Da inteligência artificial

Por Tiago Viegas, Partner da The Hotel

Lembro-me como se fosse ontem. Ou mais concretamente anteontem, se quiserem ser preciosistas. Adiante. Lá fora, o sol espreitava com demasiada vontade por entre nuvens carregadas, oscilando entre um calor fora de época e uma chuva tropical fora de paralelo, enquanto charters de turistas instagramáveis caíam que nem tordos ao volante de pequenas trotinetes à passagem de very typical tuk-tuks que, circulando a uma velocidade média de 3 km por hora, criavam filas intermináveis de condutores desesperados que os seguiam, quais ratos de Hamelin (mas estes, contrariados) pelas ruas do Chiado, fazendo ecoar pela cidade um coro de buzinas em trítono perfeito tocado a partir de um Si bemol.

Enfim, o normal para uma terça-feira de manhã, portanto.

Eu tinha acabado de chegar à agência quando, para variar, decidi que o trabalho podia esperar mais cinco minutos. “Mais do que tempo suficiente para experimentar, de uma vez por todas, essa coisa da geração de imagens através da Inteligência Artificial”, pensei. E foi então que escrevi, pela primeira vez, as palavras que, estou em crer, vão mudar o mundo (ou, vá, este mundo do marketing e das ideias, pelo menos): /imagine.

Ao que parece, só voltei ao trabalho propriamente dito dois dias (e algumas subscrições do midjourney) depois. Talvez três, na verdade. Mas divago.

Que é como quem diz, hoje queria falar-vos da criação de conteúdos com recurso à Inteligência Artificial, da minha excitação (ou inconsciência, o que vai dar ao mesmo) pueril com a dita e, já que aqui estamos, do fim do mundo. Como o conhecemos, pelo menos.

Bem sei, bem sei: não se fala noutra coisa. E entre especialistas, filósofos com queda para os recursos humanos, arautos da desgraça corporativa, tiktokers proto-esclarecidos e demais adoradores de John Connor, tudo o que este mundo (e esta revista) precisava(m) era de mais um artista a falar de uma coisa da qual pouco ou nada sabe – e à qual, estou em crer, menos ainda tem a acrescentar.

E, no entanto, aqui estou eu.

É que, não me levem a mal, mas a Inteligência Artificial é incrível.

“Vamos ficar todos sem emprego daqui a uns meses!”

Mas a Inteligência Artificial é incrível.

“Ninguém nos garante que aquelas pessoas não são tiradas da internet!”

Mas a Inteligência Artificial é incrível.

“Vê-se logo que é IA!”

Mas a Inteligência Artificial é incrível.

“Um dia destes os clientes não precisam de agências!”

Mas a Inteligência Artificial é incrível.

“Os bancos de imagem vão acabar!”

Mas a Inteligência Artificial é incrível.

Enfim, podia estar o resto do dia (ou da página, vá) a listar críticas e preocupações válidas de todos os quadrantes deste milieu criativo – preocupações que, de resto, se estendem mais ou menos à sociedade em geral, com as devidas adaptações – e, ainda assim, a Inteligência Artificial continuaria a ser incrível.

Passando por cima das preocupações de Musk e sus muchachos – e assumindo que, mais dia, menos dia, sairá uma versão revista das leis de Asimov adaptada à IA –, a verdade é que, para alguém que, como nós, ganha a vida a ter ideias e a contar histórias, ter a capacidade de criar suportes visuais, sonoros et al para tudo isso a partir de meia dúzia de palavras e em meia dúzia de minutos é absolutamente extraordinário. Revolucionário, mesmo. Até porque, quero acreditar, isto será tanto o fim deste mundo como o início de um outro, ainda mais excitante e extraordinário, onde não há limites de orçamento, nem de tempo, e onde a única limitação será a nossa (falta de) imaginação e, portanto, capacidade para interagir com as (novas) ferramentas.

O que, sendo honestos – e pondo de parte as preocupações –, é incrível.

E, parece-me, nunca mais vai deixar de o ser.

Artigo publicado na edição n.º 323 de Junho de 2023

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