Trazer o orgulho de volta

Sei que estamos em época de Pride, mas não é sobre paradas ou a decisão do Supremo Tribunal de Justiça americano que vou falar (decisão que saúdo de forma superlativa). Também já quase tudo foi dito acerca do Festival de Cannes de 2015. Mas, no ano em que Cannes conheceu a Kardashian, na sua contínua atracção pelo basfond não criativo, os números dão a conhecer que parece que basta sair de Portugal para um português começar a ganhar coisas e a ser respeitado.

É o caso de João Coutinho, Susana Albuquerque, Paulo Martins, Vasco Vicente, Carlos Matias, Hugo Veiga, Daniel Soares, Nuno Pestana Teixeira, Ricardo Adolfo, todos vencedores de leões este ano. A trilhar o mesmo caminho, em agências em todo o mundo, estão muitos outros criativos portugueses que mais tarde ou mais cedo acabarão por ser premiados. Porque o talento existe, porque nós somos criativos e inventivos e temos uma rara capacidade de adaptação a contextos e aos outros.

Mais de 500 mil portugueses emigraram desde 2010. Se muitos vêem nisso uma experiência que lhes vai enriquecer a vida e torná-los pessoas melhores, outros verão que esta gente vai fazer falta, até porque entre eles estão os mais qualificados e os mais jovens.

E se bem que seja uma experiência incrível trabalhar no exterior e ter a possibilidade de brilhar em palcos mundiais, tenho a certeza que lhes continuam a faltar muitas coisas que cá deixaram e sem dúvida terão um sentimento de vitória angustiada por não terem sido capazes de fazer o mesmo no seu país, por o seu país não ter a ambição de daqui conseguir impressionar o mundo.

Diz João Coutinho, numa entrevista ao Dinheiro Vivo, que falta ambição às agências portuguesas. Corrijo o meu amigo e direi que o que falta é visão. Quando comecei a trabalhar, em 1996, um jovem criativo era uma esperança dentro de uma agência, hoje, é um problema. É mais um criativo com ideias que ainda vai roubar um lugar, mais um gajo a que se vai ter que subir o salário, mais uma despesa, mais um gajo para ser tapado de forma a não destapar a incompetência de outros.

Parece haver a convicção de que a partir do momento em que alguém é bom torna-se num incómodo, um problema a resolver. Sim, porque quando se é bom, ou quando se nasce com opinião, há todo um handicap a ultrapassar. A verdade é que isto não se justifica só com a crise – embora esta pareça ter influência nos resultados dos últimos anos das agências portuguesas em Cannes (informação concentrada num artigo de Ricardo Miranda para o Shifter).

Justifica-se com a mentalidade que emerge quando a crise ataca. Sem ter provas de correlação científica, quando a crise ataca, vence a mediocridade. É um país condenado aquele que exporta o talento e que cá promove políticas e mentalidades que só servem para dar poder a quem melhor se mexe e não a quem melhor cria (Mexe – a arte de se autopromover à custa de tudo, menos do talento). Não estou dentro das empresas nacionais mas, pelo que vi nos últimos anos, o mesmo se passa nestas estruturas corporativas e o resultado vê-se na qualidade dos briefings e na falta de vontade de querer mais, sem ser só por menos. Na parte que nos toca, nós, os directores criativos, temos a responsabilidade de salvar a geração que ainda cá está.

De deixar de pensar no jovem criativo como um problema em que tem que se gastar tempo ou para esticar a massa que os veteranos amassaram. Nós, directores criativos, estamos já a sofrer com essa falta de talento e sempre que há um pico de trabalho e são precisas mais cabeças, percebemos que as que andam lá fora fazem falta. Temos que os mobilizar, de lhes dar palco nos eventos de criatividade nacionais (é angustiante a falta de ligação e presença de jovens criativos e estudantes nas iniciativas do Clube Criativos de Portugal e a falta de envolvimento dos seus DC), de lhes dar oportunidades dentro das agências para assumirem a responsabilidade de ter ideias e lutar por elas.

Temos que lhes dar a hipótese de falhar. Temos que deixar de assobiar para o lado e exigir às agências a sua valorização. Temos que lhes exigir, afastar o estigma de geração ready-made, que espera que esteja tudo feito e preparado à espera. O que precisam é de estímulo e responsabilidade. De motivação e orgulho. Temos que os fazer ter orgulho em estar cá, em trabalhar com os mais experientes, em empresas e agências que lhes podem ensinar e nas quais podem crescer e retribuir.

Entretanto, é preciso dar os parabéns a todos os que ganharam, fazer deles símbolos e exemplos que nos restituam uma coisa mais importante que o orgulho – a confiança. É preciso dar os parabéns a todos os que têm a vontade de vir a ganhar. E, claro, aos únicos que este ano trouxeram o leão para Portugal – a equipa da Publicis com o projecto Stiletto e aos que mesmo sem leão foram reconhecidos – Rogério Serrasqueiro com o seu segundo lugar nos Young Director Awards. Que para o ano haja mais criativos e agências a tentar colocar-se em bicos de pé.

Texto Pedro Pires

Director criativo ivity

Fotografia  Paulo Alexandrino

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