A ousadia do sushi vegetariano

É em Algés, tem assinatura do chef Paulo Morais, é único no País e não nos faz ter saudades de japonês com peixe.

Texto de M.ª João Vieira Pinto

Paulo Morais é grande senhor do peixe. Trata-o por tu e trabalha-o como poucos, desde há anos. À frente do Kanazawa, em Algés, tem elevado a gastronomia japonesa a patamar superior, com o à-vontade e saber-fazer que lhe é comum. Só que Paulo Morais tem duas paixões em nome de ingrediente, o peixe e o wasabi. Da planta wasabia a legumes e vegetais com sabor português foi só um passo. Que não é assim tão grande e que haveria de se materializar em jeito de menu vegetariano! Claro que se se estranha a proposta de um menu sem peixe num templo japonês, como o é o Kanazawa. Mas arriscámos. E a verdade é que saímos com a certeza de que voltaríamos uma e outra vez.

Sou amante de peixe, sim, mas não senti a falta! Porque o rigor que tem na escolha de ingredientes para o menu tradicional aplica-se na nova proposta. Sem sair beliscado em momento algum, até porque foi buscar os melhores parceiros e produtores, que lhe “enchem a despensa” e garantem apenas e só o que a Natureza dá, naquela semana, naquele mês. Por isso, a carta nada tem de fixo, antes mudando todos os meses. Invariavelmente. E por isso, também, até lhe posso descrever alguns pratos, mas por certo que o que lá vai encontrar, agora, será diferente.

Atrás do pequeno balcão – onde se sentam apenas oito e onde nos sentimos convidados de luxo -, o chef começa por abrir a sua caixa de Pandora. Traduzido por caixa onde constam os legumes, frutos e vegetais do dia (tem caixa igual para o peixe). É dela que irá sair o jantar que se segue, numa combinação de sabores que – não sabíamos ainda – será memorável.

Para abrir, Paulo Morais serve-nos a tradicional sopa fria de tomate, com gelatina feita com couve, cenoura, abóbora e nabo. Leve e com sabor a wasabi q.b., que validamos sem hesitar. Depois, chega ao prato um tártaro com maçã verde, couve pat-choi, cogumelos, algas e beringela com esferificação de yuzu e kisami wasabi, temperado com molho teriyaki.

Aqui, aplaudimos e aplaudimos e só não pedimos para repetir por pura vergonha. Seguir-se-ia um takiawase de cogumelos plerotis cozinhados ao vapor, abóbora, mini-milho e pimentos e um hassun, uma espécie de sushi feito de diferentes sugestões: beringela assada e braseada com molho de miso, tubos de melão prensados e com raspa também de miso, tomate cereja acabados de apanhar no dia, arroz de sushi, quiabo, cogumelos grelhados com molho feito à base de gema de ovo e flor cozida ao vapor…

Pois, neste menu não há atum, salmão ou peixe branco. Mas os sentidos, que já estavam alerta, são completamente despertados. Haveria, ainda, de se seguir uma profusão de niguiris. Confesso que por algumas vezes hesitei antes de provar e desconfiei mesmo se faria sentido o contraste de sabores. Mas garanto-lhe que não só faz, como nos apetece continuar a descobrir, mais e mais. Até porque uma das vantagens deste menu é que acaba por ser mais leve que o de peixe.

Pede tempo, sim, mas acredite que vai ter para dar e nem vai notar. A proposta é diferenciadora e única em Portugal! Paulo foi buscar a ideia ao próprio menu kaiseki, que tem parte desenvolvida em templos budistas, onde não se come carne nem peixe. E ainda bem que foi. Haja ousadias com esta!!

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