Back to the future IV
Viajar no tempo afinal é possível. Quando viajo para São Paulo logo após uma Comissão Executiva em Lisboa é como se estivesse a viajar no tempo, de volta aos anos 90 em Portugal, quando tínhamos crescimento da economia, quando era necessário investir na capacidade de produção e de venda. Se Steven Spielberg precisasse de inspiração para a versão 4 deste famoso filme adaptado para o mundo da gestão, certamente analisar as diferenças entre Portugal e Brasil ajudaria e muito.
Desde Março que tenho trabalhado entre São Paulo e Lisboa e, enquanto em Portugal a preocupação está ligada ao decréscimo dos mercados, ao excesso de capacidade instalada, à exportação como única forma de crescer, no Brasil o problema é a escassez de produção e não ter capacidade de reagir a 10%/20% de vendas acima do planeado, porque os fornecedores não conseguem entregar matéria-prima e mesmo que o fizessem, muito provavelmente não haveria capacidade logística para entregar. É voltar a sentir na prática que crescer não é só o que interessa, mas sim crescer mais que o mercado. O exemplo típico usado nas universidades para explicar a importância da quota de mercado é o facto da empresa X estar muito contente porque crescia 10%, mas afinal era uma má performance porque o mercado crescia 20% e assim a empresa X perdia participação de mercado. Eu senti isso logo que cheguei ao Brasil, afinal crescer 14% não era suficiente porque o mercado crescia 15%, acho que todos concordam que este é um óptimo problema comparado com os que temos na Europa onde não ha crescimento.
O Brasil é o 5.º maior país do mundo em população mas apenas o 10.º em termos de PIB, o que nos dá uma indicação do potencial crescimento futuro. Mas já é o 3.º maior país em termos de publicidade, só com os EUA e Japão à frente. A locomotiva do consumo já está em plena velocidade. A telenovela das 20h é vista todos os dias por 70/80 milhões de pessoas ávidas de consumo.
A classe C tem hoje mais 20 milhões de pessoas versus há 4 anos e quem ficou na classe D ficou com 214% mais salário, as pessoas hoje têm acesso ao consumo, algo que nunca pensaram ter até há bem pouco tempo. Hoje uma família da classe C ou D pode ter acesso a um frigorífico, uma televisão, um carro ou mesmo à sua casa, algo a que seus pais nunca tiveram acesso. Estas pessoas querem marcas, são exigentes, sabem a diferença entre marcas verdadeiras, com relevância e diferenciação e marcas vulgares. As marcas próprias ainda não têm expressão porque primeiro estes novos consumidores querem as marcas que sempre viram à venda mas nunca compraram.
É um país de 200 milhões de pessoas, num espaço físico de um continente. Por isso, segmentação, quer em termos de consumidores, quer em termos de regiões, é uma necessidade absoluta. Um estado no Brasil é facilmente igual à dimensão de Portugal. É absolutamente necessário saber quais são os 6 W de um mercado, quem consome (Who), o que consome (What), onde consome (Where), porque consome (Why), quando consome (When) e porque não consome (Why not).
É, de facto, muito desafiante tentar desbravar um país assim, tentar retirar todo o valor possível para as nossas marcas e empresas.
Utilizando uma analogia, é sempre bom velejar com vento a favor, mas também devemos pensar o que podemos aprender para quando temos vento contra.
Esta viagem no tempo faz pensar o que se pode aprender com países emergentes para aplicar em países maduros.
Nós somos os responsáveis por fazer essa mudança. Os gestores e administradores das empresas têm um papel fundamental na mudança.
A Heineken Brasil está a patrocinar um grande evento musical em São Paulo, o SWU, Starts With You. Um conceito muito poderoso porque tudo começa com a nossa atitude. A proposta deste grande evento de sustentabilidade é sensibilizar a sociedade para a necessidade de salvar o mundo, mas não pedindo que nós agora pudéssemos salvar todas as focas, ou mesmo a Amazónia, mas sim começar com pequenas acções diárias que, em conjunto com toda a sociedade, terão o impacto de salvar o mundo. Eu posso fazer a barba sem água a correr todas as manhãs ou apagar a luz quando saio de uma sala e fica vazia. São pequenas coisas que eu posso fazer e que têm um impacto enorme no mundo.
Sim, o Brasil é o país do momento. Sim, várias comitivas de portugueses se aventuram no Brasil à procura do Santo Graal. Sim, existem grandes oportunidades com a classe C a crescer exponencialmente e à procura do consumo de tudo o que possamos imaginar. Sim, temos a classe A e a A gargalhada, a AAAAAAAA que se desloca no seu helicóptero e para quem o luxo não tem preço, shoppings com LV, Gucci, Tiffanny, e todas as marcas de luxo que se possa imaginar, mas isso será velejar com o vento a favor. O interessante é pensar o que podemos aprender para aplicar em países maduros, como podemos transformar esses países?
O que mais se deseja quando se viaja no tempo? Poder alterar o rumo natural da História e sermos suficientemente audazes para pensar que podemos mudar o mundo à nossa volta.
Artigo publicado na edição Outubro 2010 da Revista Marketeer