No Drogaria, os sabores continuam viciantes

Desde que abriu portas, em 2019, o Drogaria tem feito do receituário português ponto de honra na carta, embora dando-lhe um twist contemporâneo. Por cá, já tínhamos visitado (e aprovado) uma vez. Mas quando nos disseram que não só havia novidades na carta deste restaurante lisboeta, como também mudanças na direcção gastronómica, agora a cargo do chef consultor João Hipólito, e na cozinha, com o chef João Caio a assumir a liderança, não podíamos recusar o convite para voltar.

E em boa hora aceitámos. Até porque assim pudemos comprovar que, no Drogaria, não só a cozinha se mantém, na sua essência, bem portuguesa (com certeza), como os dois chefs, oriundos da Beira Baixa, respeitaram a filosofia de pegar nalguns clássicos da gastronomia nacional e dar-lhes uma roupagem mais moderna, surpreendendo ao nível da apresentação, da textura e dos sabores.

E disso tivemos a certeza logo desde a entrada: Gyozas de Cozido à Portuguesa (12 euros). Sim, leu bem. Para os mais puristas pode parecer quase blasfémia, manipular dessa forma um dos ex-libris do receituário nacional. Mas garantimos que vale a pena. O recheio sabe (mesmo) ao tradicional cozido, sendo possível distinguir os sabores que nos são tão familiares, da carne aos enchidos, como o chouriço ou a morcela. Quanto à gyoza, que é cozida em vez de frita, mostra-se um bom veículo para este prato, onde nem falta o tradicional caldo! Em suma, um bom exemplo de que não há mal nenhum em mexer nos clássicos, quando a ideia é bem executada.

Por esta altura – e antes de passarmos aos vinhos, um branco e um tinto, ambos da Adega 23, da região da Beira Interior – íamos acompanhando os primeiros pratos com um Hibisco Sour, um cocktail de assinatura que combina o sabor do hibisco no formato sour clássico com alguns elementos mais contrastantes, como o agave, para equilibrar a acidez. Uma bebida preparada por Ludgero Veiga, gerente do espaço, a quem tiramos o chapéu, porque se revelou o tónico perfeito para o resto da experiência.

Ainda ao nível das entradas, seguimos para o Fricassé de Cogumelos (15 euros), com presunto Pata Negra alentejano, queijo e um ovo feito a baixa temperatura que ligou na perfeição todos os elementos no prato (porque quando um ovo nos é assim apresentado, difícil é resistir a misturar tudo).

Seguimos para os pratos principais com duas novidades na carta de Outono do Drogaria. Primeiro, o Arroz de Polvo com Vinho Tinto, lula de anzol grelhada e manteiga de salsa (25 euros). Depois, como prato de carne, Bochecha de Novilho glaceada com marmelo, raiz de aipo e Vinho do Porto (25 euros). Dois pratos que recomendamos sem hesitar, como um aconchego ideal para estes dias mais frios, mas, se tivéssemos de escolher apenas um, teríamos em boa consciência que optar pela Bochecha de Novilho, ou não fosse a carne incrivelmente tenra – mesmo depois de já nos terem explicado, à mesa, que esteve a cozinhar um mínimo de 12 horas antes de chegar ao prato. Naquele que foi, para nós, o grande destaque da noite, sublinhamos ainda a presença do marmelo, uma adição interessante ao prato e que não nos deixou, em momento algum, a salivar por um acompanhamento mais substancial, como a batata.

Para terminar em beleza, chega-nos à mesa a grande novidade da carta ao nível das sobremesas: Bolacha Maria (7,50 euros). Não, não é uma bolacha overpriced, mas uma reinvenção de um verdadeiro clássico indispensável nos lares de muitos portugueses, agora apresentado numa taça que é uma autêntica bomba de sabor. À bolacha (feita in-house), junta-se o merenge, o creme de gema e uma gelatina de café para equilibrar um pouco os níveis de açúcar. Aprovamos, mas deixamos o aviso: se não é o mais dado aos doces ou se já chega à sobremesa de barriga cheia, talvez seja melhor optar por outras soluções na carta ou partilhar com alguém, até porque a dose é bem generosa.

A par da comida, o Drogaria, que fica localizado entre a Lapa e a Pampulha (Rua Joaquim Casimiro, nº8), surpreende ainda pela elegância do espaço. Outrora uma drogaria (daí o nome), o restaurante preserva alguns detalhes originais desses tempos idos, incluíndo mobiliário antigo, combinando-os com uma decoração clássica, mas ao mesmo tempo moderna, saltando logo à vista o chão de quadrados pretos e brancos. Um desejo expresso do proprietário, Paulo Aguiar, que cresceu naquele bairro e fez questão de manter alguma da identidade da loja onde em criança fazia recados. O design de interiores ficou a cargo de Rui Ehrhardt Soares.

Apesar de não ser muito espaçoso, o restaurante conta com amplos espelhos, estrategicamente posicionados para dar uma sensação de profundidade. No total, o Drogaria tem 32 lugares disponíveis, incluíndo 16 lugares mais reservados, numa sala à parte, que proporciona uma experiência mais intimista e pode acolher também eventos. Se quiser fazer reserva, tenha em atenção que o restaurante apenas serve jantares, entre terça-feira e sábado.

Texto de Daniel Almeida

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