter uma projecção internacional notória. Mais, somos o único País da Europa Ocidental sem nenhuma marca de luxo no ranking sectorial.

Tradicionalmente os sectores portugueses escolhem modelos de desenvolvimento de negócio assentes em estratégias de curto ou de muito curto prazo. A presença nos mercados internacionais assenta em negócios B2B. A primeira grande consequência de assentar em estratégias baseadas em baixos custos e respectivos tempos de produção curtos é a de que o modelo económico necessita de escala de uma forma crescente. Mas a realidade portuguesa teimosamente aponta sempre para o lado oposto, pois o tamanho do nosso mercado interno não ajuda. Ora, se o modelo que utilizamos choca com a nossa dimensão económica, geográfica e populacional, será este o melhor modelo a seguir?

Os mercados de alto valor acrescentado – gosto mais desta expressão do que dizer Luxo – valem hoje mais de 217 mil milhões de dólares, segundo o último relatório da Deloitte. Os seus segmentos mais relevantes vão desde a hotelaria aos objectos pessoais, passando pelos vinhos e pela alimentação, ou o mobiliário. Tudo sectores onde o nosso país tem experiência e conhecimento.

Para além disso, estes mercados são conhecidos por serem virtuosos, uma vez que a questão preço não é a variável prioritária. Não será este ponto suficiente para pensarmos num modelo diferente para, por exemplo, a agro-indústria portuguesa?

O modelo competitivo terá necessariamente de ser alterado e melhor ajustado à nossa escala e à nossa dimensão. Não podemos concorrer com países que são quatro, cinco ou 10 vezes maiores que nós em superfície e população, utilizando os mesmos critérios. O nosso critério tem de ser o da qualidade, do único, do autêntico e do surpreendente.

Os nossos empresários necessitam de pensar em horizontes mais longos e sobretudo em modelos de comercialização que assentem não em lógicas de intermediários, mas directamente ao consumidor. Para isso precisamos de marcas, com todo o trabalho que elas trazem e todas as exigências inerentes à sua construção. O luxo valoriza o artesanal e não promove a sua deslocalização. Num mundo cada vez mais global e onde tudo se deslocaliza, não será inteligente valorizarmos aquilo que tão bem sabemos fazer?

Mas o luxo dá trabalho e é aqui que a mudança tem de ser feita. Não chega comentarmos que temos o melhor vinho ou um dos melhores queijos. Temos de facto de o ter. Os mercados de alto valor acrescentado exigem tempo para a sua construção e para a sua afirmação. Pois o tempo é sempre a variável a considerar na construção de uma marca de consumo. Temos hoje no nosso país muitos dos ingredientes que são necessários a essa mudança. Fica-nos a faltar a capacidade empreendedora e a visão para o fazer acontecer. Ainda não é tarde para mudarmos.

Artigo publicado na Revista Marketeer n.º 274 de Maio de 2019

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