«Uma população que se vê bem representada nas marcas é uma população que compra e recomenda»

Expressões ou palavras como “pareces uma menina”, “denegrir” ou “cor da pele” são usadas no dia-a-dia sem que se pense muito em cada uma delas. São atiradas em conversas pelo sentido que foram assumindo, mas ignorando a mensagem subliminar que podem estar a passar.

A associação Fala Terra quer contribuir para mudar este cenário, alertando para a origem das palavras e para aquilo que está nas entrelinhas. Em colaboração com o copywriter Ângelo Delgado e com o investigador Ricardo Higuera, nasce assim o Glossário de Expressões Discriminatórias, dirigido a todos os actores ligados às mais variadas formas de comunicação, incluindo a publicidade.

Neste documento, são apresentadas várias palavras ou expressões que os autores consideram racistas, sexistas ou xenófobas, desconstruídas e acompanhadas por sugestões e alternativas. Tudo para que o trajecto de mudança já iniciado possa ter continuidade.

«Ainda há muito caminho a fazer mas acredito que o processo de mudança já começou. Já se verifica alguma sensibilidade para a representatividade de certos grupos e de certas pessoas particularmente estigmatizadas na sociedade e também uma forma menos sexista e hegemónica de pensar e fazer publicidade», afirma Carla Isidoro, co-fundadora e presidente da associação Fala Terra – Associação de Comunicação para a Diversidade.

Em entrevista à Marketeer, a responsável sublinha que a comunicação inclusiva para a diversidade não é um tema novo em Portugal, mas que «deveria ser levado com maior interesse pelas empresas e por profissionais». Segundo Carla Isidoro, «uma população que se vê bem representada nas marcas que segue e consome é uma população que compra, recomenda e partilha».

A ideia começou a ser formada no ano passado, quando a Fala Terra foi criada. Nascida em plena pandemia, a associação surge após a constatação de que as campanhas feitas pelas marcas nacionais, com mensagens de união e esperança, não representavam a população a que se dirigiam. Urgia, por isso, arranjar uma forma de sensibilizar para o tema.

Em simultâneo, os responsáveis da Fala Terra tinham em andamento o Observatório da Comunicação Inclusiva, projecto-piloto a partir do qual identificou casos de linguagem discriminatória em conteúdos dos meios de comunicação social, mas também no audiovisual, na publicidade e nas redes sociais.

«Durante meses, o Observatório analisou diversos canais de comunicação de forma exploratória e foi-nos fácil identificar exemplos de más práticas. Percebemos que seria importante desenvolver iniciativas como o Glossário», conta Carla Isidoro. A presidente da associação reitera que, muitas vezes, a utilização desta linguagem durante o exercício profissional é inconsciente, mas que é preciso trabalhar activamente contra estes estereótipos e estigmas.

Faltava apenas encontrar os parceiros certos. Por um lado, surge Ângelo Delgado que, além de copywriter, é também antigo jornalista e autor do livro “Sem Ofensa”, onde denuncia, com humor, expressões racistas usadas no dia-a-dia em Portugal. Por outro, junta-se Ricardo Higuera Mellado, consultor para uma agência de comunicação corporativa no Chile, investigador em temas de género e um dos fundadores da Associação Men Talks. «Cada um de nós contribuiu para que o Glossário fosse um recurso plural», garante Carla Isidoro.

Embora tenha sido desenvolvido a pensar nos profissionais de comunicação, o Glossário de Expressões Discriminatórias está ao alcance de qualquer pessoa. Está a ser divulgado através do site e redes sociais da Fala Terra, onde também estão a ser partilhados conteúdos criados especificamente para estas plataformas. Além disso, foi enviado para meios de comunicação social, agências de comunicação e de design.

Segundo a presidente da associação, o glossário resulta de um processo de discussão online, que decorreu ao longo de várias semanas, e que partiu do conhecimento e das experiências pessoais e profissionais de cada um dos intervenientes.

«Eu enquanto mulher promotora da igualdade de género e que conhece bem o impacto negativo do sexismo, o Ângelo enquanto português negro e o Ricardo enquanto chileno a viver em Portugal e a investigar sobre masculinidades, trouxemos experiências díspares e muito ricas para a construção do glossário.»

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