O valor da cultura

O Hotel Dom Pedro Palace, em Lisboa, recebeu mais um pequeno-almoço debate dedicado ao sector do turismo, desta feita com enfoque na cultura.

Texto de Sandra M. Pinto

Fotos de Pedro Simões

O turismo, hoje, é um dos principais sectores de alavancagem aos bons resultados da economia nacional. No ano passado Portugal foi eleito “Melhor Destino do Mundo” nos World Travel Awards, sendo que Lisboa foi considerada como o “Melhor Destino para City Break” e a Madeira “Melhor Destino Insular”. De facto, e analisando 2017, no total Portugal alcançou seis prémios de enorme prestígio internacional no sector do turismo. Mas serão os prémios suficientes para continuar a gerar interesse por parte dos turistas? Não nos parece e aos intervenientes neste debate também não. Gastronomia, eventos, desporto ou religião são alavancas essenciais que é preciso fortalecer para que os números continuem a ser positivos e sempre num crescendo. Sabendo que Portugal foi e é, à partida, um destino sol e praia, até que ponto é importante alargar o foco de interesse de quem nos visita? Dono de uma história riquíssima, não será altura de perceber a real importância da cultura no incremento de um turismo sustentável em Portugal? Será o caminho a criação de um Ministério do Turismo e da Cultura, como se ouviu defender no decurso do debate? E qual é o papel reservado aos privados no que diz respeito ao desenvolvimento desta aliança cultura/turismo?

Este e outros temas serviram de base ao pequeno-almoço que teve lugar no Hotel Dom Pedro Palace, em Lisboa, e onde estiveram presentes: Álvaro Covões (director da Everything is New), Andrea Granja (public relations & corporate communications manager da Minor Hotels), Diamantino Pereira (director-geral de Operações para Portugal da Barceló Viajes), Paulo Monge (director-geral de Vendas da Sana Hotels) e Pedro Costa Ferreira (presidente da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo). Com a finalidade de se alcançar um debate mais aprofundado por parte de todos, foi decidido que nenhuma das intervenções seria atribuída directamente no texto.

Cultura e turismo, qual o caminho?

O desafio chegou em forma de pergunta: de que forma se pode utilizar melhor a cultura em prol do turismo? Há por parte da cultura um potencial para desenvolver programas turísticos gerando um maior factor de atracção relativamente a Portugal, mas estará esse potencial a ser bem aproveitado, ou quem sabe desenvolvido? Dos exemplos que nos chegam fora de portas, quais podemos replicar por cá fazendo com que esta aliança cresça e ganhe importância? Ou será que a cultura não conta assim tanto enquanto factor de atracção do nosso País?

«Conta muito e devia contar ainda mais», foi a resposta generalizada de todos os participantes na mesa-redonda. «Veja-se o exemplo da Eurovisão, onde bem analisada a questão não é tão importante quantos nos vêm visitar por causa dela, mas sim quantos nos vão ver pela televisão, e esses são, de facto, muitos, pois cerca de 200 milhões de televisões em todo o mundo vão estar ligadas durante o festival e vão ver imagens lindas e atractivas de Lisboa.»

Outro exemplo, os concertos, onde uma parte substancial dos bilhetes de muitos dos espectáculos agendados são vendidos no estrangeiro, e aqui não falamos apenas nos festivais, que têm vindo a chamar a atenção de muitos estrangeiros, mas de concertos em sala fechada e em nome próprio de grandes referências internacionais, «mais uma vez a cultura a fazer “mexer” o turismo».

Regressa à mesa um dos temas mais focados e debatidos neste fórum, a importância dos conteúdos. «A cultura é de facto um conteúdo relevante para valorizar o destino, veja-se novamente o exemplo da música e a sua relevância, quando percebemos que Lisboa e Porto fazem parte de um grupo exclusivo de meia dúzia de cidades na Europa que estão em todas as tours e isto valoriza-as de forma inestimável, enquanto destinos cultural e turisticamente relevantes». As grandes capitais europeias sempre foram capitais culturais, basta olhar para Londres, Madrid ou Paris, e Lisboa devia ambicionar a fazer parte deste núcleo, «e aqui falamos de museus, feiras de arte ou espectáculos, como teatro, musicais ou concertos».

Não nos podemos focar só na cultura falada em português, pois surge sempre a questão da língua e do seu alcance, mas podemos falar de cultura como uma umbrella que acolhe as mais variadas formas de intervenção artística e aqui, efectivamente, Portugal já tem cartas para dar.

Uma das opiniões ouvidas dava conta de um facto importante e relevante para a discussão e que assenta na realidade de os portugueses sentirem vergonha, «tal como dizia o professor José Hermano Saraiva, nós subestimamos o nosso valor e outros não são suficientemente generosos para o reconhecer. Se será um problema de vergonha ou timidez relativamente àquilo que temos, ou que conseguimos, não sabemos mas, de facto, é assim que acontece». Polémica? Pois que seja, uma vez que em resposta ouviu-se a opinião de que tudo isto é político, «veja-se a nossa relação com o Estado Novo, sendo que a forma de lidarmos com esta realidade foi a de abandonarmos a nossa herança, ou uma parte importante dela. De facto, temos dificuldade em falar dos nossos feitos e complexos em falar de uma parte da nossa história, como é o caso das ex-colónias».

Olhando para a nossa sociedade percebemos que, ao contrário das gerações anteriores, a geração actual não questiona, «por isso é que a cultura não interessa, porque esta geração não se interessa nem quer saber destes temas, destas questões».

Reportando um pouco a um tema premente da actualidade nacional, alguém refere a razão para a existência dos subsídios. «Como a sociedade falhou na criação de públicos e de hábitos culturais, as companhias, ou algumas delas, não conseguem ter público porque as pessoas não estão habituadas a ir». Depois temos o outro lado, ao observarmos os museus a crescer em número de visitantes, «não nacionais», alguém completa, «esse número tem vindo a crescer devido aos turistas que nos visitam e que procuram conhecer melhor a nossa cultura».

Cultura é fundamental

Para o turismo, a cultura é fundamental e conta imenso para a obtenção de bons resultados, afirmação que obteve a concordância unânime da mesa, levando inclusive à defesa de que a cultura é a nossa salvação, sendo, claramente, um dos nossos conteúdos principais.

Para quem comercializa viagens a cultura conta e muito, mais do ponto de vista do incoming do que do outgoing, é certo, mas é efectivamente um factor importante. «Enquanto no outgoing a cultura revela a sua faceta, sobretudo quando se fala de “short breaks”, onde há lazer mas também muita cultura, ou dos sempre tão apetecidos circuitos europeus, tão carregados e conotados com a cultura, do lado do incoming a cultura é ainda mais importante, porque é uma parte crucial ao nível da comercialização, mas sobretudo porque ajuda a diversificar e a enriquecer o projecto e o negócio».

Tudo o que é venda de cultura em Portugal permite, por um lado, tornear um pouco a questão da sazonalidade, porque a cultura não precisa de bom tempo, e, por outro, diversificar o território, ou seja, a cultura não está confinada a uma região geográfica, pois «encontramos bons exemplos disso de sul a norte do país, como as Aldeias de Xisto ou os testemunhos patrimoniais da herança judaica na região centro». Havendo concordância em que é preciso fomentar a cultura em regiões como o Algarve, «é impossível continuar a cimentar a região apenas em factores como o sol e praia, este é um grande desafio para o Algarve, pois sem eles a sazonalidade é difícil de quebrar». Não quer isto dizer que devamos deixar de parte o sol e praia, pois estes vão continuar a ser factores importantes na vinda de turistas, sobretudo, europeus, «mas significa que é fulcral oferecer mais qualquer coisa, pois o hábito de ficar na praia o dia todo hoje já não acontece como, por exemplo, acontecia nas décadas de 70 ou 80».

Cada vez mais a diversificação da experiência é importante e aqui a cultura tem um papel a desempenhar, como no caso de Lisboa, «com os circuitos de street art cada vez mais procurados por quem nos visita e que dão à capital um posicionamento mais moderno e cosmopolita». As pessoas não são indiferentes à cultura e muitas vezes viajam quase propositadamente para a descobrir.

Relembre-se, por exemplo, o caso da janela de Verona, onde nunca estiveram nem Romeu nem Julieta, ao contrário da lenda, onde assenta o motivo pela qual tantos milhares de pessoas a procuram conhecer, «aqui percebe-se bem o poder da cultura, pois uma janela, que à partida não tem grande interesse, gera uma fervorosa procura por causa de uma famosíssima peça de teatro». Ou falemos dos festivais de música de Verão da mesma cidade de Verona, que movimentam anualmente milhares de pessoas oriundas um pouco de todo o mundo e que estão esgotados com muitos meses de antecedência.

Um caminho a percorrer

«Ainda temos muito para fazer em prol do turismo, daí a necessidade da existência de um Ministério da Cultura e do Turismo, duas áreas que andam sempre de mãos dadas com, obviamente, secretarias de Estado distintas», opinião partilhada, com a qual não houve discordância, mas «o que acontece hoje é que o Ministério da Cultura acaba por subsidiar em alguma medida o turismo, como acontece no caso do CCB, ou na Casa da Música». Tudo isto revela falta de estratégia e traz a lume um ponto cada vez mais importante das agendas, que é a necessidade de storytelling.

«A história da janela do Romeu e da Julieta ou de Baker Street e do Sherlock Holmes é puro storytelling, e o que acontece em Portugal é que ainda não fomos capazes de criar um conjunto de storytelling que seja relevante. Aqui as opções são variadas, como, por exemplo, o caso dos Templários, que em 2018 celebram 900 anos, dos nossos grandes navegadores, que foram bem mais importantes do que, por exemplo, Cristóvão Colombo, sobre quem existe um storytelling fortíssimo, ou o facto de Lisboa ser a única capital cujo ex-líbris é um castelo mouro.»

Apurem-se responsabilidades

No seguimento da discussão urge perguntar o que é que se pode fazer para colmatar estas falhas e para criar estes desejados pontos de interesse? Será que teremos de avançar de forma organizada, entre as confederações ou associações, ou não, e o caminho deverá ser seguido por cada um de forma individual?

«Importa esclarecer que o papel das associações não é de comercialização, mas sim de criação de ambientes. Posto isto, e apesar das falhas, Portugal está no bom caminho, tem sido feita muita coisa, o País evoluiu muito nos últimos anos, Lisboa e Porto são muito mais cosmopolitas do que eram há 15 anos, e aqui foram sobretudo os privados que muito fizeram para que isso acontecesse.»

Todos concordam que são os privados os grandes mentores da dinamização do turismo, mas, «desse ponto de vista, o papel da confederação podia ser o de harmonizar todas as exigências e necessidades em diálogo com o Estado». Este diálogo pode ser gerador de alguns problemas, uma vez que este é um diálogo de «cabeça baixa, de mão estendida e inquinado à partida, ao contrário daquilo que efectivamente devia ser, ou seja, um diálogo de cabeça erguida onde o Estado devia ouvir para depois levar por diante um melhor trabalho».

Todos sabem que o turismo pode e, em certas situações, é gerador de alguns conflitos com os moradores e trabalhadores da cidade, mas isso não significa que resolver esses conflitos seja parar com o turismo. «Se tivermos pouco cuidado a gerir o turismo na cidade de Lisboa, voltamos, em 10 anos, à situação que tínhamos há 20 anos, o que não é, de modo nenhum, algo que devamos ver como positivo, ou sequer concebível de acontecer».

Artigo publicado na edição n.º 262 de Maio de 2018.

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