Estão a ouvir?
Por Inês Veloso, Directora de Marketing e Comunicação da Randstad
Odeio a minha empresa! Dizia quando chegava a casa. Os motivos eram todos ou quase nenhum, com argumentos válidos e inválidos, num discurso emocional. Eram as pessoas, a cultura, um mal-estar que se entranhava na forma como todos os dias comunicava com todos à sua volta. Sabia que devia sair, mas a vontade não era satisfeita pelo mercado, “estes processos não são automáticos” dizia e por isso aguentava, partilhando o revirar de olhos sempre fora de portas. E cada vez que alguém lhe perguntava qualquer coisa, mesmo que só tivesse a ver com uma promoção de um artigo ou produto específico da sua empresa, não resistia em fazer esse mesmo revirar de olhos, sem se assumir como um detractor, mas sempre levantando o véu daquela que era a sua visão.
Não percebo porque não me disseram mais nada…
Com os olhos brilhantes e um esforço para que nem uma lágrima escorresse pela cara, enfrentava a ternura do colo da mãe, sentindo-se a pior do mundo, uma derrotada. Um processo longo de mais que não teve um fim cor-de-rosa, que terminou num silêncio. A mãe, já com anos de experiência, ia além dos afectos, com palavras de incentivo, procurando dar as forças necessárias para que se reerguesse. Ao mesmo tempo, na sua cabeça não conseguia deixar de pensar na injustiça, de sentir o amargo de boca e de acreditar que não é assim que se tratam as pessoas, muito menos a sua filha.
Conseguem ouvir?
Estão mesmo a ouvir?
Não, porque afinal estes não são clientes. Entram pela porta do lado que diz “staff”, como se essa porta existisse e fizesse uma clara separação na marca. Uma separação que leva ao estrabismo organizacional, mantendo discursos de interno e de externo como se fossem fronteiras claras e intransponíveis, como se os colaboradores, os candidatos e os clientes fossem várias pessoas e não apenas uma.
Num mundo em que os “4Ps” são cada vez mais insuficientes, o marketing reinventa-se e tem de levar a sério o seu papel. Tem de reconhecer os 4 Es, uma teia complexa que exige personalização mas também uma visão mais global, transversal e integrada, com mais equipas de projecto e menos departamentos. Uma estratégia em que o Produto ou o serviço é substituído pela Experiência, em que o Placement é universalizado Everywhere, o Preço passa a um Exchange de valor e do “freemium” transformando a Promoção em Evangelização, um passo que reconhece a importância dos conteúdos e da (micro) influência. Esta mudança não pode ser só de letras, tem de ser uma metamorfose que leve o marketing para novos territórios, lado a lado com as operações, os comerciais, a liderança, mas também a gestão de pessoas, não ignorando a importância do trabalho e o quanto emocional tem a sua experiência, que cria promotores e detractores não apenas para o employer brand, mas para a marca como um todo. Por isso, volto a perguntar, estão mesmo a ouvir?
Artigo publicado na revista Marketeer n.º 302 de Setembro de 2021