A encruzilhada entre os Direitos de Autor e a Fotografia

Por Diogo Antunes, coordenador jurídico e agente oficial de Propriedade Industrial na Inventa

Com certeza que a expressão “Uma imagem vale mais que mil palavras” não nos é de todo desconhecida. A imagem, seguida da pintura, trouxe-nos novas possibilidades de representação visual. A facilidade de acesso a câmaras, incrustadas em todos os smartphones, e a chegada de tecnologias simplistas e acessíveis de edição de imagem, catapultaram as criações humanas através da fotografia (e não só) para uma importante área de atuação da cultura global.

No entanto, apesar da sua importância, o enquadramento legal não tem tido tanto desenvolvimento como outras áreas autorais, no que à parte legal diz respeito. Em simultâneo, a banalização de imagens em redes sociais trouxeram novamente para a discussão temas controversos no seio dos direitos de autor.

Quem detém o direito sobre essas imagens e como é que o direito de propriedade intelectual funciona no campo da fotografia? Em Portugal e na Europa, o autor da fotografia detém os direitos autorais no momento em que a fotografia é tirada. Estes direitos duram durante a vida do autor e mais 70 anos após a sua morte.

No âmbito laboral, as obras pertencem ao autor salvo convenção em contrário. No entanto, o nosso código estipula, de forma especial, que no caso das fotografias efectuadas em execução de um contrato de trabalho ou por encomenda, presume-se que os direitos patrimoniais pertencem à entidade patronal ou à pessoa que fez a encomenda.

Um processo judicial interessante que ocorreu há relativamente pouco tempo contrapunha o Exército português e os herdeiros de um fotógrafo. O fotógrafo entregou diversas fotografias entre os anos de 1916 e 1920, tendo integrado o Exército na categoria de Alferes. O Tribunal entendeu que a situação configurava uma verdadeira prestação de serviços, tendo este sido pago pelas fotografias, e havendo uma transferência de “propriedade e dos direitos de autor referentes à utilização económica dessa obra”. No entanto, foi considerado que haveria violação dos direitos morais do autor, uma vez que o nome do fotógrafo não foi indicado na obra publicada pelo Exército, tendo a sua fotografia sido alvo de cortes e de coloração, violando assim a genuinidade e integralidade da obra em questão.

Já no que concerne às fotografias de rua, outro tema também bastante actual, a lei não é tão assertiva como seria desejado. Muitas das vezes, as fotografias que captamos com as nossas câmaras fotográficas poderão conter imagens de pessoas que não deram o seu consentimento para constarem na fotografia. Existe um conflito entre a liberdade e criação artística e os direitos de imagem e da reserva da vida privada.

Os fotógrafos são encorajados a obter o consentimento antes de publicar fotografias que contenham pessoas. No entanto, ao fotografarmos o Mosteiros dos Jerónimos, a título de exemplo, poderá ser difícil obter uma fotografia sem que haja uma pessoa desconhecida no plano. Devemos ter presente que nestes casos o consentimento não é necessário. Quando é que o consentimento para publicação deve ser necessário? Quando a fotografia tenha o intuito de retratar uma pessoa ou um conjunto de pessoas, independente de ter sido fotografado num espaço público ou cultural, com ou sem fins comerciais directos ou indirectos.

A propriedade intelectual na fotografia é, assim, um campo dinâmico em que as potenciais violações podem ser difíceis de aferir no momento da sua criação. O advento das novas tecnologias e plataformas de partilha de conteúdo online continua a desafiar as noções tradicionais destes direitos. Portanto, é essencial que os fotógrafos estejam conscientes dos seus direitos e obrigações neste ambiente em constante mudança.

Assim, enquanto continuamos a valorizar a beleza e a narrativa capturadas em cada fotografia, devemos também atentar ao quadro legal que protege estas criações e que contrapõem com outras necessidades e direitos das pessoas retratadas cujo consentimento não foi dado.

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