As marcas precisam de super-heróis. Tal como nós

Por Ricardo Mena, professor no IPAM

Os conturbados momentos que vivemos desafiam-nos, todos os dias, a aprender, a reflectir sobre nós e tudo o que até agora sabíamos.

Hoje, mais do que nunca, somos receptores de uma quantidade imensa de informação. A informação chega-nos de todos os lados, quer a partir da televisão, do telemóvel, do e-mail. Torna-se, por isso, essencial que as marcas (pessoas, instituições e empresas) se posicionem e assumam o seu propósito. É necessário comunicar bem, nesta fase, em que todos os planos estão a ser revistos.

Estamos perante um contexto nunca antes experienciado que obriga à exposição permanente, à iniciativa e ao risco. As comunidades de seguidores das marcas assim o exigem. O conceito que há muito defendo tornou-se evidente: as verdadeiras marcas não são perfeitas. São humanas, como qualquer um de nós.

É nestes momentos críticos que reparamos, com particular interesse e até com orgulho, que as marcas têm rosto. O rosto daqueles que, independentemente de concordarmos ou não, estão no terreno. O rosto dos que sentem como ninguém os problemas.

Falo dos médicos, dos enfermeiros e de todas as funções que estão na liderança desta situação. São estas as pessoas que têm a maior legitimidade perante as audiências.

Muitos deles são técnicos e sem preparação mediática, mas são pessoas e marcas que têm aquilo que é mais importante na ligação com outras pessoas: credibilidade e confiança. Tudo o resto é secundário.

Quero crer que, nos momentos críticos, as pessoas exigem ainda mais transparência e esta tem o seu expoente máximo naqueles que estão envolvidos directamente na solução, que estão na frente e colocam a sua saúde à frente da dos outros.

A Covid-19 elevou o impacto social de todos os negócios e pôs em destaque a natureza das nossas empresas e o carácter da(s) nossa(s) marca(s).

Ao longo da próxima década, será muito comum questões que evidenciam resiliência humana e empresarial e a intersecção com o propósito da empresa. Por que razão a empresa existe? Como é que a empresa contribui para o progresso social, económico e ambiental? A cadeia de fornecedores é segura e ética? Como é que este novo normal está a mudar a relação entre a empresa e a sociedade e onde é que o Covid-19 está a acelerar essa mudança?

As marcas sempre procuraram ser relevantes para os clientes. No futuro muito próximo, este paradigma terá de ser revertido. Agora a questão é outra. Como as marcas podem fazer as pessoas sentirem-se relevantes numa década de “novo normal”? Marcas de relevo têm raízes no propósito humano. O que é necessário é uma verdadeira mudança de perspectiva. O propósito de uma marca só será relevante se estiver de acordo com o propósito das pessoas, e não ao contrário. Se quem lidera a marca não tiver certeza da direcção a seguir, serão os clientes e os funcionários a mostrar o caminho.

Recentemente, a Accenture, propunha novas regras para a gestão de marca que ordenei pela minha ordem de relevância:

Ame os seus funcionários

A maneira como trata os seus funcionários é altamente visível e agora todos estão ainda mais atentos. Essa é a preocupação número um. Está a influenciar a sua marca mais do que imagina.

Ponha o seu propósito na rua e em benefício das suas pessoas

Retire os valores da sua organização da parede e use-os como orientação, todos os dias. A mudança para o virtual foi acelerada e o novo foco será dirigido por um propósito.

Ouça, observe

Ouça com atenção e concentre-se nas percepções humanas. Torne-se um especialista na detecção de sinais humanos, o que eles significam para a sua organização e como pode responder com rapidez. Isso conduzirá a uma era feroz de inovação.

Defina poucas métricas, mas muito relevantes

Identifique as métricas de propósito que importam. Saiba o que precisa de fazer e descubra como medir. Uma visão corporativa que não pode ser medida não pode ser alcançada.

A forma como iremos responder é essencial numa fase sensível onde o curto prazo não se pode sobrepor ao longo prazo (ler Simon Sinek – O Jogo Infinito) e onde a honestidade é o valor mais alto de uma relação. Nunca deixe ninguém sem uma resposta e assuma a sua responsabilidade.

Quem são então estes super-heróis? Existem vários, e muitos deles despercebidos, mas centremo-nos na área da saúde. A adaptação, espírito de comunidade, coragem e resiliência fizeram com que muitos de nós passássemos a admirar e a respeitar profundamente estas pessoas. São elas que, para muitos de nós, são super-heróis e, por isso, um factor de credibilidade e confiança incomparável.

As marcas devem assim centrar-se na relação e não na transacção, como aliás, sempre foi a sua essência. Permitam-me destacar o Sr. Rui Nabeiro, o fundador da Delta Cafés, que fez 90 anos recentemente e que personifica na plenitude, a verdade como essência de uma marca.

Hoje, mais do que nunca (e ainda bem), voltamos ao básico: as pessoas e as marcas só são perfeitas na sua imperfeição, mas lutam todos os dias para construir um percurso na forma como um dia querem ser recordadas.

E a comunidade não se esquecerá disso no pós-pandemia.

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