Marketing em tempo de recessão: Sir Martin Sorrell veio a Lisboa deixar pistas aos marketeers

Não há como escapar: a maioria das previsões financeiras (incluindo do FMI – Fundo Monetário Internacional) aponta para o risco de recessão em 2023. Da pandemia de Covid-19 à guerra na Ucrânia, passando pela escalada de inflação, várias são as razões que conduzem a este cenário. Mas como devem as marcas actuar para sobreviverem num contexto de instabilidade e incerteza?

O tema esteve em destaque na edição deste ano do Web Summit, em Lisboa. Numa conversa subordinada ao tema “Marketing in a recession”, Sir Martin Sorrell (S4 Capital) subiu ao palco Pandaconf para dar alguns insights aos marketeers que tiveram a oportunidade de assistir.

Numa conversa conduzida por Nora Ali (apresentadora do podcast “Business Casual”), o fundador e chairman da S4 Capital – e que há mais de 30 anos fundou um dos maiores grupos de publicidade e relações públicas do mundo, o WPP Group – abordou algumas das tendências macro-económicas que deverão impactar o Marketing e a Publicidade, já a partir do próximo ano.

O início da “desglobalização”

Quando Sir Martin Sorrell fundou a WPP, em 1985, a palavra “globalização” já estava no léxico da maioria das grandes empresas. Por isso, desde a sua génese que a companhia britânica procurou «plantar a sua bandeira» noutras geografias, da América à Ásia, passando pela Europa. 37 anos volvidos, está presente em nada menos do que 110 países.

Contudo, hoje, o contexto é completamente diferente para as empresas: com a economia a crescer lentamente e a inflação a escalar mais do que o esperado, é expectável que comecem a priorizar as suas operações locais. «O pêndulo mudou da globalização para o regionalismo. O mercado vai estar mais fragmentado, porque as empresas vão estar mais focadas na sua actividade local. É um mundo incrivelmente complexo», sublinhou Sir Martin Sorrell.

De acordo com o fundador e chairman da S4 Capital, esta recessão que se aproxima é também diferente das crises financeiras anteriores, como a crise do petróleo nos anos 70, a bolha da Internet na viragem do milénio ou a crise do subprime em 2008. Porquê? Porque não tem uma única razão circunscrita a um sector ou área de actividade. «As maiores dificuldades neste momento são a falta de relações entre os EUA e China – e a culpa é dividida entre os dois – e isso não vai mudar num futuro próximo, nem mesmo depois das eleições nos EUA em 2024. A segunda é o conflito na Ucrânia: quando acabar, qual vai ser a situação da Europa? E o terceiro é a situação política no Irão. Não quero ser muito sombrio, mas são três problemas de difícil resolução…», alertou.

Menos marca, mais performance

Para os marketeers, este contexto financeiro representa «um desafio muito grande». Haverá, com certeza, empresas que vão continuar a investir amplamente em Marketing e Publicidade, porque sabem que depois vão sair mais fortes da crise, mas esta não será a norma. Em 2023 (e 2024), a maioria vai investir menos em branding e marca institucional e mais em activações e acções de marketing de performance, onde os resultados são mais imediatos e mensuráveis. Será muito difícil para um CMO ter o orçamento que deseja para trabalhar.

Onde deverão então as marcas colocar o seu dinheiro? Apesar do contexto desfavorável, o digital deverá continuar a crescer nos próximos anos. Hoje, em média, 60 a 65% do investimento publicitário está nas plataformas digitais, onde se destacam gigantes como o Facebook, Google, Amazon, Microsoft ou Apple, mas também o TikTok, a rede social em maior ritmo de crescimento e que já absorve cerca de 20 mil milhões de dólares (20,32 mil milhões de euros) em receitas publicitárias (excluindo a China).

Segundo Sir Martin Sorrell, é expectável que o digital atinja 75% do investimento global em publicidade em 2025, enquanto «os meios lineares e analógicos deverão manter-se iguais ou baixar receitas».

O futuro do Twitter (e do Facebook)

Apesar de a publicidade digital continuar a crescer, há algumas dúvidas que se colocam sobre o futuro de duas das maiores plataformas globais: o Facebook e o Twitter. De acordo com Sir Martin Sorrell, estas redes sociais, em particular, têm que resolver os seus problemas relacionados sobretudo com a privacidade e a moderação.

No terceiro trimestre do ano, as receitas da Meta (a dona do Facebook) caíram cerca de 4% year-on-year, com a empresa a atribuir esta quebra em grande parte ao fim das third party cookies. Contudo, Sir Martin Sorrell encontra ainda outra explicação: «Se há algum problema ou se as pessoas estão chateadas com algo que acontece na Internet, por norma culpam sempre a Meta e o Facebook. E acho isso injusto. Não quer dizer que sejam perfeitos, mas talvez os seus produtos tenham perdido o “brilho de novo” que o TikTok tem, por exemplo.» Por outras palavras, tudo irá depender da capacidade do Facebook em continuar a apresentar novidades aos anunciantes e a robustecer a sua política de privacidade.

Já o Twitter enfrenta um período de mudança, desde a aquisição por parte de Elon Musk. O dono da Tesla fez notar (e de que maneira) a sua entrada no capital da rede social e já anunciou um conjunto de alterações, com destaque para uma vaga de despedimentos. Para o fundador da S4 Capital, é preciso deixar passar mais tempo para percebermos o que vai acontecer com o Twitter e como os anunciantes vão reagir a estas novidades.

O factor mais determinante, frisou, será a forma como o Twitter vai passar a gerir a moderação dos conteúdos na sua plataforma. «A política de moderação tem de ser muito mais criteriosa. Este é o principal problema. Se o Elon Musk conseguir criar um controlo apertado em termos de moderação, os anunciantes vão estar mais disponíveis a investir.» E deixou uma dúvida no ar: «O Trump vai continuar de fora [do Twitter]? Quando foi expulso, a base de utilizadores [nos EUA] cresceu 20%…»

Privacidade em segundo plano

A guerra na Ucrânia veio mostrar a utilidade que a tecnologia tem para a segurança nacional, quer em termos defensivos, quer ofensivos. Para Sir Martin Sorrell, «nesta era da “desglobalização”, a segurança nacional é mais importante do que questões como a privacidade ou brand safety». E isso provavelmente vai reflectir-se em termos da regulamentação que vai ser posta em prática daqui para a frente.

Texto de Daniel Almeida

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