João Carvalho Oliveira (ACNE): «A criatividade apenas pára no medo»

Foi com um apelo à coragem das marcas e dos directores de Marketing deste País que João Carvalho Oliveira, director criativo executivo da ACNE, a Deloitte business, abriu a 21.ª Conferência Marketeer. De acordo com o keynote speaker, «a criatividade não é um risco», mas antes deve ser encarada como um driver do sucesso, mesmo em alturas de contracção económica, como aquela em que vivemos.

E se é inegável que o momento não é o mais positivo, com vários economistas a avisarem, há largos meses, para os riscos de recessão iminente, não é menos verdade «que os orçamentos de Marketing e Media são os primeiros a levar o corte». Contudo, e por mais paradoxal que possa parecer, está comprovado que «as marcas que anunciam durante tempos de crise expandem quota de mercado e mantêm margem de solidez e confiança», lembrou João Carvalho Oliveira.

Numa intervenção dedicada ao tema “When the world zigs, zag”, o director criativo executivo da ACNE deixou aos presentes na conferência, que decorreu esta manhã no Centro de Congressos do Estoril, um conjunto de «factos para explicar às administrações das empresas que a criatividade é importante para incrementar valor ao negócio». Citando Peter Field, especialista em eficácia publicitária, lembrou que as marcas que mantiveram o budget de Marketing durante a crise do subprime iniciada em 2008 e a pandemia de Covid-19 cresceram cinco vezes mais do que os concorrentes. Ao passo que as que cortaram investimento podem esperar um longo período de cinco anos de recuperação. «Perde-se rentabilidade no momento [de crise], mas ganha-se depois.»

«O conselho é evidente: não entrar em pânico nem em cortes diabólicos nos orçamentos. Focar em campanhas de marca em vez de produto e apostar em inovação. Onde pára a criatividade? A criatividade pára no medo. Apenas no medo. No nosso (criativos) e no vosso (clientes e anunciantes)», sublinhou o keynote speaker.

Nesse sentido, João Carvalho Oliveira defendeu que as marcas devem arriscar, sobretudo em alturas de crise, porque o risco é um factor de sucesso a prazo. Mas, como ninguém gosta da palavra “risco”, propõe que troquemos este termo por “entusiamo”. Até porque a criatividade não é proporcional ao dinheiro despendido e o que não falta são exemplos de campanhas e acções altamente eficazes que não precisaram de muitos recursos para serem bem-sucedidas.

O responsável, que antes de integrar a ACNE esteve cerca de 20 anos na Wunderman Thompson Portugal, deixou até um exemplo de um trabalho em que esteve envolvido, uma campanha criada para a Sumol nos anos 2010 que consistia num manifesto sobre a originalidade (“Mantém-te original”). Esta campanha, que só foi possível com uma grande dose de ousadia por parte da agência e do cliente (ou não fosse o copy excessivamente longo para os cânones tradicionais), acabou por gerar um engagement sem precedentes para a marca – ao ponto de alguns consumidores terem tatuado frases da campanha no seu corpo. «No mês do lançamento da campanha, a Sumol foi o 70.º anunciante a nível nacional. Mas conseguiu ser a quarta marca mais eficaz», recorda. «A força da criatividade, o seu impacto nas nossas vidas, não é de menosprezar», reiterou.

Outro exemplo de uma campanha que se revelou eficaz sem ter precisado de muitos recursos foi a desenvolvida pela ACNE em 2018 para o IKEA, que explicava as diferenças entre o saco da retalhista sueca e os sacos da Ballenciaga. Foi o «momento alto» na vida da agência criativa, também ela de origem sueca, e «valeu um saco cheio de prémios.»

Mas, se o dinheiro não se traduz automaticamente em criatividade e eficácia, o que funciona e não funciona na criatividade? Um paper da Harvard Business School (“Creativity in advertising: when it works and when it doesn’t”) aponta factores como a originalidade, inovação, capacidade de síntese, flexibilidade e valor artístico como os mais decisivos na criatividade. Uma conclusão que resultou da análise a 450 campanhas para perceber quais as mais eficazes, sendo que apenas 10 foram consideradas muito eficazes e outras 10 pouco eficazes. «430 campanhas ficaram no centro, no aborrecimento, na coisa cinzenta. Há realmente muito dinheiro aqui desperdiçado. Um euro investido numa campanha não criativa dobra o seu valor», frisou João Carvalho Oliveira.

Em jeito de conclusão, o director criativo executivo da ACNE, a Deloitte business, reiterou a ideia de que a criatividade é fundamental, apesar dos cortes de budget que se adivinham. E deixou os últimos apelos à audiência: «Resistam à tentação do preço e do curto-prazismo. A narrativa de marca é o mais importante que têm. E, sobretudo, troquem a palavra “risco” por “entusiamo”.»

Texto de Daniel Almeida

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