Sabe a diferença entre cerveja artesanal, pseudo-artesanal ou industrial?

Antes da pandemia, Portugal encontrava-se no pico da produção e do consumo de cerveja artesanal. Porém, tal como aconteceu com outros sectores, a COVID-19 travou a evolução e ameaça agora a continuidade de alguns produtores.

«Há uma diversidade enorme de marcas de cerveja artesanal, inúmeros bares com óptimas ofertas, de qualidade assinalável, pelo que esta é a altura certa para passarmos todos da teoria à prática e apadrinhar as micro e pequenas empresas, a produção local e artesanal de cerveja», afirma Bruno Aquino, autor do livro “Uma Viagem pelo Mundo da Cerveja Artesanal Portuguesa” e responsável pela organização do VIII Concurso Nacional de Cervejas Caseiras e Artesanais que arranca já no próximo domingo, dia 8, na HopSin (Colares).

Em entrevista à Marketeer, o especialista sublinha que ainda há, mesmo num cenário de incerteza, espaço para novas marcas nascerem e para as cervejeiras continuarem a apostar no desenvolvimento deste mercado. A competição que organiza é exemplo disso mesmo, já que as receitas vencedoras ganharão vida pelas mãos de produtores já experientes e que não temem arriscar.

Bruno Aquino explica ainda quais as características necessárias para que uma cerveja seja apelidada de artesanal e deixa alguns conselhos a quem se quer aventurar neste mundo.

«Quem começa a beber cervejas diferentes rapidamente compreende a diferença entre uma verdadeira cerveja artesanal, uma cerveja pseudo-artesanal ou uma cerveja industrial. Há espaço para todas, mercado para todas, mas são produtos com conceitos-base diferentes», sublinha.

Que retrato faz do mercado da cerveja artesanal em Portugal neste momento?

Desde o início da década de 10 que o crescimento do mercado da cerveja artesanal tem sido contínuo, com um aumento constante no número de marcas, bares, festivais, consumidores e, muito importante, qualidade das próprias cervejas.

Infelizmente, a situação pandémica veio colocar um travão, que se espera ser provisório, nesse desenvolvimento. O que se deseja, quando todo este caos passar, é que a maioria dos projectos tenha sobrevivido e que a economia propicie o aparecimento de novos empreendimentos e iniciativas nesta área.

Estamos actualmente no pico da produção e consumo de cerveja artesanal em Portugal?

Estávamos, sim, antes do início da pandemia. Acredito que todas as marcas esperavam, este Verão, ter batido uma vez mais o recorde no número de litros de cerveja vendidos. Isso reflectia-se no investimento constante em novas instalações, aquisição de novos equipamentos, no crescimento da capacidade de produção ou no surgimento de novos bares, brewpubs ou tap-rooms. Mas, como acho que acontece com todos, a pandemia pôs este mercado em suspenso. Esperemos que a retoma se faça rapidamente.

De que forma está a pandemia a afectar o sector?

A falta de turismo, os receios económicos, o confinamento, as restrições de horários de bares e restaurantes, tudo isso teve um reflexo significativo no mercado das cervejas artesanais. Infelizmente, já se assistiu ao desaparecimento de alguns projectos nesta área e, até regressarmos a um dito normal, temo que possam ainda fechar mais alguns.

O objectivo de toda a comunidade é ser resiliente e incentivar o consumidor nacional a apoiar, através do consumo de marcas portuguesas, a sobrevivência e mesmo o desenvolvimento deste sector. Há uma diversidade enorme de marcas de cerveja artesanal, inúmeros bares com óptimas ofertas, de qualidade assinalável, pelo que esta é a altura certa para passarmos todos da teoria à prática e apadrinhar as micro e pequenas empresas, a produção local e artesanal de cerveja.

Que características são necessárias para uma marca se apresentar como artesanal?

Apesar de, em termos legais, existir uma carta de artesão e o conceito de unidade produtiva artesanal, ser-se verdadeiramente artesanal é muito mais do que uma questão legal. É uma forma de estar, de pensar o produto, o modo como é elaborado e vendido. É uma questão que, mesmo internacionalmente, suscita inúmeras discussões.

Há muitos conglomerados industriais que se apropriaram da expressão “craft beer” ou cerveja artesanal, pelo que muitas pessoas preferem utilizar outras designações, como cerveja independente ou cerveja diferenciada, por oposição ao que é entendido como cerveja massificada ou feita por grandes grupos económicos.

Quem começa a beber cervejas diferentes rapidamente compreende a diferença entre uma verdadeira cerveja artesanal, uma cerveja pseudo-artesanal ou uma cerveja industrial. Há espaço para todas, mercado para todas, mas são produtos com conceitos-base diferentes.

Que conselhos dá a pessoas interessadas em dar os primeiros passos nesta área?

Não ter medo de experimentar. Sair da zona de conforto e provar marcas diferentes, estilos menos habituais, visitar bares, brewpubs, tap-rooms, pedir conselhos a quem aí trabalha e ir, assim, formatando o seu próprio gosto.

Já para quem quer começar a produzir cerveja, a sugestão é verificar que lojas nacionais existem que vendam produtos dedicados ao cervejeiro caseiro e, também aí, solicitar sugestões para quem se está a iniciar nesse hobby.

Em ambos os casos, para além da questão prática, para evoluir há que ler, muito. Sejam livros, revistas, textos escritos em blogs ou fóruns, o progresso de um homebrewer ou de alguém que apenas quer perceber um pouco mais de cerveja passa, identicamente, pelo conhecimento e pelo estudo.

Este mês, há uma nova edição do Concurso Nacional de Cervejas Caseiras e Artesanais. Qual é a importância de um evento como este?

Basicamente, é um evento que repercute uma fórmula que é seguida, há muitos anos, em outros países. É um momento de confraternização da comunidade cervejeira nacional, com especial enfoque no movimento de homebrewing (produção de cerveja em casa), que é a base de todo este mercado. Todos os cervejeiros foram, a um dado momento, homebrewers, pelo que este concurso procura dar destaque a esse hobby e dar um suporte a projectos que, no futuro, poderão vir a tornar-se marcas de cerveja artesanal.

É um concurso único a nível nacional, com uma elevada participação dos cervejeiros caseiros e artesanais nacionais e alguns internacionais, que concorrem em quatro categorias diferentes.

Muitas marcas portuguesas e estrangeiras patrocinam o concurso, ofertando aos vencedores diversos prémios, entre os quais, como já vem sendo habitual, a reprodução numa instalação de uma reconhecida marca cervejeira da receita da cerveja vencedora de cada categoria.

Por último, esta é também uma ocasião importante para os concorrentes perceberem, de facto, em que ponto estão como cervejeiros e, especificamente, qual a qualidade das suas cervejas. Quem começa a elaborar cerveja em casa rapidamente recebe elogios dos familiares e amigos. Mas estará essa cerveja realmente boa?

No concurso, as cervejas são avaliadas em prova cega, por juízes certificados, analistas sensoriais, cervejeiros, donos de bares, ou seja, pessoas com credenciais para dar um bom feedback e contribuir, com avaliações e comentários construtivos, para que aquela cerveja possa passar para um nível superior.

Vamos para a oitava edição e os objectivos continuam a ser muito similares aos do nosso primeiro concurso: divulgar a cerveja artesanal, criar uma comunidade de cervejeiros caseiros e artesanais, alavancar novos cervejeiros, confirmar grandes produções de cervejeiros já “profissionais” e atrair, em última instância, novos interessados para esta nossa paixão.

Será de alguma forma diferente devido à COVID-19?

Certamente que sim. Habitualmente, contamos com juízes internacionais para nos auxiliarem a avaliar as cervejas com a sua experiência, facto que não acontecerá este ano, onde apostaremos na “prata da casa”, apenas com juízes nacionais.

De igual modo, para além da componente competitiva em si, nos dias das provas costumam ocorrer alguns acontecimentos paralelos, como a realização de quizzes, almoços de confraternização, entre outros. Este ano, em função das restrições impostas pelas autoridades de saúde, houve uma redução no número das actividades e mesmo aquelas que vão decorrer serão realizadas de modo virtual, através de plataformas como o Skype ou o Zoom, sendo que o número de pessoas presentes será limitado consoante as indicações da DGS vigentes à altura.

Chegámos a ponderar a não realização do concurso, mas, como é um evento que não depende da participação de pessoas externas ao júri, foi decidido mantê-lo, assegurando-se o necessário distanciamento entre os jurados e todos os outros pressupostos que permitam a sua efectivação num tempo tão complicado.

É, também, um sinal para a comunidade e para toda a sociedade portuguesa, simbolizando que a cerveja artesanal continua viva e que, depois de ultrapassado este vírus, retomará o seu processo de crescimento e desenvolvimento.

Ainda há espaço para novas marcas e novos produtores neste mercado?

Actualmente, existem cerca de 100 marcas de cerveja artesanal em Portugal. Muitas dessas têm uma distribuição totalmente regional ou local, podendo apenas ser encontradas, por exemplo, no Grande Porto ou no Minho ou apenas à volta de uma determinada cidade.

Faça-se então o seguinte exercício: se eu for a uma garrafeira ou a um hipermercado, quantas marcas de vinho existem? 100? Certamente que muitas mais. E, nesse mercado, ninguém questiona se são marcas de vinho a mais ou a menos. Logo, como se compreende, ainda se está muito longe de atingir a saturação deste mercado.

Gradativamente, o consumidor vai percepcionando a existência de muitas outras marcas para além daquelas mais tradicionais e que estão habituados a beber. Há mais marcas, maior variedade de estilos, um crescimento exponencial na qualidade, pelo que, ao contrário do que muitas vezes se ouve, a cerveja artesanal não é uma moda ou um epifenómeno.

Vai continuar a conquistar quota de mercado e a crescer. Na verdade, depois de descobrirmos que uma cerveja pode ter um forte carácer, que acompanha perfeitamente qualquer tipo de gastronomia, possui aromas e sabores marcantes, porquê voltar atrás?

Programa do VIII Concurso Nacional de Cervejas Caseiras e Artesanais

HopSin – Colares – 8 de Novembro
09h-13h – Prova das cervejas a concurso (duas categorias);
13h-15h – Almoço (para os juízes e para mais 15 pessoas, por inscrição prévia);
15h-16h – Webinar com Q&A aos cervejeiros Fernando Gonçalves e Sérgio Pardal, subordinado à temática de produção de cerveja (a realizar-se por plataforma Zoom).

Praxis – Coimbra – 14 de Novembro

09h-13h – Prova das cervejas a concurso (duas categorias);
13h-15h – Almoço (para os juízes e para mais 15 pessoas);
15h-16h – Visita às instalações de cerveja Praxis, a realizar em pequenos grupos de cada vez;
16h-17h – Realização de quizz cervejeiro, com oferta de cervejas da Praxis aos vencedores;
A partir das 17h – Divulgação dos resultados e entrega dos certificados.

Texto de Filipa Almeida

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